Reforma política: democracia brasileira é limitada e não garante a soberania popular. Entrevista especial com Ivo Lesbaupin

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

24 Setembro 2013

“Os movimentos sociais organizados avaliaram que o tema mais forte que saiu das mobilizações de junho e julho foi a Reforma Política. Como o Congresso não quis o plebiscito nem a assembleia constituinte exclusiva, movimentos sociais e outras entidades da sociedade civil se reuniram no início de agosto e se puseram de acordo para levar para as ruas um plebiscito popular, nos moldes daqueles que já ocorreram sobre a dívida externa, sobre a ALCA, sobre a Vale”, esclarece o sociólogo.

Foto: http://bit.ly/1aiFHBN

“Não há contradição entre as duas propostas de Reforma Política, a da iniciativa popular e a do plebiscito popular, porque ambas têm como objetivo uma reforma radical do sistema político, na direção da criação de condições para uma verdadeira democracia”, avalia Ivo Lesbaupin, em entrevista concedida à IHU On-Line. Apesar de a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político insistir no debate acerca da reforma há mais de dez anos, foi somente a partir das manifestações de junho que “sentiu-se necessidade de organizar um consenso em torno de uma proposta comum”, contextualiza o sociólogo.

Na entrevista a seguir, Lesbaupin explica as duas propostas de Reforma Política, e enfatiza que a “iniciativa popular pretende começar a influenciar desde já o Congresso, para tentar fazer valer as mudanças já para a próxima eleição, ou, se não for votada até outubro, para servir de pressão sobre os parlamentares”. Enquanto isso, frisa, a proposta de um plebiscito popular “considera que uma reforma com o alcance pretendido só poderia ser realizada através de uma assembleia constituinte exclusiva, não por este Congresso”.

Ivo Lesbaupin é professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Graduado em Filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia, é mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ e doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, da França. É autor e organizador de diversos livros, entre os quais Igreja: comunidade e massa (São Paulo: Paulinas, 1996); e O desmonte da nação: balanço do governo FHC (Petrópolis: Vozes, 1999).

Foto: http://bit.ly/17Xuu9o

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Nos últimos dias foi lançada em Brasília a “Campanha de Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política” pela “Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas”. Qual é a origem dessa iniciativa e o que propõe? Por que é preciso uma Reforma Política?

Ivo Lesbaupin - No sistema político atual, executivo e legislativo podem se entender, aprovar projetos, implementar políticas sem levar em conta o que os movimentos sociais pensam ou o que a maioria dos cidadãos reivindicam.

Há cerca de dez anos constituiu-se uma articulação de movimentos sociais e entidades da sociedade civil, que passou a se chamar “Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político”. O ponto de partida desta articulação era a constatação de que nossa democracia é seriamente limitada, porque não consegue garantir o essencial, que é a soberania popular. Em outras palavras, há elementos formais da democracia, como eleições regulares, imprensa livre, direito à liberdade de opinião, mas o poder não está nas mãos dos cidadãos e cidadãs, o poder é apropriado pelos representantes eleitos (parlamentares e governos), com muito pouca possibilidade de interferência da maioria da sociedade além do voto. Mesmo depois da introdução dos conselhos setoriais e das conferências de políticas públicas, há muita participação, mas, sem poder de decisão, o governo faz o que bem entende com as indicações que são aprovadas nestas conferências.

A Plataforma concluiu que, para efetivar a soberania popular, seria preciso muito mais do que uma simples reforma eleitoral, seria preciso reformar o sistema político. Em cinco eixos: a democracia direta, a democracia representativa, a democracia participativa, a democratização dos meios de comunicação, a democratização do poder judiciário. Depois de alguns anos pressionando o parlamento para realizar esta reforma, a Plataforma decidiu dar um passo além: em 2011 elaborou um projeto de lei de iniciativa popular que englobava dois daqueles temas, a democracia direta e a representativa, e passou a fazer campanha de assinaturas. Em 2013, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral - MCCE, juntamente com a OAB, elaborou outro projeto de lei de iniciativa popular, centrado na democracia representativa.

IHU On-Line - Por outro lado, há uma iniciativa de várias organizações populares sugerindo um “Plebiscito Popular” sobre a Reforma Política. Quem está articulando, como começou, o que propõe e quais serão os próximos passos?

Ivo Lesbaupin - A partir das mobilizações de junho e das manifestações dos movimentos sociais organizados em julho e com o destaque que a reforma política assumiu, sentiu-se necessidade de organizar um consenso em torno de uma proposta comum. A partir de sugestão da CNBB, reuniram-se várias articulações e entidades: a Plataforma, a Frente Parlamentar pela Reforma Política, o MCCE, a OAB, o MST, a CUT, a Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ, a UNE, a CONTAG, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãos - CONIC, a Associação dos Magistrados do Brasil, a Cáritas e a Comissão Brasileira de Justiça e Paz - CBJP. Formou-se a “Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas” e construiu-se um projeto de lei de iniciativa popular de consenso, tratando de dois eixos: a democracia direta e a democracia representativa.

Um dos itens fundamentais é o fim do financiamento empresarial privado para campanhas eleitorais e partidos. Muitos consideram este um dos principais fatores da corrupção existente no país. Bancos, empreiteiras, empresas em geral, entram com muitos recursos para financiar as campanhas dos candidatos. O resultado é que boa parte das ações dos governos e dos parlamentares é feita não para atender aos interesses de seus eleitores, mas os de seus financiadores.

Isto é muito fácil de verificar: se levantamos os principais financiadores das eleições de 2010 e examinamos certas políticas e a maioria das obras públicas desenvolvidas pelos governos, vemos que estas grandes empreiteiras e o setor do capital financeiro são os grandes beneficiários. Para dar apenas dois exemplos, a Odebrecht doou um milhão para a campanha presidencial. No decorrer de apenas um ano, recebeu 24 milhões para a realização de obras públicas; a empresa Carioca Engenharia doou 600 mil, e teve obras orçadas em 176 milhões. E os lucros dos bancos aumentam a cada ano (mesmo considerando o período em que houve ligeira queda nos juros), conforme informa regularmente a imprensa.

Propostas

O projeto propõe o financiamento público, de um lado, e a possibilidade de financiamento individual, com um teto de 700 reais por pessoa (em torno de um salário-mínimo), cercado de exigências. O financiamento por parte de pessoa jurídica (empresas) fica terminantemente proibido. Além de reduzir radicalmente o peso do poder econômico nas eleições, a proposta reduzirá também o montante atualmente gasto nas campanhas que, além de ser exorbitante, só dá chances a candidatos ricos (ou apoiados por ricos).

Outro elemento importante do projeto de lei é a regulamentação do uso de instrumentos de democracia direta. Estes instrumentos estão na Constituição de 1988, mas a possibilidade de seu uso é bastante restritiva. Agora a proposta estabelece que determinados temas tenham necessariamente de ser decididos pela população: por exemplo, a criação ou desmembramento de estados; a possibilidade de privatização de serviços públicos, de empresas estatais, ou de bens públicos; a alienação, pela União Federal, de jazidas, em lavra ou não, de minerais e dos potenciais de energia hidráulica. Isto quer dizer que, nestas matérias, nem o executivo nem o legislativo podem decidir, só o povo, diretamente (plebiscito).

A eleição de parlamentares será feita em dois turnos: os eleitores votarão primeiramente num partido e, no segundo turno, no candidato daquele partido. Em outras palavras, primeiro se escolhe o programa e, em seguida, o candidato que o eleitor considera melhor para levar à frente aquele programa.

Os movimentos sociais organizados avaliaram que o tema mais forte que saiu das mobilizações de junho e julho foi a Reforma Política. Como o Congresso não quis o plebiscito nem a assembleia constituinte exclusiva – propostas inicialmente pelo governo –, movimentos sociais e outras entidades da sociedade civil se reuniram no início de agosto e se puseram de acordo para levar para as ruas um plebiscito popular, nos moldes daqueles que já ocorreram sobre a dívida externa, sobre a ALCA, sobre a Vale. A pergunta única seria se a pessoa concorda com a convocação de uma assembleia constituinte exclusiva para fazer a reforma do sistema político. O plebiscito seria feito daqui a um ano, precedido de amplo debate nas bases sobre o que deve ser reformado, quais as mudanças mais importantes etc. São dezenas de movimentos e entidades da sociedade civil que aprovaram esta proposta: movimento negro, MST, UNE, MAB, pastorais sociais da Igreja Católica, da rede evangélica Fale, ao lado de CUT, Marcha Mundial de Mulheres, Levante Popular da Juventude, entre outras organizações e movimentos.

IHU On-Line - Não há contradição entre as duas iniciativas?

Ivo Lesbaupin - Diria que não há contradição entre as duas propostas, a da iniciativa popular e a do plebiscito popular, porque ambas têm como objetivo uma reforma radical do sistema político, na direção da criação de condições para uma verdadeira democracia. A iniciativa popular pretende começar a influenciar desde já o Congresso, para tentar fazer valer as mudanças já para a próxima eleição, ou, se não for votada até outubro, para servir de pressão sobre os parlamentares. A do plebiscito popular considera que uma reforma com o alcance pretendido só poderia ser realizada através de uma assembleia constituinte exclusiva, não por este Congresso. De qualquer modo, para realizar o plebiscito popular, será necessário realizar um processo amplo de debates nas bases dos movimentos sociais, das pastorais sociais, das entidades da sociedade civil – o que certamente será útil para todos.