No Brasil, faltam aterros sanitários adequados para o descarte de baterias.
A reportagem é de Gabriel Reis, publicada pela Beta Redação, 21-06-2022.
Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2021 (COP26), ocorrida em Glasgow, na Escócia, em novembro de 2021, 30 países e seis fabricantes do mercado automobilístico se comprometeram a interromper a produção de veículos a combustão até 2035. A intenção é reduzir as emissões de carbono. Somente em São Paulo, de acordo com dados divulgados pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), em 2017, veículos motorizados foram responsáveis pela emissão de 72,6% de gases de efeito estufa.
Neste cenário, o mercado de carros elétricos gradativamente se coloca como alternativa para evitar o agravamento dos impactos climáticos. Ainda durante a COP26, a Global EV Alliance (GEVA) — rede emergente de usuários de carros elétricos que surgiu da fusão de 28 associações — marcou presença para promover políticas governamentais de eletrificação do setor automobilístico. No último mês de maio, uma pesquisa empreendida pelo Índice de Consumidor de Mobilidade anual da Ernst & Young concluiu que 52% do atual público consumidor de carros se interessa por veículos elétricos.
Pesquisa feita com 13 mil entrevistados de 18 países aponta que interesse por carros elétricos cresce a cada ano, especialmente na Itália, China e Coreia do Sul. (Arte: Gabriel Reis/Beta Redação)
Roberto Schaeffer, engenheiro eletricista e professor titular de Economia da Energia do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, aponta para o cenário geopolítico causado pela intensificação produtiva do setor de carros elétricos.
O professor sinaliza que a eletrificação do setor automobilístico contribui para a diminuição da emissão de gases de efeito estufa, mas que a extração dos recursos naturais necessários para o desenvolvimento de baterias passa por uma cadeia produtiva predatória.
“A questão da mineração, o problema do cobalto que é quase todo produzido no Congo com trabalho escravo, o lítio da Bolívia, a exploração de terras raras da China e a nova geopolítica que daí irá resultar são questões importantes. São graves e preocupantes”, aponta o engenheiro.
Crianças trabalham em minas de extração de cobalto na República Democrática do Congo. (Foto: Julien Harneis | Wikimedia Commons)
A Bolívia, país detentor de 70% da reserva mundial de lítio — matéria-prima fundamental na produção de baterias para carros elétricos —, sofreu um golpe de Estado em 2019, destituindo o presidente reeleito Evo Morales e colocando no lugar Jeanine Áñez, então vice-presidenta do Senado. O evento foi geopoliticamente apoiado pelos Estados Unidos e Elon Musk, proprietário da SpaceX e da Tesla, empresa produtora de carros elétricos e baterias.
Elon Musk é questionado por usuário do Twitter sobre seu apoio ao envolvimento do governo dos Estados Unidos no golpe de Estado na Bolívia, em 2019. (Foto: Reprodução | Twitter).
Elon Musk — “Outro pacote de estímulo do governo (políticas públicas e sanitárias de combate à Covid-19 nos Estados Unidos) não é de grande interesse do povo.”
@historyofarmani (usuário do Twitter) — ”Sabe o que não era de grande interesse do povo? O governo dos EUA organizando um golpe contra Evo Morales na Bolívia para obter o lítio de lá.”
Elon Musk — “Nós daremos golpe em quem quisermos! Lide com isso.”
Em setembro de 2020, quase um ano depois de Áñez se tornar presidente interina, os bolivianos voltaram às urnas para eleger o novo presidente. Uma das principais pautas dos candidatos era o interesse externo na reserva de lítio presente no país.
Renan Albuquerque Rodrigues, jornalista, professor Associado da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (FIC/Ufam) e pesquisador sobre meio ambiente e jornalismo ambiental, enfatiza que faltam aterros sanitários dedicados ao descarte regular de baterias de íons e lítio, sobretudo no norte do Brasil.
Um levantamento feito pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), em 2017, apontou que existem em torno de 3 mil lixões ou aterros irregulares no país, impactando a qualidade de vida de 77 milhões de pessoas.
“Existem três categorias de descarte de resíduos: o lixão, o aterro controlado e o aterro sanitário. O aterro sanitário, por sua vez, é o único que contempla todas as diretrizes da ONU sobre descarte regular de resíduos”, explica Renan Albuquerque.
O jornalista ressalta que baterias descartadas em lixões e aterros controlados passam pelo processo completo de degradação, não havendo um procedimento de recomposição, o que resulta em impactos ambientais. Ao mesmo tempo, relembra a presença de substâncias químicas altamente tóxicas nas baterias que potencialmente podem danificar o solo e o lençol freático, e reitera a necessidade de um trato ecológico com esse tipo de material.
“É necessário que cada município tenha um aterro sanitário para um descarte ecologicamente correto. A Amazônia, região em que moro, possui em torno de 25 milhões de habitantes, e te digo que, em média, apenas 25% dessas pessoas dispõem de um aterro controlado para realizar um descarte regular de resíduos”, conclui.
Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) apresentou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma agenda global composta por 169 metas e 17 objetivos a serem cumpridos até 2030. Os objetivos fazem menção ao tema "Saúde e bem-estar" e "Cidades e comunidades sustentáveis", o que sinaliza a importância de pautar a mobilidade urbana sustentável.
No dia 31 de maio, em parceria com a empresa de aplicativos 99, e utilizando a metodologia do Índice de Mobilidade Urbana Sustentável (Imus), a Folha de S. Paulo publicou o resultado de uma pesquisa interna que aponta que as capitais brasileiras estão distantes de atingir a sustentabilidade em termos de mobilidade urbana. Entre as capitais analisadas, Fortaleza, Aracaju, São Paulo e Curitiba são as únicas que estão acima da média sustentável, segundo parâmetros do Imus.
A partir de 2012, o extinto Ministério das Cidades — hoje Ministério do Desenvolvimento Regional — instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, promulgada através da Lei 12.587/12. A iniciativa visava fomentar o debate sobre sustentabilidade nos projetos de desenvolvimento urbano dos municípios. Entretanto, índices recentes apontam progressos sutis rumo a uma mobilidade urbana sustentável nas capitais brasileiras, segundo o Imus.
Em artigo publicado no portal EcoDebate em 8 de junho de 2022, as arquitetas e urbanistas e professoras da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Angélica Tanus Benatti Alvim e Viviane Manzione Rubio, destacam a necessidade de uma ação conjunta para a transição sustentável na mobilidade urbana das cidades e ressaltam a falta de planejamento. De acordo com as acadêmicas, a carência de acessibilidade, arborização, equipamentos, iluminação, pavimentação e dimensão adequadas, são realidades das principais cidades brasileiras, fazendo com que os moradores prefiram transportes motorizados.
“A mobilidade urbana sustentável requer uma visão sistêmica envolvendo o planejamento do uso do solo, com atividades e densidades diversificadas, o desenho do espaço urbano com implantação de infraestrutura completa para pedestres e ciclistas e outros modos não motorizados, e a integração dos diversos modos de transporte motorizados”, escrevem.