"Como nos ensinam os numerosos levantes indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais rurais e urbanas, a esperança de um futuro fraterno e justo vem das minorias abraâmicas, pequenos remanescentes, que defendem ancestralidade e territórios. Não surge das disputas eleitorais, que se baseiam no poder da maioria ou de multidões que, inconscientes, se sujeitam às astúcias dialéticas da história", escreve Flavio Lazzarin, padre italiano fidei donum que atua na Diocese de Coroatá, no Maranhão, e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em artigo publicado por Settimana News, 21-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Anos atrás, Gino Paoli cantava "Quatro amigos no bar" e ainda hoje fico perplexo com a mensagem do cantor e compositor, conformado com a impossibilidade de lutar para mudar o mundo e que delega, sem muita convicção, o sonho de mudar para as novas gerações.
Mais triste que Paoli é Belchior que dramaticamente percebe a derrota e, em “Como nossos pais”, nos fala dos perigos ao virar a esquina, porque os inimigos venceram. E mostra a sua dor ao perceber que a sua geração que aparentemente tentou de tudo para mudar o mundo, na verdade nem conseguiu mudar a si própria e “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”.
A minha geração começou a se interessar por política de forma anti-institucional na década de 1960, mas já na década seguinte fomos obrigados a admitir a verdade revelada pela derrota. Na Europa assistimos à tentativa revolucionária de Baader-Meinhof, de Giangiacomo Feltrinelli, das Brigadas Vermelhas.
Na América Latina, começando por Che Guevara, mestre de todos os fogos revolucionários, conhecemos guerrilhas na Bolívia, Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, El Salvador, Guatemala, Nicarágua; na Colômbia, o inesquecível Camilo Torres, no Brasil Carlos Marighella, Carlos Lamarca e os guerrilheiros do Araguaia.
Guerrilheiros, que talvez tenham representado quase todas as variáveis ideológicas da esquerda: anarquistas, separatistas nacionalistas e indígenas, marxistas, leninistas, stalinistas, trotskistas, maoístas. E católicos. Todos revelam na derrota as aporias e os equívocos ideológicos do marxismo. É nessa época que se consuma definitivamente – um tiro no coração de todos os partidos comunistas (na Albânia a bala chega com certo atraso) – o divórcio ideológico entre o Marx sociólogo e o Marx profeta.
Ao longo dos anos 1900, tivemos uma perspectiva marxista unitária em que a análise político-econômica dos processos capitalistas andava junto com a certeza do papel providencial do proletariado industrial. Na década de 1970, essa concepção político-filosófica se desfez. O que resta do marxismo é a lição irrenunciável da crítica do existente e da primazia da economia política capitalista sobre o poder cultural e propriamente político, em que o Estado é o "menino de recados" do capital.
Mas o Marx profético, que retoma, secularizando-o, o lugar teológico da "felix culpa", desaparece da práxis e do pensamento de esquerda. Não há mais culpa e não há mais o novo redentor que deveria ter sido a classe trabalhadora. E não há mais ressurreição, varrida a fé ilusória do protagonismo revolucionário operário.
E é aqui que se explicita claramente o impasse das esquerdas que permanecem órfãs de sonhos, de planejamento político e de utopia. Rendem-se, obedientes, à leitura pós-moderna de Jean-François Lyotard e Gianni Vattimo e aceitam acriticamente a tese da morte definitiva das chamadas "grandes narrativas".
Resta-nos a análise, a descrição mais ou menos inteligente das conjunturas políticas, o que há muito defino como "lista de compras do supermercado". Em suma, a esquerda se coloca diante da realidade como se estivesse no teatro e esquece que a luta contra a injustiça precisa de atores verdadeiros e novos.
Assistimos recentemente às várias edições do Fórum Social Mundial, que, com Guy Debord, somos obrigados a definir como eventos "mercantil-espetaculares": um fórum colonizado pelas leituras acadêmicas e pelas ONGs. E, no Brasil, absorvido e manipulado por uma esquerda governista, oportunista e inconclusiva.
Quem hoje demonstra o aparecimento e surgimento de novos atores são os herdeiros do Operaísmo, uma esquerda radicalmente antiautoritária, que apostava no protagonismo da classe trabalhadora, contra as mediações sindicais e partidárias, agora condenadas a um irremediável reformismo.
Surgido na Itália, a partir do pensamento de Mario Tronti, encontra, primeiro no Potere Operaio e depois no Autonomia Operaia, movimentos e estratégias políticas concretas. Essa área da insurgência, também derrotada nos anos 1970, reaparece hoje no pensamento de Antonio Negri, figura importante e contraditória daqueles anos sombrios e difíceis. E se irradia nas posições de Giuseppe Cocco e Bruno Cava Rodrigues, no âmbito do debate e da valorização do método de análise marxista, que é a Universidade Nômade.
O novo protagonista das lutas anticapitalistas seria para eles a multidão, as multidões. Coerentemente analíticos não ousam, parece-me, nem mesmo por engano pensar religiosamente este ator como substituto da classe trabalhadora redentora. Mas eu lhe faria esta pergunta: o mecanismo redentor da "felix culpa" continua presente, apesar de ainda estar oculto e vacinado, da possibilidade autocrítica?
De fato, parece-me que no lugar dos trabalhadores aparece a multidão, novo protagonista revolucionário, como providencial força constituinte, tão poderosa e ameaçadora que só seu espectro pode explicar racionalmente as reações fascistas planetárias e irracionais.
Um exemplo flagrante dessa aposta sobre a multidão providencial é a leitura de Cava sobre a invasão russa da Ucrânia, interpretada como uma resposta às mobilizações das multidões na Euromaidan, a Primavera Ucraniana de 2013 e 2014, e como prevenção repressiva de Putin e de toda a Rússia da possibilidade de mobilizações multitudinárias em território russo.
Seria preciso estudar a fundo as Primaveras Árabes a partir de 2011, mas – mais uma vez ignorante presunçoso – não consigo segurar a língua e ao menos perguntar: como estão Egito, Síria, Líbia em 2022?
Se então pensarmos nas multidões de 2013 no Brasil, não podemos ignorar que foram derrotadas, sobretudo pela miopia autoritária e pela incapacidade de análise da esquerda e de seus raros intelectuais. Junho de 2013 vê uma multidão não só sem aliados e articulações consistentes, mas violentamente reprimida pela Polícia Militar, acionada ou apoiada por governos de esquerda. A primavera brasileira murcha ou escolherá mais tarde a direita fascista.
As dúvidas sobre o poder político efetivo das multidões voltam quando observo dois momentos absolutamente contraditórios na história recente do Chile. De fato, no Chile, se em 2019 o poder constituinte da multidão se revela de forma avassaladora e funciona prodigiosamente a conspiração de articulações aliadas ao poder das massas, em 2022, na época do plebiscito para aprovar a nova Constituição – desta vez não mais nas ruas, mas no segredo das urnas – a multidão vota contra um texto que tutelaria povos indígenas, meio ambiente, as mulheres e a classe que mais pagou o preço das políticas neoliberais.
Para superar a impressão de um pessimismo amargo que não deixa espaço para a Esperança e para a luta, termino dizendo em quem aposto. Parece-me que a alternativa, quase um maduro contracanto – ou talvez uma nova melodia – é a trajetória do Exército Zapatista de Libertação Nacional, em Chiapas, profecia de todas as insurgências do Abya Ayala, caracterizadas pelo protagonismo dos povos originários, numa perspectiva de classe, anticolonial, antiestatal e antiocidental.
EZLN que aposta com coerente radicalismo no controle religioso, político e cultural dos territórios e, com isso, mostra que aprendeu a lição da derrota dos guerrilheiros urbanos, da montanha e da florestal.
Como nos ensinam os numerosos levantes indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais rurais e urbanas, a esperança de um futuro fraterno e justo vem das minorias abraâmicas, pequenos remanescentes, que defendem ancestralidade e territórios. Não surge das disputas eleitorais, que se baseiam no poder da maioria ou de multidões que, inconscientes, se sujeitam às astúcias dialéticas da história.
E nasce da certeza de que só uma leitura messiânica da história, aquela que nos fala o judeu Walter Benjamin e o judeu Jesus, o Messias do "não" radical, testemunhado sem medo contra os poderes homicidas da história, inspira e anima a luta que derrota o inimigo. E também a morte.