31 Agosto 2021
"O mundo tem uma pegada ecológica superior à biocapacidade do Planeta e o déficit ambiental cresce a cada ano e a biodiversidade paga um alto preço" , escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 30-08-2021.
“Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito é coisa de louco ou de economista” - Kenneth Boulding (1910-1993)
A população humana cresceu 2 mil vezes durante o Holoceno (últimos 12 mil anos). O primeiro bilhão de habitantes foi alcançado por volta de 1800. O segundo bilhão foi atingido em 1928, o terceiro em 1960, o quarto em 1975, o quinto em 1987, o sexto em 1999, o sétimo em 2011 e o oitavo bilhão de habitantes deverá ser alcançado em 2023, conforme mostra o gráfico abaixo do Our World in Data.
Foto: EcoDebate
Este crescimento exponencial fez com que o padrão de produção e consumo da humanidade ultrapassasse a capacidade de carga da Terra degradando os ecossistemas e provocando uma grande redução das demais espécies vivas do Planeta que entraram em processo de extinção em massa, com enorme perda da biodiversidade.
Existe uma emergência climática e uma emergência ambiental. O aquecimento global pode tornar boa parte da Terra em locais inabitáveis. A 6ª extinção em massa das espécies ameaça a biodiversidade e a redução considerável dos polinizadores que garantem a produção de alimentos.
Relatório de Sir Partha Dasgupta diz que os interesses da humanidade estão degradando o meio ambiente. O gráfico abaixo resume a situação, pois enquanto a produtividade econômica aumenta, cresce o capital humano, mas diminui o capital natural. Ou seja, enquanto a economia cresce, a humanidade enriquece e a natureza empobrece. Isto é, o mundo tem uma pegada ecológica superior à biocapacidade do Planeta e o déficit ambiental cresce a cada ano e a biodiversidade paga um alto preço. Este caminho é insustentável. A extensão em que se degradou coletivamente a biosfera criou extremos riscos e incertezas, ameaçando nossas economias e meios de subsistência e deu origem a riscos existenciais para a humanidade.
Foto: EcoDebate
Em 2011, quando a população global atingiu 7 bilhões, o economista David Lam e o demógrafo Stan Becker fizeram uma aposta. Lam previu que os alimentos ficariam mais baratos na próxima década, apesar do contínuo crescimento populacional. Becker previu que os preços dos alimentos subiriam, por causa dos danos que os humanos estavam causando ao planeta, o que significava que o crescimento populacional ultrapassaria o fornecimento de alimentos. Becker venceu e, seguindo seus desejos, Lam assinou um cheque de US$ 194 para o Population Media Center, uma organização sem fins lucrativos com sede em Vermont, que promove ações visando a estabilização da população internacionalmente.
De fato o Índice de Preços de Alimentos da FAO (FFPI) – que é uma medida da variação mensal dos preços internacionais de uma cesta de commodities alimentares – tem apresentado valores recordes. A atualização do FFPI da FAO (divulgado 08/07/2021) teve um curto pico acima de 120 pontos em meados da década de 1970, em valor real, em decorrência do primeiro choque do petróleo, mas atingiu os valores mais baixos da série entre 1985 e 2005. O preocupante é que os preços voltaram para o patamar de 120 pontos no primeiro semestre de 2021, conforme mostra o gráfico abaixo.
Foto: EcoDebate
Comida mais cara num quadro de desemprego significa aumento da insegurança alimentar. Indubitavelmente, o espectro da fome voltou a assustar o mundo. O discurso otimista de David Lam, (quando fez um discurso presidencial à PAA – Population Association of America – em 2011) não parecem corresponder a nova realidade global.
De acordo com projeções do IHME da Universidade de Washington (Vollset, 14/07/2020), a população mundial deve alcançar o pico de 9,73 bilhões de habitantes em 2064 e iniciar uma fase de decrescimento nos anos e décadas seguintes. Mas até lá a Pegada Ecológica deve continuar crescendo e as emissões de gases de efeito estufa podem ter um efeito de colocar o aquecimento global em uma rota de não retorno.
Mas o Conselho Consultivo de Crise Climática (CCAG, na sigla em inglês), em seu terceiro relatório climático, divulgado dia 25/08/2021, alerta que reduzir a zero as emissões de gases de efeitos estufa até 2050 não é mais o suficiente para inverter as mudanças climáticas. Dessa maneira, o planeta não atingirá a meta estabelecida pelo Acordo de Paris em limitar o aquecimento global em até 1,5º C até o fim deste século, pois este limite poderá ser ultrapassado já em 2030 e o limite de 2º C pode ser ultrapassado até 2050.
Assim, como mostrou Stan Becker a população mundial vai enfrentar muitos desafios ao longo do século XXI e não vai ser mais possível jogar o debate sobre a questão populacional para debaixo do tapete. Segundo Martine e Alves (2015), o desenvolvimento sustentável virou um oximoro e o tripé da sustentabilidade (econômico, social e ambiental) virou um trilema. Sem ECOlogia não há ECOnomia. O mundo vai ter que escolher entre grande quantidade de pessoas com baixa qualidade da vida ambiental ou menor quantidade de pessoas (e consumo) e maior qualidade de vida ecológica.
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Mundo lotado e as apostas sobre o futuro da população global. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU