10 Outubro 2016
A decisão do papa de elevar a cardeais dois arcebispos americanos é uma mensagem a outros prelados dos EUA de que a Igreja necessita de líderes menos preocupados com questões que levam a guerras culturais e que, diferentemente, interessam-se mais em construir pontes e fazer da Igreja um lugar mais acolhedor.
A reportagem é de Michael O’Loughlin, publicada por America, 09-10-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em um movimento que irá abalar a maneira como a hierarquia americana opera, o Papa Francisco anunciou, no domingo, a criação de 17 novos cardeais, incluindo três bispos americanos: Dom Blase Cupich (de Chicago), Dom Joseph Tobin (de Indianápolis) e Dom Kevin Farrell (ex-bispo de Dallas que foi designado no começo do ano pelo papa para liderar o novo dicastério vaticano voltado à família).
O impacto sobre como a Igreja opera nos Estados Unidos poderá ser imenso.
Cupich é um aliado-chave de Francisco nas reformas propostas que os apoiadores dizem que pode tornar a Igreja mais acolhedora aos católicos insatisfeitos. A abertura de Tobin em relação a mais oportunidades às mulheres na Igreja e o seu apoio para o reassentamento de refugiados sírios, mesmo contra objeções de vários campos políticos, o colocam em plena sintonia com a pauta do papa.
A elevação de Cupich a cardeal era amplamente considerada óbvia.
O Papa Francisco, afinal de contas, escolheu a dedo o arcebispo de Chicago em 2014, passando por cima da lista de candidatos preparados para ele por seus assessores. Essa escolha para liderar uma das arquidioceses mais notórias e influentes da Igreja nos EUA pegou de surpresa alguns líderes eclesiásticos. Antes de assumir Chicago, Cupich conduzia a pequena diocese de Spokane, Washington, e Rapid City, Dakota do Sul.
Desde a sua instalação, Cupich vem se mostrando um aliado-chave de Francisco nos Estados Unidos. Ele esteve presente em Roma na segunda parte do Sínodo dos Bispos sobre a família, onde instou os delegados a pensarem meios de fazer com que os católicos em situações familiares irregulares se sintam mais acolhidos na Igreja, incluindo a possibilidade de os fiéis divorciados e recasados poderem receber a Comunhão.
Em nível nacional, Cupich vem urgindo publicamente os seus colegas bispos a passar mais tempo discutindo questões como a reforma imigratória e os direitos dos trabalhadores. No encontro da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA no ano passado, por exemplo, o arcebispo foi ao microfone para pedir que a imigração fosse incluída na lista de prioridades-chave que orienta o trabalho episcopal no país. Esta sugestão foi rejeitada.
Enquanto a nomeação de Cupich já era esperada, a de Tobin se apresenta como um fator-surpresa.
Certamente Indianápolis não é uma arquidiocese acostumada a abrigar um cardeal, mas Francisco tinha ciência de como Tobin havia administrado a supervisão polêmica das irmãs católicas nos EUA ordenada pelo Papa Bento XVI em 2012.
Antes da nomeação para Indianápolis, o arcebispo serviu em Roma, no departamento que supervisiona a vida religiosa. Em Roma e nos EUA ele irritou alguns linhas-duras por pedir que a investigação às irmãs americanas com base em preocupações doutrinais fosse mais restrita.
O arcebispo acabou sendo posteriormente elogiado pelas religiosas devido à sua sensibilidade e compaixão em escutar as inquietações delas e foi considerado um dos responsáveis pelo fim da investigação dois anos antes do previsto.
Esta semana, Tobin manifestou o seu apoio à ideia de haver mulheres servindo como diaconisas na Igreja Católica, e com isso a possibilidade de que possam pregar na missa.
Segundo o sítio eletrônico National Catholic Reporter, durante uma sessão de perguntas e respostas num congresso católico para mulheres, o arcebispo falou que estava “esperançoso” quanto à possibilidade de haver diaconisas.
“Tenho orado para que o Papa Francisco possa trazer coisas boas com sua promessa de encontrar funções mais incisivas e visíveis às mulheres na Igreja”, disse Tobin de acordo com site.
Na questão política, Tobin foi motivo de manchetes em 2015 quando entrou em rota de colisão com o governador Mike Pence, vice de Donald Trump à presidência. Pence havia se juntado a vários governadores do país ao anunciar que refugiados sírios não seriam bem-vindos em seu estado, citando preocupações com o terrorismo.
A agência Catholic Charities em Indianápolis vinha trabalhando há meses para reassentar uma família síria na época do anúncio, e Pence pediu que a organização suspendesse os planos. Depois de uma reunião entre os dois, Tobin anunciou que iria mesmo assim orientar a agência a seguir em frente com o reassentamento.
A elevação a cardeal de Farrell vai ter um impacto menor sobre como a Igreja opera nos EUA, mas o movimento significa que ele vai se tornar a mais alta autoridade americana trabalhando em Roma.
O bispo nascido na Irlanda passou grande parte de sua carreira atuando em Washington, DC, antes de ser nomeado chefe da Igreja em Dallas no ano de 2007. Nos últimos anos, o bispo, pessoa antenada nas mídias sociais, tem escrito em seu blog sobre a necessidade de haver leis que regulam melhor o controle de armas, especialmente depois da violência que rompeu no meio deste ano, em que cinco policiais foram mortos a tiros durante protestos, em princípio, pacíficos relativos aos assassinatos de afro-americanos desarmados pelas mãos de policiais.
Notável também são três omissões no anúncio feito pelo Papa: Dom Charles Chaput (da Filadélfia), Dom William Lori (de Baltimore) e Dom Jose Gomez (de Los Angeles). Essas três arquidioceses são tradicionalmente lideradas por cardeais, mas Francisco vem mostrando que a geografia apenas não é o componente mais importante quando se trata de conferir o barrete vermelho.
Chaput tem resistido a alguns esforços reformistas do papa, escrevendo que abrir a participação na Comunhão aos divorciados e recasados não é o caminho a ser seguido, apesar de o papa aparentemente endossar a ideia. E Lori vem sendo um dos mais destacados do país nas chamadas “guerras culturais”, atuando nas linhas de frente das batalhas contra o governo Obama no tocante a contracepção, principalmente por ser o coordenador do Comitê para a Liberdade Religiosa, da Conferência dos Bispos.
É uma surpresa não nomear Gomez ao Colégio Cardinalício, ele que foi ordenado padre como membro da Opus Dei. Desta vez, Gomez era visto como uma escolha possível em parte por causa de sua descendência hispânica, grupo demográfico que mais cresce dentro da Igreja no país; os seus frequentes pedidos por políticas públicas mais favoráveis aos imigrantes indocumentados estão em sintonia com o papa.
Estas omissões significam que três das maiores arquidioceses não estarão representadas em um conclave, caso venha a acontecer num futuro próximo.
Quando forem feitos cardeais numa cerimônia no Vaticano, coincidindo com o fim do Ano Santo da Misericórdia, os arcebispos Cupich e Tobin tornar-se-ão duas das vozes católicas mais poderosas nos EUA. Praticamente falando, isso significa que a eles precisarão passar mais tempo longe de suas sés, ajudando o papa a governar em Roma a Igreja universal e, quando a hora chegar, eleger um novo papa.
O principal efeito disso tudo no país será uma maior influência destes prelados. Suas palavras e pautas terão um peso maior diante de seus irmãos bispos e, talvez, até mesmo entre os católicos comuns. Quando um cardeal fala, certos católicos escutam. Como eles exercem esta influência será central à quantidade de impacto que podem ter na Igreja aqui. Os prelados americanos reconhecerão que eles formam o tipo de líder que o papa quer.
Essas escolhas demonstram que Francisco deseja que a Igreja americana se centre mais em questões como a imigração e o papel da mulher na Igreja, contornando os centros tradicionais do poder a fim de encontrar líderes que tenham o cheiro das ovelhas, como disse o papa.
Estes movimentos são pistas aos bispos americanos sobre como o papa quer que a Igreja seja governada. A grande dúvida agora é se os dois novos cardeais americanos serão capazes de usar este sinal de aprovação papal para dar um novo curso às Igreja americana.
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Novos cardeais sinalizam um distanciamento das guerras culturais americanas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU