18 Abril 2023
Rossoroblu é o nome da empresa fundada em 2007 por Marko Rupnik “para a criação e realização, em laboratório e no local, de mosaicos, vitrais, afrescos, murais, esculturas, pinturas em todas as diversas técnicas e artes.
A reportagem é de Federica Tourn e Maija Zidar, publicada por Domani, 15-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A empresa, com sede na via Paolina 25, onde está localizado o Centro Aletti, pertence em 90% a Rupnik e em 10% a Manuela Viezzoli, ex-irmã da comunidade Loyola que hoje faz parte do "círculo mágico" de suas fidelíssimas, as leigas consagradas da Comunidade da divina-humanidade.
Em pelo menos dois casos temos provas de que foi esta empresa que tratou das encomendas dos mosaicos: por ocasião da imensa obra do santuário de San Pio da Pietrelcina em San Giovanni Redondo e para os trabalhos de decoração na igreja do cemitério de Ljubljana.
O famoso artista, o jesuíta acusado de abusar de várias freiras, não podia escolher um nome mais sugestivo para a empresa que administra suas encomendas e o pagamentos dos seus mosaicos. Vermelho, ouro e azul são suas cores: vermelho para indicar divindade, azul o humano e amarelo a santidade de acordo com a tradição cristã do primeiro milênio, como o próprio Rupnik várias vezes explicou. São sua marca registrada, como os grandes olhos negros das figuras sacras, retratadas com as pupilas dilatadas ocupando toda a órbita.
Uma empresa de que nem mesmo o superior de Rupnik, o padre Johan Verschueren, delegado do Preposto geral da Companhia de Jesus para as Casas internacionais dos jesuítas em Roma, tinha conhecimento. "É uma notícia completamente nova para mim e também bastante chocante", disse, questionado pelo Domani. A propriedade de uma empresa não é admissível para um jesuíta, “porque é contra o voto de pobreza”, acrescentou o padre Verschueren. Quem então permitiu que Rupnik administrasse diretamente os lucros derivados de suas obras?
Mais se difundem os testemunhos das vítimas (outra religiosa, Irmã Samuelle, há poucos dias contou ao jornal francês La vie o assédio do padre Rupnik no Centro Aletti), mais os vermelhos, amarelos e azuis brilhantes de Rupnik parecem pairar sobre quem os observa e despertam não poucas dúvidas sobre o futuro das obras.
Pode-se distinguir a obra do artista das responsabilidades do sacerdote? No momento a Rupnik é proibido aceitar novas encomendas de obras artísticas, mas a interdição estende-se também ao atelier artístico do Centro Aletti do qual ele é o fundador e inspirador?
Perguntas embaraçosas, porque envolvem não só a reputação de Rupnik, mas o próprio futuro do Centro Aletti e de várias instituições religiosas e igrejas em todo o mundo. Questionamentos espinhosos que alguns começaram a levantar: no dia 27 de março o bispo de Tarbes e Lourdes Jean-Marc Micas e o reitor do santuário de Lourdes Michel Daubanes afirmaram em um comunicado oficial que “os mosaicos do padre Rupnik que decoram a basílica do santuário de Lourdes poderiam ser removidos devido ao sofrimento das vítimas que vêm ao santuário em busca de conforto". Rupnik também havia sido nomeado responsável pela decoração interna e externa da nova igreja de Saint-Joseph-le Bienveillant, cuja construção começou há vários meses na paróquia de Montigny-Voisins, não muito longe de Paris. Em 8 de dezembro passado, porém, ao saber das acusações contra o jesuíta, o bispo de Versalhes Luc Crepy, em acordo com dom Pierre-Hervé Grosjean, pároco de Montigny-Voisins le Bretonneux, decidiu interromper toda colaboração. Sinais importantes vindos da França, país sempre um passo à frente em matéria de abuso clerical e respeito pelas vítimas, e que em breve também poderiam servir de base para outros lugares.
Aguardando a resposta da Companhia de Jesus, que em breve deveria se pronunciar sobre o destino do padre e que já disse considerar confiáveis que as denúncias coletadas nos meses passados pela equipe de referência encarregada de escutar as vítimas é, portanto, interessante aprofundar como funciona “a indústria” das obras de Rupnik. Mais de 220 mosaicos, afrescos e vitrais em igrejas e instituições religiosas – este é o número de obras executadas pelo Centro Aletti de 2000 a 2022 – ao qual se devem acrescentar os quadros, os vitrais e obras funerárias de propriedade de privados.
Uma produção imensa e difundida em todo o mundo, fruto do pensamento de Rupnik e da obra do atelier do Centro, que se propõe “como forma de favorecer um novo encontro entre a arte e a fé, entre as diversas igrejas e os artistas”, como aparece no site do Centro. Um “permanente canteiro de obras comunitário”, que trata quase exclusivamente de arte litúrgica e do qual fazem parte artistas e arquitetos, “de forma a conseguir gerir todas as fases do trabalho, desde o projeto do espaço eclesial até a realização da decoração litúrgica e das obras de arte”.
Sem entrar no mérito do valor artístico dessas obras, estamos certamente perante um patrimônio considerável do ponto de vista econômico. Especialmente os mosaicos, que tornaram internacionalmente famoso Marko Rupnik, produziram receitas estimadas em dezenas de milhões de EUR. E aqui, portanto, surge a pergunta: quanto custa um mosaico executado por Rupnik e sua corte de artistas?
Encontrar os dados está longe de ser simples. O Centro Aletti não respondeu às perguntas de Domani e não há vestígios de valores no site, nem muito mais pode ser encontrado nos sites das instituições que encomendaram as obras, como se fosse de mau gosto falar de dinheiro em meio a tanta profissão de fé. No que diz respeito à Itália, rastreamos o orçamento para o mosaico de 250 metros quadrados realizado em 2017 na fachada externa do santuário da Madonna dei Fiori de Bra (Cuneo): somava 250 mil euros (totalmente custeados pelos fiéis), mas o valor aumentou ao longo da obra.
Já a obra do santuário de San Pio custou aos frades menores capuchinhos mais de seis milhões de euros já dez anos atrás (o canteiro de obras esteve aberto de 2009 a 2013), segundo uma fonte interna. Trata-se um percurso iconográfico de mais de 2.400 metros quadrados, pensado para enriquecer a igreja construída por Renzo Piano e que inclui o mosaico da rampa de acesso à igreja inferior, a decoração da cripta, o crucifixo, o altar externo e, finalmente, a decoração da capela do Santíssimo Sacramento.
Podemos, portanto, apenas imaginar que valor vertiginoso comporte o projeto, ainda em curso, no Santuário Nacional de Aparecida, no estado de São Paulo no Brasil, a maior igreja do continente americano e a segunda no mundo depois de São Pedro no Vaticano. Aqui Rupnik e sua equipe já terminaram de decorar a entrada norte da basílica, 2.300 metros quadrados de mosaico com cenas do Antigo Testamento. Agora faltam terminar as outras três fachadas. Contatados pelo Domani sobre os custos da obra e sobre as previsões para o futuro próximo (quem vai terminar a obra? Será comissionada a outros?), os responsáveis do santuário brasileiro preferiram não liberar declarações.
Falar sobre Rupnik não é fácil nem mesmo quando se trata de seu país natal. De acordo com os dados fornecidos pelas próprias paróquias e pela mídia eslovena, já 20 anos atrás o preço dos mosaicos de Rupnik oscilava entre mil e três mil euros por metro quadrado, e o preço aumentou ao longo dos anos sucessivos junto com a notoriedade do sacerdote.
As dimensões das obras variam de 50 a 200 metros quadrados, portanto a receita total dos mosaicos eslovenos chegaria a cerca de 6 milhões de euros. Na Eslovênia, onde o ateliê artístico do Centro Aletti, segundo os dados oficiais, realizou 38 obras, os párocos das igrejas que ostentam os mosaicos são quase todos muito relutantes em revelar o resultado das negociações.
Em Semič, uma pequena cidade perto da fronteira com a Croácia, Rupnik realizou os mosaicos para a capela de Santa Teresa do Menino Jesus em 2019: entrevistado pelo Domani sobre a obra, o pároco Luka Zidanšek fala inclusive de um "acordo secreto" e recusa-se a revelar o quanto foi pago pelo trabalho.
Na igreja da Santíssima Virgem de Polje, em Liubliana, onde os mosaicos não só cobrem as paredes do batistério e da capela da Santíssima Virgem, mas adornam toda a fachada da igreja, a situação não foi diferente: Janez Bernot, o pároco que encomendou a obra (realizada entre 2017 e 2020), acolhe friamente a pergunta e diz que “não se lembra” e que em todo o caso “tratou-se de um acordo comercial confidencial". Quanto aos edifícios civis, os mosaicos de Rupnik recobrem vários metros de altura dentro do complexo residencial "Vila Urbana", no centro histórico da capital, a poucos passos de distância da catedral. Aqui, em vez de Cristo, vê-se o dragão, símbolo da cidade de Ljubljana, mas o traço do artista é inconfundível. O valor da obra não foi divulgado. Temos algumas informações sobre o custo das obras realizadas antes de 2012, graças à tese em engenharia civil de Arnold Oton Ciraj sobre “Aspectos de gastos da construção de novas estruturas sagradas". Ao descrever a metodologia e os resultados, o autor admite que foi árduo obter dados e que as arquidioceses de Ljubljana e Maribor, as duas maiores dioceses eslovenas, chegaram até a avisá-lo com antecedência que seria muito difícil obter informações sobre os custos de construção.
“A maioria nem mesmo respondeu – escreve Ciraj na tese – Em muitos casos as paróquias, por várias razões, não guardam esses dados e questiona-se se alguma vez existiram no papel”. Quando existem, são frequentemente incompletos ou aproximados. “Muitas vezes os trabalhos eram pagos em dinheiro vivo ou não estão mencionados nos registos financeiros”, ressalta o engenheiro.
Dos 40 clientes entrevistados, quase nenhum quis declarar o resultado dos acordos financeiro. Ciraj conseguiu obter informações sobre o preço das obras de Rupnik em apenas três paróquias eslovenas, onde existem os mosaicos mais imponentes: São Marcos Evangelista em Koper, o complexo do cemitério da Santa Cruz em Ljubljana e a igreja de Santa Helena em Pertoče, perto da fronteira com a Hungria. Segundo as mídias católicas eslovenas da época, a igreja em Pertoče pagou 250 mil euros em 2009 por um mosaico de 92 metros quadrados que ocupa todo o presbitério, enquanto a paróquia de São Marcos em Koper pagou cerca de 100.000 euros em 2003 por um mosaico de 115 metros quadrados, aos quais se juntam os 22 mil euros doados pela sociedade anônima do porto de Koper para um novo mosaico de 40 metros. Para os 80 metros quadrados do mosaico na igreja de Todos os Santos no cemitério de Ljubljana, no entanto, a estimativa de custo, calculada sobre o preço por metro quadrado, atinge facilmente os 150.000 euros.
Além disso, somos informados pelo site da paróquia de Semič, a 70 quilômetros de Ljubljana, que em 2019 tinha calculado gastar 50 mil euros por um mosaico de 70 metros quadrados, embora ainda não tivesse recebido um orçamento de custo confiável. Algumas paróquias, aparentemente, de fato não receberam do Centro Aletti uma estimativa exata dos custos, como no caso da pequena paróquia de Vrhpolje, a 30 quilômetros da fronteira italiana, onde os trabalhos para o mosaico de 180 metros quadrados (na época o maior mosaico de Rupnik da Eslovênia), iniciados em 2013, terminaram anos mais tarde devido à dificuldade em encontrar os fundos necessários: as doações dos fiéis.
Um artigo de 2016, publicado no periódico Novi Glas, confirma as dificuldades encontradas pelo sacerdote responsável pela paróquia, P. Janez Kržišnik. "A enorme quantidade de trabalho - explica o padre - exigiu custos enormes que nem podem ser estimados com precisão”.
Os mosaicos de Rupnik são de fato financiados principalmente com as doações dos paroquianos e também por esse motivo não se entende tanta reticência em dar a conhecer os valores. Diante dessa falta de transparência, é lógico perguntar-se para onde foi o dinheiro. Quem recebeu o dinheiro? Quem está ganhando?
O atual pároco de São Marcos, Pe. Ervin Mozetič, não sabe dizer a quem foi repassado todo o montante gasto em 2003 (mais de 122 mil euros), enquanto o sacerdote encarregado na época, Jožef Koren, apenas lembra que se tratava de transferência bancária para uma conta fornecida a ele por Rupnik. O mesmo acontece no cemitério de Ljubljana: o padre responsável, Peter Možina, não estava presente em 2009, quando as obras foram realizadas. O pároco anterior, Tomaž Prelovšek, contatado por telefone pelo Domani, por outro lado, não tem dúvidas: o pagamento foi feito diretamente para aquela que lhe é apresentada como “a empresa do Centro Aletti”, a Rossoroblu srl.
Essa empresa é na realidade de Rupnik, porque o jesuíta é dono de 90%. Pelos dados da Câmara de Comércio, verifica-se de fato que foi fundada em setembro de 2007 por Rupnik e Viezzoli, com um capital social inicial de 10 mil euros; no final de 2022 tinha 15 funcionários, enquanto o balanço do exercício anterior regista um volume de negócios de 1.176,500 euros e um lucro de 119,607 euros.
A tendência da empresa é de crescimento (32,50 por cento em 2019) e o lucro nos últimos anos tem sempre aumentado, passando de 41.490 euros em 2017 para 95.481 euros em 2020. A única administradora e representante da empresa é Manuela Viezzoli e os sócios resultam ser sempre os dois, Viezzoli e Rupnik. Em 31 de dezembro de 2021, no balancete da situação patrimonial, a empresa apresenta também 593.713 euros de contas a receber, quase todos créditos comerciais. Esse crédito aumentou no exercício da empresa de 2021 em 117.015 euros, o que corresponde quase exatamente ao lucro do exercício da empresa (119.607 euros). Em suma, a empresa está indo muito bem.
No entanto, o balancete parece baixo em relação ao peso das encomendas evidenciadas: mais dinheiro poderia ter simplesmente passado "de mão em mão" como testemunha Ciraj em sua tese?
Dinheiro que, recordemos, provinha sobretudo das arrecadações dos fiéis.
Os fundos da empresa Rossoroblu poderiam ser usados para financiar qualquer atividade: por exemplo – mas é apenas uma hipótese – a “igreja do homem novo”, cuja construção em Roma oeste, segundo uma nossa fonte, já havia sido anunciada ao clero pelo vigário geral da capital, o cardeal Angelo De Donatis.
Deve-se notar também que, apesar das grandes receitas e lucros dos mosaicos, o Centro Aletti tem duas fundações que pedem contribuições para financiar suas atividades, a fundação Agape em Roma e a fundação Centro Aletti, criada na Eslovênia em 2002 por Marina Štremfelj, outra ex-irmã da Comunidade Loyola.
Segundo o site do Centro Aletti, a fundação eslovena foi criada com o objetivo específico de “sustentar e encorajar, inclusive financeiramente” as atividades do Aletti de Roma. Não está claro como pensasse fazer isso, já que os balancetes mostram receitas baixas e inclusive valores em vermelho há alguns anos.
Rupnik, embora convocado repetidamente, até agora se recusou a se apresentar a seu superior, padre Verschueren. Seu caso é um dossiê cada vez mais quente, dados os tantos elementos problemáticos que o caracterizam: os abusos das ex-irmãs da Comunidade Loyola, os testemunhos das vítimas prestados à equipe de referência da Companhia, a excomunhão por ter absolvido em confissão a mulher com quem tina tido uma relação sexual, o papel, ainda a ser investigado, desempenhado pelo Centro Aletti em encobrir e endossar a conduta no mínimo inescrupulosa de seu fundador. A isso, hoje, se adicionam os enormes ganhos obtidos nos últimos vinte anos com os mosaicos.
Realmente nada mal para um sacerdote que fez voto de castidade, pobreza e obediência.
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Abusos, mosaicos e milhões, essa é a empresa secreta de Rupnik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU