O Sínodo precisa orientar a Igreja rumo a uma direção específica. Entrevista especial com Andrea Grillo

Esta direção precisa ser amadurecida e integrar os dados “em uma leitura teológica, jurídica e pastoral” para que todos possam ser ouvidos e para que “o discurso possa ser organizado de forma diferente para termos constituições conciliares”, diz o palestrante em videoconferência

Foto: Vatican Media

27 Novembro 2023

“O caminho sinodal que começou há dois anos e chegou até a etapa atual tem tido uma elaboração nacional e continental universal. Com certeza, a diferenciação continental mostrou prioridades diferentes. Por isso, acredito que o retorno do relatório de síntese para os continentes permitirá uma maior dinâmica ao texto, que daqui um ano será interpretado, sim, com uma diferenciação continental”. O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, que defende a elaboração de constituições sinodais para serem apresentadas ao Papa Francisco. “O sínodo precisa elaborar constituições sinodais, ou seja, propostas importantes que o Papa depois poderá ou não considerar. O sínodo precisa assumir esse compromisso e orientar a Igreja, após muitas consultas, rumo a uma direção específica”, disse na videoconferência “A primeira Sessão do Sínodo sobre Sinodalidade. Análises e reflexões”, promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU em 1º de novembro deste ano para avaliar a conclusão da primeira sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, ocorrido entre 04 e 29 de outubro deste ano.

A seguir, publicamos as questões dirigidas ao teólogo pelos participantes do evento. A conferência completa está disponível aqui e o texto da exposição, aqui.

Andrea Grillo (Foto: Susana Rocca | Acervo IHU)

Andrea Grillo é filósofo e teólogo italiano, leigo, especialista em liturgia e pastoral. Doutor em teologia pelo Instituto de Liturgia Pastoral, de Pádua, é professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua. Também é membro da Associação Teológica Italiana e da Associação dos Professores de Liturgia, da Itália.

Confira a entrevista.

IHU – Em vista das diferentes opiniões sobre o Sínodo, você considera que há esperanças de mudanças ou na próxima etapa se manterão as discussões e questões em aberto?

Andrea Grillo – Esse documento está baseado em uma fase argumentativa acerca das diferentes opiniões, que elabora argumentações fortes, capazes de pôr as ideias em movimento e tornar a Igreja capaz de interceptar as novas formas ministeriais, as novas formas de vida, as novas configurações jurídicas, com oportunas reformas no plano jurídico, disciplinar e doutrinal. Disso tudo, o Sínodo poderá fazer uma síntese avançada em relação àquilo que já foi feito, assumindo a responsabilidade de algumas deliberações que serão aprovadas pelo Papa Francisco – porque mesmo que o Sínodo escreva um documento mais orientado e deliberativo, de qualquer forma, a última palavra cabe ao Papa, que vai escrever uma exortação apostólica na qual poderá integrar, ou não, o texto do Sínodo dentro do que está escrevendo.

Tem duas praxes que o Papa seguiu até agora. Em Amoris Laetitia, ele substituiu todo trabalho sinodal à exortação apostólica, mas este documento não substitui o documento final do Sínodo; ele foi integrado. São dois procedimentos diferentes. Vamos ver o que será adotado neste caso. O que é certo é que o texto atual, daqui um ano, deverá ter uma nova abordagem deliberativa para optar por algumas questões, que não será deliberativa. Depois, o Papa vai decidir sobre as questões das mulheres, da integração dos sujeitos, das pastorais para os casais considerados irregulares. Ou seja, serão feitas escolhas e o Papa saberá recebê-las. O Sínodo não deixa todas as responsabilidades para o Papa.

IHU – Percebe alguma diferença na recepção do Sínodo nos continentes africano, asiático, europeu e americano?

Andrea Grillo – O caminho sinodal que começou há dois anos e chegou até a etapa atual tem tido uma elaboração nacional e continental universal. Com certeza, a diferenciação continental mostrou prioridades diferentes. Por isso, acredito que o retorno do relatório de síntese para os continentes permitirá uma maior dinâmica ao texto, que daqui um ano será interpretado, sim, com uma diferenciação continental – claro, se for elaborado com competência teológica, pois até agora o papel dos teólogos foi um papel de controle bastante marginal; é preciso investir nos teólogos de cada continente para que possam tratar dessas temáticas.

Algumas questões podem ser desbloqueadas se conseguirmos reconhecer que alguns problemas específicos da Europa não são os da África e vice-versa. Esses exemplos mostram que o efeito da paralisia vem de uma visão de universalidade do Concílio Vaticano II, à qual o Papa Francisco se referiu na Evangelii Gaudium, pensando em uma universalidade e em uma unidade da Igreja que pode se diferenciar em nível continental. Isso pode ser uma maneira de desbloquear o efeito direto que os europeus têm com os africanos, os africanos com os americanos etc.

Reconhecer que em uma única Igreja é possível ter, para algumas questões, caminhos parcialmente diferentes, que são reconhecidos, mas dentro de práticas diferenciadas. Isso vale para a ministerialidade, para o reconhecimento das novas formas de vida, para as configurações eclesiais internas da Igreja no exercício da autoridade e da jurisdição. Tudo isso precisa de intervenções competentes no plano jurídico, teológico, pastoral, capazes de diferenciar essas práticas.

IHU – Em dois momentos cita-se a necessidade de integrar à Lectio Divina o ver-julgar-agir e o reconhecer-interpretar-discernir. Isso não seria um sinal de reconhecimento dos limites do método já usado?

Andrea Grillo – Sim, essas sequências citadas (ver-julgar-agir; reconhecer-interpretar-discernir) assinalam que o método utilizado até agora teve o valor de permitir um consenso amplo, mas sobre temas neutros. O problema da sinodalidade universal, continental, é enfrentar as questões e, para fazê-lo, é preciso de uma orientação prevalente. Não podemos dizer uma coisa e depois o contrário. Precisamos dizer uma coisa e orientar todo mundo rumo àquela questão.

Isso tem a ver com a maneira de encontrar novos significados na palavra de Deus, de respeitar os sinais dos tempos como lugares onde o Espírito fala, e não como formas e miragens no deserto, que iludem e são somente perigosas. Ouvimos vozes de grandes autoridades que destacam essa sensibilidade no percurso de preparação do Sínodo. Os percursos de interpretação e discernimento são mais complexos e precisam propor releituras da Tradição e não formas de enumeração das possíveis questões sobre a mulher, o exercício episcopal, a maneira de organizar as pastorais ou lidar com outras realidades urgentes.

É preciso dar autoridade para todas essas realidades e reconhecer a autoridade. Esta é a questão. Ainda faltam argumentações fortes em relação a isso.

A primeira Sessão do Sínodo sobre Sinodalidade. Análises e reflexões:

IHU – Foram feitas muitas observações em relação ao método. Como as comunidades, instituições, grupos e famílias cristãs poderão compor o caminho sinodal que continua?

Andrea Grillo – O método ao qual eu me referi diz respeito à forma de tratar os dados. Nos três anos de desenvolvimento desse percurso, os dados emergiram de forma muito clara, mas a forma como foram tratados foi bastante tímida, quase passiva. Um novo método deveria organizar os dados emergentes dos diversos continentes com as diversidades deles.

Ainda temos a ideia de que o seminário tridentino possa funcionar da mesma forma no México, no Brasil, em Camboja. Isso é algo abstrato que precisa encontrar respostas novas. Também precisamos trabalhar de modo a diferenciar a forma dos leigos e dos ministros. A mesma coisa vale para o tratamento da mulher. Na África, na América, na Europa, na Ásia, a mulher não tem a mesma forma de reconhecimento social, função pública, vocação familiar. As coisas não são iguais e isso deve ser reconhecido pela Igreja, ou seja, adaptar as formas ministeriais nas diversas formas de considerar e abordar o universo feminino.

Nos lugares onde a mulher tem sua autoridade reconhecida, ela precisa ser integrada no ministério ordenado. Isso não deverá ser uma norma absoluta, mas uma norma possível onde as condições permitem. A mesma coisa vale para o celibato. O celibato obrigatório é uma tradição latina, mas onde é necessário superá-la, será necessário fazê-lo. É possível que o sínodo desbloqueie essa situação e que o Papa possa recepcioná-la. No entanto, é preciso haver argumentações coerentes; não basta dizer que há pessoas a favor e pessoas contra essas questões.

Se daqui um ano falarmos assim, o Papa terá o constrangimento de ter que escolher diante de duas possibilidades que o Sínodo deu para ele e não diante de uma orientação específica. É preciso ter uma orientação sinodal que aponte para uma direção. Essa é a questão que precisa ser amadurecida e pela qual é preciso integrar os dados em uma leitura teológica, jurídica e pastoral, para que todos possam ser ouvidos e valorizados, para que o discurso possa ser organizado de forma diferente a fim de haver constituições conciliares.

Precisamos de constituições sinodais. O sínodo precisa elaborar constituições sinodais, propostas importantes que, depois, o Papa poderá considerar. O sínodo tem que assumir esse compromisso e orientar a Igreja, após muitas consultas, rumo a uma direção específica.

IHU – Do ponto de vista da liturgia, considerando o empenho de reconhecimento de um rito amazônico próprio, por exemplo, qual é o papel e significado do sínodo? Em que o sínodo pode influenciar?

Andrea Grillo – Um êxito do sínodo poderia ser o de dar luz àquela elaboração, ainda em andamento, da Igreja amazônica, como aconteceu 40 anos atrás, com o rito das Igrejas do Congo, em que cada Igreja deveria absorver e integrar. O impulso de reformas litúrgicas, que chegou em 1988 e produziu um rito romano para a Igreja do Congo, era para todas as dioceses e cada uma deveria integrá-lo. É o mesmo que vai valer para o rito amazônico, que diz respeito a uma das centenas de povos diferentes que constituem a Amazônia.

Ritual indígena antes do Sínodo da Amazônia no Vaticano:

Papa Francisco-Santa Missa para a Comunidade Congolesa 2019-12-01


Se o sínodo assumir uma direção intercontinental, a inculturação da Amazônia terá um hábito de recepção mais tranquilo, sereno. Não vamos ficar surpresos com o fato de que um único rito romano tenha tantas formas e línguas em diversos continentes. Essa é uma ideia de voltar aos primeiros séculos, quando a liturgia era assim. As liturgias do norte da África, de Roma, da Espanha, não eram as mesmas. Na única Igreja Católica havia diferenciações muito fortes. Com Carlos Magno e o Concílio de Trento, isso foi bloqueado. Depois, o Concílio Vaticano II recolocou em movimento um caminho de diferenciação; isso não é uma confusão, mas aponta para uma riqueza.

IHU – Nessa diferenciação, a partir da ótica teológica da América Latina, espera-se uma boa receptividade, como Medellín e Puebla?

Andrea Grillo – Eu acredito que tenha possibilidade de uma boa receptividade desde que possamos entender o que, no documento atual, ainda é apresentado como uma hipótese. Pois a primeira parte do documento diz que é preciso honrar a liberdade do Espírito, deixando em campo a unicidade da encarnação, da referência cristológica, que estabeleceu como as coisas devem ser. Essas posições não se excluem, mas a única possibilidade da encarnação – que se torna uma encarnação que continua – é assumir uma posição eclesial renovada ao longo dos séculos.

Então, algumas lógicas, que na América Latina funcionaram de forma evidente, poderiam se tornar lógicas universais, lógicas de diferenciação na comunidade. O mundo antigo precisa morrer para que outros possam nascer e o sínodo é uma passagem. Este será um ano importante nesse sentido, para que algumas argumentações clássicas sejam renovadas diante dos novos sinais dos tempos. Acredito que a tradição da América Latina seja um sinal dos tempos de como a Igreja pode funcionar de forma diferente em relação ao passado.

IHU – As mudanças mais profundas exigem uma mudança no Código de Direito Canônico?

Andrea Grillo – Sim, com certeza. Este é um dos poucos pontos acerca do qual o documento de 28 de outubro é claro: é preciso reformar o Código de Direito Canônico. Pelo menos três vezes é citado isso, tanto no que diz respeito às relações ecumênicas quanto no que diz respeito à estrutura interna da Igreja, mas também no que concerne aos novos ministérios. Se não tivermos uma reforma do Código de Direito Canônico, não poderemos ter o impulso para a profecia eclesial. Pierluigi Consorti, renomado canonista italiano, reagiu ao discurso eclesial do sínodo, dizendo: “Canonistas, ao trabalho”.

O que quero dizer é que há séculos os canonistas são burocratas. Aplicam o único direito que existe. O trabalho de um canonista é este, mas também é o de pensar um direito que ainda não existe. Desde sempre na Igreja existiu um direito vigente e um direito a ser construído. Hoje, precisamos de canonistas que sejam profetas, enxerguem os limites da lei atual para pensar, escrever, dispor, preparar a lei de que precisamos. Uma reforma integral do Código é absolutamente necessária. É preciso uma reforma muito mais a fundo do que a reforma feita em 1983, que não alterou a estrutura do Código de 1917, que tem mais de um século.

Precisamos de um Código novo. Os canonistas precisam fazê-lo. Precisam ser capazes de olhar para o futuro e não apenas para o passado. O sínodo, em relação a isso, foi muito claro: é preciso uma reforma de grandes partes do Código de Direito Canônico.

IHU – Existe uma vontade política de acolher as vozes que vieram das comunidades e propõem mudanças no ser e no agir da Igreja?

Andrea Grillo – Com certeza a vontade existe e não é desprovida de contrastes. Tem uma vontade de acolher, mas outros não querem acolher porque pensam que tudo isso vai colocar em risco a essência da Igreja. Esse é um elemento que surgiu há 60 anos e o Concílio Vaticano II conseguiu, de forma brilhante, promover a abertura com grandes argumentações. Todos os textos do Concílio Vaticano II estão repletos de argumentações e é por isso que surpreende que, numa assembleia sinodal, não se consigam produzir algumas das argumentações conciliares aplicadas naquela época.

Todas essas argumentações são a favor do reconhecimento de uma imagem de Igreja – para usar a imagem usada pelo Papa Francisco, inaugurando um novo estilo sinodal, no aniversário de 2015 – da pirâmide investida, uma pirâmide que aponta para um novo direito canônico e coloca as comunidades, o Povo de Deus, em cima da base. O primeiro elemento da experiência eclesial é o povo de Deus; é a condição compartilhada dos batizados. Uma eclesiologia apenas hierárquica, masculina e interessada em manter a ordem pública já foi superada pelo Concílio e hoje precisa ser superada pelo sínodo com uma proposição dos temas que foram apresentados nos 20 capítulos do texto final.

IHU – Quanto tempo se luta com a inculturação do Evangelho e do modo de ser Igreja, quando se fala de costumes e não de doutrinas?

Andrea Grillo – É importante distinguir entre costumes e doutrinas e a pretensão recente de tratar os costumes como se fossem doutrinas, ampliando a noção de doutrina para abraçar os costumes também. Esse é um desenvolvimento muito recente, dos últimos 50 anos, pós-conciliar, com o objetivo de frear todas as reformas. Tradicionalmente, se diz que a questão do celibato é disciplinar, então diz respeito à doutrina, mas a questão da mulher é doutrinária. Estou convencido, estudando a questão nos últimos dois anos, que também a questão da ordenação das mulheres é substancialmente baseada em costumes. Não tem nada de doutrinal nisso. Não estamos diante de uma etapa decisiva diante do desenvolvimento da Igreja. Estamos diante de um fenômeno de costumes culturais que concerne à forma de considerar a mulher no universo cultural e social. Não tem nada a ver com a doutrina.

Quando a cultura do sujeito feminino muda e o sujeito feminino é reconhecido na literatura, na sociedade, no direito civil e penal da mesma forma que o sujeito masculino, com os mesmos direitos, não tem como sustentar as argumentações antigas com base em uma concepção distorcida do sujeito feminino, que estava excluído da ordenação. Para os antigos, todos os batizados poderiam se tornar ministros, salvo aqueles que tivessem algum impedimento. A lista dos que tinham esse impedimento começava pela mulher, depois passava pelos menores, os escravos, os filhos naturais, os assassinos. Eles não podiam se tornar ministros, pois não tinham autoridade. A mulher estava junto com os menores, com os escravos, os filhos naturais, os deficientes, os assassinos. Para São Tomás de Aquino, isso é algo claro, mas, para nós, isso não é mais claro. Ser mulher não é mais um impedimento ao exercício da autoridade.

Desde o século XIX, em muitos estados civis a mulher começou a votar. A Igreja precisa tomar consentimento disso no sentido de que precisa reconhecer essas questões. Se um homem pode guiar uma comunidade, uma mulher também pode fazê-lo. Claro, trata-se de reelaborar isso tudo culturalmente, mas não é uma questão de doutrina e de fé. Agir In persona Christi significa agir em seu nome, e isso tanto um homem quanto uma mulher podem fazer. Significa agir com sua autoridade, e uma mulher também pode fazê-lo, desde que reconheçamos que as mulheres podem agir publicamente com autoridade.

Tecendo Redes - A primeira sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade:

IHU – É correto pensar que a contribuição de longo prazo do sínodo dos bispos reside mais sobre o método, o diálogo no espírito, a importância da amizade, destacado pelo padre Radcliffe, e menos sobre as resoluções e o relatório final? Devemos enfatizar os efeitos metodológicos adotados antes do que os efeitos do conteúdo?

Andrea Grillo – Eu diria: cuidado com o equilíbrio. Como o padre Radcliffe disse, uma certa forma de se relacionar dentro da Igreja se torna contagiosa e transforma a própria Igreja. Configurar o sínodo dos bispos dessa forma certamente foi algo positivo. Mas se limitássemos o impacto neste nível, estaríamos em uma Igreja fechada, não em saída. Seria uma forma clerical de pensar o sínodo dos bispos, mesmo colocando para dentro leigos e mulheres.

É preciso enfrentar certas questões e não simplesmente repetir frases feitas: “Feliz que tu pensas da mesma forma”, “Vamos dar as mãos, cantar e rezar juntos”. Ótimo! Mas tudo isso precisa ser a base para decidir. Se não decidirmos, ficaremos irrelevantes; uma Igreja muito bonita, fechada em Roma. Temos um prazo de validade até outubro e não podemos adiar as coisas. Se fizermos isso, não enfrentaremos as questões e o sínodo vai fracassar. Ou seja, vai fracassar a retórica da sinodalidade, que acabará sendo um método de direção espiritual.

Isso não pode acontecer. Não podemos permitir que isso aconteça sobre as questões primárias, que não são somente as questões sobre homossexualidade e as mulheres, mas a questão da formação dos padres, da forma de favorecer o ecumenismo, o diálogo inter-religioso, as questões de relação entre poder clerical e a base da comunidade. Ou seja, tantas são as questões sobre as quais é preciso deliberar para criar elementos de descontinuidade. Se não criarmos esses elementos, o sínodo se tornará apenas uma grande retórica espiritual.

IHU – Quais efeitos estruturais o aumento da vinda e da presença de sacerdotes provenientes da Ásia e da África, nas paróquias italianas, vai suscitar no futuro de uma Igreja sinodal na Europa?

Andrea Grillo – Essa é uma das questões que precisa ser avaliada na forma de pensar a formação porque os sujeitos africanos, asiáticos, ou de outros países que vão para a Itália ou para a França, são tratados como se fossem italianos e franceses. Do ponto de vista da formação não há diferença. Cada um traz uma cultura que deve se tornar um objeto de reflexão para pensar o sujeito ministerial dentro das nossas comunidades. Mas a facilidade com a qual os bispos acolhem todos os candidatos ao sacerdócio acaba gerando resultados distorcidos, para não dizer cheio de problemas, porque o modelo de seminário ainda é o do século XVI, um modelo de seminário que promovia o isolamento do mundo e depois a pessoa se tornava evangelizadora.

Faz mais de um século que a formação não acontece mais dessa forma. Os seminários com consciência se reformaram, mas falta um pensamento central que possa orientar novas possibilidades de cruzamentos culturais em nível de formação nos seminários, e que depois possa propor uma relação de outra qualidade com as comunidades, entre bispos e ministros, e não administrativo-burocrático, que é o estilo vigente e atrás do qual nos escondemos.

IHU – A “Igreja de Jesus” era a do caminho, do encontro, não era uma Igreja VIP.

Andrea Grillo – Com certeza, não há dúvidas sobre isso. Acredito que uma Igreja VIP não tem futuro. A Igreja precisa ser a Igreja de base. Se não for assim, ela vai se fechar cada vez mais. O ideal da Igreja em saída, que é uma das palavras mágicas do início do pontificado de Francisco, é uma Igreja que saiba reencontrar uma relação com a base. Isso não é simples porque é preciso mudar a linguagem, mudar as formas ministeriais, e as formas de ministerialidade precisam integrar novas experiências. Isso, dentro de uma instituição que tem dois mil anos de história, é muito difícil. Não é algo fácil.

Mas o sínodo precisa estabelecer algumas direções e propor ao Papa uma série de novas fronteiras em relação às quais é necessário assumir compromissos sobre pastoral, formas de vida diferenciadas, sobre o reconhecimento de uma ministerialidade ampliada, sobre uma forma de viver a diferença de confissão, de religião, integrando tudo isso para dentro do ser Igreja. Acredito que essa seja uma forma de estar na fidelidade ao Senhor e incentivar formas de discipulado que assumam formas e linguagem novas. Esse é o desafio, sem esconder as resistências que são inevitáveis, que fazem parte da inércia de uma grande instituição.

Este ano de trabalho é de confrontação e debate saudável com a base e de elaborações teológicas para produzir um texto muito mais orientado e capaz de elaborar uma síntese dinâmica. O limite do documento atual é que é uma síntese muito estática. A síntese precisa ser dinâmica, ou seja, orientar o caminho eclesial, aceitando argumentações fortes e não se escondendo por trás de posições diferentes, pois isso não vai produzir decisões.

IHU – Deseja acrescentar algo?

Andrea Grillo – Gostaria de concluir com a imagem do discurso inaugural da abertura do Concílio Vaticano II. Quando foi aberto pelo Papa, o Concílio era uma possibilidade muito vaga. João XXIII, no discurso de abertura, apresenta uma hipótese: estamos em outubro de 1962 e talvez tudo termine até o Natal. Ou talvez não. Irônico. Ele disse que poderia durar três meses, mas depois o Concílio durou quatro anos. De 1962 a 1965, vimos uma transformação na linguagem eclesial, mas, naquele discurso inicial, o Papa João usa a imagem dos profetas da desgraça, que dizem que somente no passado existe a Verdade, que o presente e o futuro precisam olhar para trás. Ele disse que isso não era assim.

Profecias

Hoje, no sínodo, estamos diante de duas formas de profetas. Tem quem diga que esse sínodo não vai funcionar: vai sugerir coisas e o Papa depois vai decidir e é isso. Outra forma de profecia afirma que qualquer novidade introduzida será contra a Tradição e quanto menos deliberações o sínodo prover, melhor será. Esses são dois discursos de profetas da desgraça. A primeira profecia vem de um pessimismo de fundo, que diz que não podemos mudar a Igreja e ela será sempre assim; manifesta um verdadeiro medo. Somos profetas da desgraça ou por pessimismo e desespero, ou devido ao medo e à presunção.

Precisamos alimentar a esperança de que o caminho feito até agora, neste ano de trabalho em nível pastoral, jurídico e teológico, possa produzir um texto de outro teor, que possa fazer escolhas e encontrar o consenso acerca de temas corajosos, fazendo com que o Papa os receba e possa começar daí processos e reformas na Igreja. Essa é a esperança com fundamento, que depende do trabalho que teremos de fazer em todos os níveis: pastoral, teológico e jurídico, de reflexão, de coordenação, e de integração de todos esses, em nível nacional, continental, universal. É isso que precisaremos no próximo ano. Talvez possamos realmente provocar essa virada no diálogo, que chegou a um ponto importante, mas precisa metodologicamente mudar.

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