PLP 227. A legalização do latifúndio em terras indígenas e a indecisão do governo. Entrevista especial com Márcio Santilli

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19 Julho 2013

“Sabemos que a aprovação do regime de urgência chegou a ser defendida pela ministra Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil, e por Luís Adams, advogado geral da União, enquanto que, aparentemente, outros ministros como o da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o secretário geral da presidência da República, Gilberto Carvalho, teriam opiniões contrárias ao conteúdo do projeto”, diz o pesquisador do Instituto Socioambiental – ISA.

Foto de www.grupoescolar.com

Confira a entrevista.

O PLP 227, enviado para votação em regime de urgência na Câmara dos deputados na última semana, “contradiz a própria Constituição”. Isso porque, em vez de regulamentar uma situação extrema, “os ruralistas pretendem legalizar latifúndios, assentamentos rurais, cidades, estradas, empreendimentos econômicos, projetos de desenvolvimento em terras indígenas com o pretexto de uma situação excepcional, prevista pela Constituição para ser realizada numa situação de guerra ou epidemia, que viessem a implicar um tipo de restrição à ocupação indígena”, aponta Márcio Santilli (foto abaixo) à IHU On-Line.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone, ele explica que a Constituição de 1988 prevê a instituição de uma lei complementar, segundo a qual a União poderá utilizar as terras indígenas em situações em que haja “relevante interesse público”, em casos extremos. Entretanto, acentua, “essa possibilidade virou um mote para se poder fazer com que a regra constitucional se transformasse numa exceção, legalizando todo tipo de ocupação não indígena em terras indígenas”.

Depois da polêmica em torno do PLP 227, e das divergências dentro do próprio governo, tanto em relação aos trâmites quanto ao conteúdo da proposta, a votação foi adiada. Para Santilli, essa “posição do governo é ambígua, porque a apreciação de um requerimento de urgência se deu no colégio de líderes da Câmara dos deputados, e o líder do governo teria abalizado a inclusão desse requerimento de urgência na pauta da sessão de quarta-feira passada”.

Segundo ele, o requerimento “só não foi votado porque havia muitos outros projetos a serem votados e a sessão se estendeu até altas horas sem que tivesse chegado a esse ponto. Nessa semana, o requerimento sumiu da pauta, assim como parece ter sido retirados da pauta outros assuntos de natureza polêmica. Parece que o presidente de Câmara e o governo perceberam haver uma receptividade muito negativa da opinião pública em relação a essa proposta. Mas o presidente da Câmara, ao mesmo tempo, constituiu uma comissão especial, que deverá ser instalada a partir de agosto na Câmara dos deputados, para discutir e dar parecer nesse projeto de lei. Ou seja, não é que a história acabou. Ela volta”.

Márcio Santilli é graduado em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp. Foi presidente da Funai entre 1995 e 1996, é um dos fundadores do Instituto Socioambiental – ISA.

Confira a entrevista.

Foto de www.umdoistres.com.br

IHU On-Line – Nesses dias, a bancada ruralista tentou avançar na aprovação do Projeto de Lei Complementar – PLP 227, que permite a interferência da União nas terras indígenas. Do que se trata este projeto?

Márcio Santilli – A Constituição prevê uma lei complementar para regulamentar as situações extremas em que o relevante interesse público da União poderá implicar um compartilhamento do uso fruto de um determinado território indígena. Essa lei complementar, embora prevista pela Constituição, nunca foi elaborada pelo Congresso. O que ocorre é que a bancada ruralista, valendo-se da previsão dessa lei, apresentou um projeto que contradiz a própria Constituição. Isso porque, em vez de regulamentar uma situação extrema, os ruralistas pretendem legalizar latifúndios, assentamentos rurais, cidades, estradas, empreendimentos econômicos, projetos de desenvolvimento em terras indígenas sob o pretexto de uma situação excepcional, prevista na Constituição para ser realizada numa situação de guerra ou epidemia, que viessem a implicar um tipo de restrição à ocupação indígena. Essa possibilidade virou um mote para se poder fazer com que a regra constitucional se transformasse numa exceção, legalizando todo tipo de ocupação não indígena em terras indígenas, no passado, no presente e no futuro. Então, se essa lei vier a ser aprovada, implicará retirar com outra mão aquilo que o Estado brasileiro determinou na Constituição de 1988.

O PLP 227 foi elaborado pelo deputado Homero Pereira (PSD/MT). O PLP original é muito ruim, e o substitutivo, pior ainda. Esperava-se que essas propostas fossem enviadas à Comissão de Minorias da Câmara, a qual pudesse analisá-las do ponto de vista dos índios. O que se fez na Comissão de Agricultura foi uma proposta à imagem e semelhança do latifúndio.

IHU On-Line – Como vê o recuo do governo em relação ao PLP 227, no sentido de não votá-lo em regime de urgência?

Márcio Santilli – A posição do governo é ambígua, porque a apreciação de um requerimento de urgência se deu no colégio de líderes da Câmara dos deputados, e o líder do governo teria abalizado a inclusão desse requerimento de urgência na pauta da sessão de quarta-feira passada. Esse requerimento só não foi votado porque havia muitos outros projetos a serem votados, e a sessão se estendeu até altas horas sem que se tivesse chegado a esse ponto. Nesta semana, o requerimento sumiu da pauta, assim como parece ter sido retirados da pauta outros assuntos de natureza polêmica. Parece que o presidente de Câmara e o governo perceberam haver uma receptividade muito negativa da opinião pública em relação a essa proposta. Mas o presidente da Câmara, ao mesmo tempo, constituiu uma comissão especial, que deverá ser instalada a partir de agosto na Câmara dos deputados, para discutir e dar parecer nesse projeto de lei. Ou seja, não é que a história acabou. Ela volta.

Havia também opiniões diferentes dentro do governo, porque sabemos que a aprovação do regime de urgência chegou a ser defendida pela ministra Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil, e por Luís Adams, advogado geral da União, enquanto que, aparentemente, outros ministros como o da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o secretário geral da presidência da República, Gilberto Carvalho, teriam opiniões contrárias ao conteúdo do projeto. Isso demonstra que não há uma opinião clara do governo nem sobre o trâmite nem sobre o conteúdo.

IHU On-Line – Recentemente a presidente Dilma recebeu os povos indígenas. O senhor atribui esse encontro aos acontecimentos de junho de 2013, às grandes manifestações?

Márcio Santilli – O que causa estranheza no encontro é o fato de ter levado tanto tempo para acontecer uma reunião desse tipo. Já é o segundo ano do mandato da presidente Dilma e, até então, ela não tinha aberto espaço da sua agenda para conversar com representantes indígenas, atitude que não era frequente, mas costumava acontecer com alguma regularidade nos governos anteriores. Via de regra, o dia do índio era sempre utilizado pelos governos como oportunidade para divulgar medidas referentes à política indigenista, para anunciar demarcações de terras e, no entanto, nada ocorreu nessas datas durante o governo da presidente.

Sem dúvida, as reiteradas manifestações de protestos dos índios chamam a atenção para essa pauta de interlocução do governo com os povos indígenas. Acredito, porém, que esse encontro estava dentro de uma agenda mais ampla da presidente, de se reunir com vários segmentos em função das manifestações que ocorreram em todo o país no mês de junho. De qualquer maneira, as lideranças indígenas entenderam que não poderiam deixar de atender ao pedido da presidente.

IHU On-Line – Diante dessa crítica à gestão Dilma, o senhor avalia que houve apenas recuos, ou há algum avanço na política indigenista?

Márcio Santilli – Até o momento se teve um quadro de retrocesso não só na política indigenista, mas em todas as políticas federais que têm uma interface com a questão fundiária e a questão de terras públicas. Praticamente não houve demarcação de novas terras indígenas, nem titulação de terras de quilombos, poucos casos de criação de unidades de conservação ambiental, uma paralisia na regularização de assentamento de reforma agrária. O que se vê é um recuo do governo Dilma em relação à destinação de terras para fins socioambientais.

IHU On-Line – O que seria uma agenda positiva para os povos indígenas?

Márcio Santilli – A essa altura a presidente tem de correr atrás do prejuízo, porque há um conjunto de terras que estão demarcadas e ainda não receberam homologação, e um conjunto de outras que foram identificadas no âmbito da Funai e que ainda não tiveram a portaria de demarcação do Ministro da Justiça. Ainda tem a questão dos índios localizados no Mato Grosso do Sul, que vivem uma situação muito grave, e que exige uma postura diferente do governo em relação às terras sob a ocupação tradicional indígena, as quais foram exploradas indevidamente pela União no passado.

A política indigenista terá de indenizar, além de benfeitorias, os proprietários que foram iludidos em sua boa fé na intitulação indevida de terras. A própria política nacional de gestão territorial indígena é superimportante, porque afinal 13% do território brasileiro já foi demarcado e reconhecido como terras indígenas, mas não há fontes definidas de financiamento para políticas públicas nessas regiões. Então, a gestão das terras indígenas é importante. Há uma política definida no papel.

A presidente recebeu o governo com uma proposta de decreto, que levou mais de um ano para assinar, o qual assinou, mas não implementou, não investiu recursos, não criou uma dinâmica da implementação dessa política, que permitisse melhorar as condições concretas de vidas, de apoiar os índios nas suas atividades econômicas, na recuperação da sua cultura. Não falta o que fazer. Nem chegamos a realizar aquilo que a Constituição preconiza, que é oferecer uma educação básica nas línguas maternas indígenas. Enfim, o fato é que o governo até agora se orientou por uma agenda negativa. Se quiser se orientar por uma agenda positiva, não faltam demandas.

IHU On-Line – Como o senhor interpreta as grandes manifestações de junho de 2013? Qual é o recado que vem das ruas?

Márcio Santilli – É o apelo do Brasil horizontal, que não está verticalizado. Essas manifestações expressam uma reação em relação ao vazio político que tomou conta do país. Parece que a corrupção é normal, que não podemos esperar maiores avanços nas políticas do país, porque chegamos a tudo que é possível, a essa política de alianças nojenta que vemos no Congresso Nacional, a atuação das empreiteiras, que definem a destinação da maior parte da capacidade de investimento do país. Então, as pessoas estão querendo dizer que, independentemente da postura conformista das estruturas verticalizadas, há um inconformismo latente no coração do povo, que quer muito mais do que estamos vendo aí.

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