A salgada conta da crise econômica no bolso e na vida dos trabalhadores e das trabalhadoras. Entrevista especial com Rodrigo Castelo

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27 Abril 2015

"O governo tomou um determinado caminho para fazer o reajuste em decorrência da crise econômica. Escolheu o caminho da alta burguesia", afirma o economista.

 
Foto: professorrafaelporcari.com
O pano de fundo da crise que o Brasil vem atravessando diz respeito à economia, no entanto, ela é atravessada por inúmeras variantes que impactam setores correlatos à pasta de Joaquim Levy e atingem diretamente o bolso da maior parte da população, justamente a mais econômica e socialmente vulnerável. “O governo tomou um determinado caminho para fazer o reajuste em decorrência da crise econômica. Escolheu o caminho da alta burguesia, que se utiliza do Estado para repassar os custos da crise capitalista aos trabalhadores”, avalia o professor e pesquisador Rodrigo Castelo, em entrevista por telefone à IHU On-Line.

“O ajuste fiscal previsto é da ordem de 70 bilhões de reais, e Joaquim Levy, sob ordem expressa do Palácio do Planalto, está negociando pessoalmente no Congresso. E uma das principais medidas foi justamente essa retirada de direitos sociais dos trabalhadores, que está condicionada nas MP’s 664 e 665, que vão fazer cortes no seguro-desemprego e nas pensões”, explica Rodrigo. Porém, de acordo com o entrevistado, essa política não é nova e nem exclusiva do Partido dos Trabalhadores, tratando-se da reafirmação da ideia de superávit primário que vem desde o segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cumpridor da cartilha do Consenso de Washington.

Ao pensar a atual conjuntura, Rodrigo recorda as Jornadas de Junho que se opõem radicalmente aos protetos mais recentes que ele classifica como reacionários. “Temos a repressão contra as Jornadas de Junho, completamente diferente dessas mobilizações reacionárias de rua em 2015, no qual cidadãos tiram selfies com as forças repressivas, inclusive apelando para um golpe militar”, critica.

O Brasil, em pleno século XXI convive com uma cifra aterradora do trabalho infantil. “O trabalho infantil ainda alcança 3,5 milhões de crianças e adolescentes, sendo que o número de mortes desse setor tem aumentado enormemente. O número de afastamento por doenças do trabalho também é significativo, pois tem um dado da Previdência Social de que entre 2006 e 2009 tivemos um aumento de 2.100% nos afastamentos de trabalhadores por questões de transtornos mentais”, expõe. “É hora de questionarmos profundamente o modo de produção capitalista”, propõe.

Rodrigo Castelo é graduado em em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, onde também realizou mestrado e doutorado em Serviço Social. Atualmente é professor da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Unirio e pesquisador do Grupo de Trabalho da Teoria Marxista da Dependência, criado na Sociedade Brasileira de Economia Política - SEP.

Confira a entrevista.

Foto: boitempoeditorial.com.br
IHU On-Line – O que ocorre com o trabalho no Brasil?

Rodrigo Castelo – A despeito de análises superficiais sobre o mercado de trabalho, o capitalismo dependente é uma realidade contemporânea no Brasil. A sua base estrutural são a superexploração da força de trabalho e o subimperialismo das empresas transnacionais brasileiras. Isto ainda ocorre porque a riqueza produzida pelos trabalhadores no nosso país tem que ser repartida entre as classes dominantes internacionais e nacionais, sendo estas últimas subordinadas aos interesses do imperialismo. E para que a superexploração da força de trabalho ocorra, é necessária a escalada da coerção do Estado e de forças paramilitares, militarizando-se a questão social. Ou seja, a violência como potência econômica, para citarmos uma expressão empregada por Marx nos seus estudos sobre a acumulação primitiva do capital, é vigente no mundo da produção para a extração da mais-valia e a má distribuição da riqueza produzida pelos trabalhadores, escudada pelos aparatos repressivos/legislativos do Estado cada vez mais conservador.

IHU On-Line – O que são as chamadas “correções de distorções” que o governo aprovou ao sancionar as MPs 664 e 665 no dia 30 de dezembro de 2014?

Rodrigo Castelo - O governo tomou um determinado caminho para fazer o reajuste em decorrência da crise econômica. Escolheu o caminho da alta burguesia, que se utiliza do Estado para repassar os custos da crise capitalista aos trabalhadores. O atual governo brasileiro aposta que o baixo crescimento se dá pela retração de investimentos capitalistas no país, internacionais e nacionais, e busca então retomar a confiança dos investidores sinalizando para a melhoria de determinadas variáveis macroeconômicas.

Uma delas é a continuação da realização do superávit primário, visando garantir o pagamento da dívida pública aos detentores dos seus títulos. Para isso, o governo sinaliza para o mercado que vai ter liquidez no caixa, prometendo um ajuste fiscal draconiano em relação aos gastos sociais. Ele também acena com algumas medidas de aumento das receitas, mas estas estão em queda dado o baixo crescimento econômico. Então, nessa balança para aumentar o superávit primário, que seria melhorar a arrecadação e diminuir os gastos, o governo colocou o peso sobre a diminuição dos gastos.

O ajuste fiscal previsto é da ordem de 70 bilhões de reais, e Joaquim Levy, sob ordem expressa do Palácio do Planalto, está negociando pessoalmente no Congresso. E uma das principais medidas foi justamente essa retirada de direitos sociais dos trabalhadores, que está condicionada nas MP’s 664 e 665, que vão fazer cortes no seguro-desemprego e nas pensões.

Na verdade é a reafirmação do superávit primário que vem desde o segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que segue a cartilha do velho – mas ainda vigente - Consenso de Washington. Nós temos, então, uma linha neoliberal de continuidade desde FHC até o segundo governo Dilma, com a manutenção do superávit primário e de um amplo arcabouço jurídico, como a Desvinculação de Receitas da União e a Lei de Responsabilidade Fiscal, contingenciamento de verbas e não-execução de verbas empenhadas no orçamento.

IHU On-Line – De que forma a diminuição dos direitos dos trabalhadores está relacionada ao projeto de austeridade econômica vigente do Brasil?

Rodrigo Castelo - Um dos principais impactos sobre os direitos dos trabalhadores, com vigência de mais de 15 anos de austeridade fiscal, é a não concretização de direitos sociais conquistados a duras penas na Constituição Federal de 1988. A Constituição é fruto de um grande acordo costurado entre as classes dominantes após as vitórias conservadoras do Centrão. Nas disputas entre os constituintes, deve-se fazer um balanço entre as concessões dos dominantes aos subalternos e as conquistas arrancadas com muita luta política nas ruas, fábricas e parlamentos. De todo modo, a Constituição Federal tem um arcabouço jurídico que permite vislumbrarmos medidas importantes para os trabalhadores, como por exemplo, a seguridade social e a educação pública.

Mesmo o Brasil tendo um sistema híbrido entre os setores público e privado nestas áreas, houve importantes conquistas que, vale ressaltar, muitas vezes nem saíram do papel. Agora, com esses cortes orçamentários sistemáticos feitos ao longo de 20 anos, percebemos que os avanços jurídicos muitas vezes não se concretizam em políticas sociais. Esse seria um elemento para nos debruçarmos.

Hoje em dia, tendo em vista a privatização das políticas sociais, o Estado repassa verbas e delega para organizações não governamentais, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - Oscips, fundações, etc, as responsabilidades e a gestão de direitos sociais, que, ao fim e ao cabo, se tornam mercadorias e excluem milhões de cidadãos de acessar bens básicos à sobrevivência humana.

“Dialeticamente temos a produção da civilização capitalista gerando a barbárie para a classe trabalhadora.”

IHU On-Line – De que forma os trabalhadores pagarão a conta da economia de R$ 70 bilhões que o governo anunciou?

Rodrigo Castelo - O governo anunciou que a meta do superávit primário é de 1,2% do PIB. O governo queria fazer 80 bilhões, o núcleo político pediu para ficar em torno de 50 e 60. Então, a proposta negociada está em torno de 70 bilhões. Não sei qual vai ser o número exato, mas é o que está sendo negociado. Na educação o impacto é de sete bilhões, o que paralisou diversas atividades essenciais nas escolas, universidades e institutos federais.

Universidades como a UFRJ, a maior federal do país, não começaram suas atividades nos prazos definidos pelos seus calendários acadêmicos. No plano estadual, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ e a Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF vivem uma situação calamitosa. E o Cederj, consórcio que administra parte da educação à distância no Estado do RJ, está há meses sem pagar os seus professores terceirizados e já se fala em paralisações e até mesmo numa greve, o que seria um marco na organização deste segmento dos trabalhadores.

Os impactos dos cortes já são visíveis. O primeiro é o aumento do desemprego. Se o governo vai gastar menos, significa que haverá menos investimentos em setores importantes da economia. Significa, também, que o governo vai abrir menos concursos públicos. Ora, já percebemos desde o início de 2014 um aumento da taxa do desemprego de 5% para 7%. Podemos perceber ai uma mudança de patamar no desemprego nacional.

O segundo ponto está nos atrasos salariais e, particularmente, no atraso do pagamento dos terceirizados do governo. Vive-se a demissão em massa e no atraso no pagamento dos trabalhadores do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro – Comperj. Nesta obra bilionária, alvo da operação Lava Jato, empreiteiras trabalham com várias empresas terceirizadas e essas empresas, por conta da falta de repasse do governo pelas obras, tomam como primeira medida a demissão dos seus trabalhadores, que por sua vez protagonizam uma das principais lutas operárias no Brasil contemporâneo, fechando inclusive a Ponte Rio-Niterói. Após este corajoso ato, foram recebidos no Palácio do Planalto.

Então, observe: aumento do desemprego, atraso no pagamento de salários durante meses e a retirada de antigos direitos sociais para fazer o caixa do superávit primário e garantir fluxo da renda do fundo público para o pagamento da dívida pública. Além disso, temos o contingenciamento dos parcos recursos das políticas sociais. Vamos ter um rebaixamento ainda maior do padrão de proteção social no Brasil nesses próximos anos tendo em vista essa política implementada.

IHU On-Line - O que significa a escolha de um governo que se diz de “esquerda” em optar pela salvação da economia diminuindo os direitos dos trabalhadores?

Rodrigo Castelo - O primeiro governo Lula foi eleito como uma alternativa rebaixada de contraposição ao neoliberalismo no Brasil. Mas, antes de assumir o governo, o Partido dos Trabalhadores e a Central Única dos Trabalhadores - CUT já haviam capitulado. Ao longo dos anos 1990, o projeto democrático-popular, hegemonizado pelo PT e pela CUT, abandona qualquer defesa de um projeto socialista da classe trabalhadora para aderir ao chamado social liberalismo, salpicado por elementos do antigo nacional-desenvolvimentismo, hoje chamado de neodesenvolvimentismo.

Isso se deu ao longo da década de 1990, não somente nos seus programas e documentos político-ideológicos, mas também nas suas práticas legislativas, governamentais e no sindicalismo participativo e cidadão, uma caricatura deformada do sindicalismo autônomo e classista que a CUT defendeu ao longo dos anos 1980.

Eles já assumem preparados para implementar as políticas neoliberais, arrefecendo algumas delas e aprofundando outras. Por exemplo, as privatizações ocorrem frequentemente em diversas áreas tanto na infraestrutura como nas áreas sociais, agora não mais com a venda direta dos ativos públicos, mas fazendo as chamadas concessões público–privadas. O fundo público entra com o dinheiro e o privado entra tanto com a gestão como com os possíveis lucros gerados. O alcance foi muito maior do que nos governos FHC. O PT entregou de bandeja direitos sociais até então intocados pela exploração capitalista.

Outro elemento importante que se mantém é o brutal apassivamento da classe trabalhadora. O Estado brasileiro conjuga elementos de cooptação e de coerção. Do lado do consentimento passivo da classe trabalhadora, podemos pensar nos aumentos reais do salário-mínimo, o aumento do emprego formal, dos programas de transferência de renda, das cotas sociais nas universidades, etc..

Do lado do consentimento ativo, temos a adesão da aristocracia operária brasileira como gestores de políticas neoliberais e de fundos de pensão soldadores do capital financeiro brasileiro, responsável pelo alto grau de expropriação primária e secundária que sofrem os trabalhadores, bem como da superexploração intensificada para gerar dividendos para os detentores de ações e títulos da dívida pública.

Articulado organicamente ao consenso, temos a repressão contra as Jornadas de Junho, completamente diferente dessas mobilizações reacionárias de rua em 2015, no qual cidadãos tiram selfies com as forças repressivas, inclusive apelando para um golpe militar! Além disso, temos o uso da Força Nacional, autêntica guarda pretoriana do governo federal, nos canteiros de obras de importantes empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para reprimir as rebeliões de trabalhadores e movimentos indígenas, como ocorridas em Belo Monte e Jirau.

Por fim, a ocupação militar de comunidades populares aqui no Rio de Janeiro, tendo em vista a segurança nacional para a realização dos megaeventos, ocupações essas que tem gerado diversos casos de mortes, torturas e sequestros pela Polícia Militar, amparados pelos fuzileiros navais e pelo Exército nesses últimos anos.

“O PT entregou de bandeja direitos sociais até então intocados pela exploração capitalista.”

IHU On-Line – De que maneira as mudanças no emprego, em que houve aumento dos postos de trabalho mais precários, evidenciam apenas uma mudança conjuntural e não estrutural do mundo do trabalho no Brasil?

Rodrigo Castelo - Marx falava que os críticos da economia política precisavam ir além dos fenômenos aparentes. No nosso caso, precisamos ir além dos números do mercado de trabalho e adentrarmos o reino oculto da produção. No ano de 2002, o índice de trabalhadores informais era de 42,53% e hoje em dia está em 32%.

Esta queda, contudo, se estabilizou a partir de 2014. Milhões de empregos formais foram gerados no país ao longo dos governos petistas, sendo que 90% foram na faixa de até um salário-mínimo e meio. Além disso, tivemos um aumento absoluto da massa salarial e do consumo da classe trabalhadora. É neste período que o governo cria o conceito de nova classe média, uma completa vulgarização da economia e da sociologia, no qual as classes sociais se resumem a um quantitativo monetário.

Por baixo desses números fetichizados, todavia, há uma realidade que mostra a superexploração da força de trabalho. Houve um aumento real do salário-mínimo em torno de 70%, mas devemos nos perguntar se o salário-mínimo atende as necessidades dos trabalhadores. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese calcula, de acordo com o capítulo dos direitos sociais da Constituição Federal, que o salário-mínimo deveria ser de R$ 3.100 para atender as necessidades básicas de uma família integrada por quatro pessoas. Ora, o salário-mínimo brasileiro é um quarto disso.

Sobre a rotatividade do trabalho, estudos da Secretaria de Assuntos Estratégicos apontam que o Brasil tem a maior taxa de rotatividade do trabalho no mundo. Também temos dados dos órgãos públicos de aumento de acidentes de trabalho. O trabalho infantil ainda alcança 3,5 milhões de crianças e adolescentes, sendo que o número de mortes desse setor tem aumentado enormemente. O número de afastamento por doenças do trabalho também é significativo, pois tem um dado da Previdência Social de que entre 2006 e 2009 tivemos um aumento de 2.100% nos afastamentos de trabalhadores por questões de transtornos mentais.

Escravidão

Há ainda a situação do trabalho análogo ao escravismo no Brasil. Dentro das cadeias produtivas nacionais e internacionais do capital monopolista temos a presença desse tipo de trabalho. E vale ressaltar que isso não se dá somente em regiões periféricas e rurais do Brasil. Tivemos a presença desse tipo de trabalho nos grandes centros urbanos, como nas confecções têxteis de grandes cadeias comerciais, na construção civil em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, inclusive de obras do programa Minha casa, minha vida. Constata-se, portanto, um desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo dependente brasileiro, que conjuga processos ultramodernos de produção com formas que se assemelham ao pré-capitalismo. É uma realidade ainda presente hoje no mundo do trabalho brasileiro.

“O trabalho infantil ainda alcança 3,5 milhões de crianças e adolescentes”

Terceirização

E, por fim, podemos também destacar que o aumento da terceirização no Brasil, caso esse PL 4330 seja aprovado, impactará nos salários. Sabemos que os terceirizados recebem em torno de R$ 500 a menos do que os formalmente contratados. E o tempo de trabalho no emprego é de dois anos a menos.

Eles têm, ainda, jornada de trabalho mais estendida em torno de três horas se comparada à média dos contratados com carteira formal. E também os acidentes e mortes: 80% das mortes que acontecem no mundo do trabalho se dão com trabalhadores terceirizados. Por trás da bela aparência dos números, temos uma dura realidade do mundo do trabalho no Brasil.

Em suma, temos uma remuneração da força de trabalho abaixo das suas necessidades básicas, aumento e intensificação da jornada de trabalho no Brasil nos últimos anos. E o quadro piorará, e muito, com o aumento da terceirização.

IHU On-Line – Levando em conta toda a complexidade do mundo do trabalho no Brasil já debatidos, estamos diante de um processo civilizatório ou de barbárie? Como podemos perceber estas características?

Rodrigo Castelo - Dialeticamente temos a produção da civilização capitalista gerando a barbárie para a classe trabalhadora.

IHU On-Line - Não é um processo binário. Existem as duas coisas ao mesmo tempo. Correto?

Rodrigo Castelo - Exatamente. O Brasil não sofre de ausência de desenvolvimento capitalista. Dependência e subdesenvolvimento não são resultados da falta de desenvolvimento. As agudas expressões da nossa questão social são decorrentes justamente das particularidades nacionais do desenvolvimento capitalista, aliadas as determinações externas causadas pelo imperialismo e como as classes dominantes brasileira, tanto as novas como as antigas, se aliam ao capital estrangeiro. Ao invés de querermos promover mais desenvolvimento, temos que ter clareza que mais desenvolvimento significa mais desenvolvimento capitalista, o centro das causas do problema.

Nos últimos anos neoliberais, construiu-se um novo patamar do capitalismo dependente. O Brasil é hoje a sétima economia do mundo e continuamos convivendo com níveis de miséria e pobreza enormes e o mundo do trabalho apresenta problemas estruturais como destacado anteriormente.

Em suma, é preciso se colocar novas perguntas e fugirmos da ilusão do desenvolvimento capitalista: é hora de questionarmos profundamente o modo de produção capitalista e recolocarmos em tela o projeto socialista, pulando a etapa democrático-burguesa da revolução sem deixar de dar conta das suas tarefas nacionais, agrárias, trabalhistas e democráticas.

“Devemos promover imediatamente uma auditoria cidadã da dívida pública brasileira

IHU On-Line – Diante deste cenário, que alternativas são possíveis à crise brasileira? De onde viriam os recursos para garantir os direitos dos trabalhadores?

Rodrigo Castelo - O Fundo Público brasileiro, que hoje está na casa do trilhão, tem 45% de seus recursos destinados ao pagamento da dívida pública. É algo na casa de 800 bilhões de reais. Os juros no Brasil, a despeito de um afrouxamento da política monetária no primeiro governo Dilma, ainda se mantêm altíssimos. É a maior taxa do mundo.

No Brasil, nos últimos 20 anos, não se desmontou a hegemonia das frações rentistas das classes dominantes, embora se constate uma enorme interpenetração dos setores produtivos, bancários e financeiros dos grandes capitais.

O rentismo garante a sua supremacia com o controle do Banco Central, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, Tesouro Nacional, Casa Civil e até mesmo de gabinetes do Palácio do Planalto. Assim, tem assegurado o fluxo de parte significativa do fundo público para os seus cofres.

Questão estrutural, não macroeconômica

Ora, mudanças na hegemonia das frações do grande capital não se dão meramente com ajustes na política monetária. A política macroeconômica não é suficiente para mudar questões estruturais. Essas questões vão se dar com deslocamento do bloco de poder dominante das frações rentistas, aliadas dos setores produtivos, para a classe trabalhadora. E, daí, podemos ter mudanças substantivas na política econômica. Não é a gestão da política macroeconômica que promoverá o rompimento com o capitalismo dependente, mas sim a luta autônoma e classista dos trabalhadores.

Vale ressaltar, neste caso, que devemos promover imediatamente uma auditoria cidadã da dívida pública brasileira. Os países que já fizeram isso geralmente abatem em torno de 70% do estoque da dívida pública. Se nós diminuirmos 70% da dívida brasileira nós teríamos uma consequente diminuição do pagamento desses juros, e tal valor poderia ser utilizado nas políticas sociais. Há dinheiro no fundo público: cabe a classe trabalhadora e seus aliados se articularem para disputar esse quinhão. E não há tempo a perder!

Por Ricardo Machado

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A salgada conta da crise econômica no bolso e na vida dos trabalhadores e das trabalhadoras. Entrevista especial com Rodrigo Castelo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU