Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 31 Mai 2018
As eleições presidenciais colombianas foram para o segundo turno. No domingo, 27-5-2018, Ivan Duque com 39% dos votos válidos e Gustavo Petro com 25% polarizam mais uma eleição na América Latina que será decidida no dia 17-6-2018. O país divide-se em esquerda e direita, mas com sua característica própria: um uribista e um ex-guerrilheiro. As eleições acontecem na conjuntura de uma rejeição popular ao acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia — FARCs e o Ejército de Liberación Nacional — ELN e a entrada do país na Organização do Tratado do Atlântico Norte — OTAN. Entretanto, para a esquerda latino-americana o movimento Colômbia Humana pode sinalizar uma composição de múltiplas forças de um mesmo espectro para chegar ao governo.
Gustavo Petro pode ser apresentado pelas representações culturais da sua roupagem anterior à candidatura. Sua alcunha dos tempos de guerrilha inspira-se na dinastia Buendía do realismo fantástico de Gabriel García Marquez. Disfarçado de “Coronel Aureliano” era um dos principais líderes da M-19, conhecida no Brasil por presentear Pablo Escobar com a Espada de Símon Bolívar, na série Narcos, da Netflix. Diferente da realidade, a M-19 não fez esse regalo ao líder do cartel de Bogotá, mas de fato inspirou-se no sonho da Pátria Grande e na apropriação de seus símbolos para um socialismo latino-americano.
A apresentação de Petro pela cultura popular não é apenas curiosidade. Carrega características próprias da política e cultura colombiana com os vínculos tradicionais da esquerda latino-americana. Ao longo da sua trajetória política sempre ressaltou a sua origem na Teologia da Libertação, e saúda Camilo Torres, padre, guerrilheiro e mártir do ELN.
Essa mescla de elementos eleva o ex-prefeito de Bogotá à uma possibilidade concreta de um programa político de esquerda que carrega a militância e pensa novos caminhos com chances reais de vencer a eleição no continente.
Esta es mi biblioteca, allí están varios libros sobre el Padre Camilo Torres Restrepo #LeerNoEsUnDelito pic.twitter.com/d2KPjs0u9l
— Gustavo Petro (@petrogustavo) 13 de julho de 2015
O programa Colômbia Humana é fruto do Movimiento Progresistas, criado por Petro. O nome tem origem no lema da sua gestão na prefeitura, Bogotá Humana. O programa foi construído em conjunto aos movimentos indígenas da Colômbia, Movimiento Alternativo Indígena y Social — MAIS e Alianza Social Independente — ASI (antiga Alianza Social Indígena), e o partido formado por ex-guerrilheiros das FARCS Unión Patriótica — UP.
A aliança nas eleições legislativas, em 11-3-2018, conseguiu aproximadamente 780 mil votos, elegendo quatro senadores e dois deputados em todo país. Apenas seis legisladores em um pleito para preencher 280 cadeiras (108 no senado, 172 na câmara). No executivo, a esquerda colombiana chegou ao segundo turno com uma política plural e representativa. Mas a diferença de quase 15 pontos percentuais nas urnas indica a necessidade de alcançar mais uma gama da sociedade que se sinta representada em um programa que promete ultrapassar os limites que os governos de esquerda da região tiveram.
A Colômbia Humana tem como ponto central do seu plano de economia a superação da desigualdade e do modelo extrativista de desenvolvimento. O programa é radical comparado aos últimos governos da esquerda no continente. Afirma-se que não serão renovados contratos com empresas de extração de carbono, não será permitido o fracking e para todo trabalho mineiro será desenvolvida uma política compensatória que permita ao desenvolvimento humanos nas zonas de mineração, sobretudo para povos indígenas. Em suma, será alterada as leis de extração de minérios, assim como uma reconversão da extração petrolífera.
Conceitos-chave para explicar as propostas de economia são a economia produtiva e justiça climática. Os pontos apresentados determinam o trabalho como atividade produtiva e libertadora, com incentivo público aos pequenos empreendimentos individuais e coletivos, bem como a criação de um banco popular. A defesa da água e a sua importância na ordenação do território é um ponto específico e desenvolvido. O ordenamento tem três fatores de articulação, priorizados na ordem: 1. dimensão ambiental; 2. dimensão territorial dos povos indígenas e comunidades de raízes africanas e; 3. a ruralidade, a produção agrária e a urbanização.
Em relação à segurança, o programa tem como prioridade máxima o acordo de paz com as FARCs e o ELN. Esse ponto é o principal distanciamento de Iván Duque. Ao mesmo tempo que o acordo de paz pode ser o ponto fraco na conquista de votos. Petro destaca a necessidade de uma reforma estrutural do sistema judiciário para garantia de autonomia das entidades, combate à corrupção e uma vida de liberdade e sem medo, com direito aberto para manifestações populares.
Na contramão do atual governo de Juan Manuel Santos, a Colômbia Humana propõe uma abertura maior de diplomacia com a América Latina. Nesta semana das eleições, a Colômbia acertou sua entrada como parceiro na Organização do Atlântico Norte — OTAN e na Organização para o Comércio e Desenvolvimento Econômico — OCDE. O programa de governo apresentado deixa explícito o desenrolar da política externa para transformação da estrutura desigual de poder que desfavorece a América do Sul, América Central, Ásia e África. O acordo colombiano com a OTAN reforça os riscos de ingerência de força dos países dessa organização sobre o continente, já com o desmantelamento da UNASUL.
Gustavo Petro é o polo oposto de Álvaro Uribe, ex-presidente, atual senador e principal referência da direita colombiana há pelo menos duas décadas. Iván Duque é um descendente político dessa tradição. Assim como Juan Manuel Santos, aliado pelo menos até sua eleição presidencial de 2010. Por isso, as eleições colombianas ocorrem com programas distintos e distanciados na linha política e histórica.
A chegada de Petro no segundo turno pode ser uma virada no jogo político da Colômbia, vencida pelo uribismo e seus descendentes nas últimas quatro eleições. E para a esquerda latino-americana um sinal de que é possível se reinventar.
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Colômbia. Estaria Gustavo Petro apontando um novo caminho para a esquerda na América Latina? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU