Diaconisas há longos séculos. Artigo de Gianfranco Ravasi

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17 Outubro 2017

“O diaconato feminino seria um ministério eclesial ‘instituído’ ou um ministério ‘ordenado’, como ocorre com os diáconos masculinos, que permanecem como tais de modo permanente ou que se destinam, depois, ao sacerdócio? E ainda: quais seriam as funções litúrgicas e pastorais a serem atribuídas a elas?”

A reflexão é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 15-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

No dia 12 de maio do ano passado, durante a audiência às superioras gerais das ordens religiosas femininas, respondendo a uma questão de uma delas, o Papa Francisco abordou o tema das diaconisas ou, melhor, como se diz no Novo Testamento, das “diáconas”: o grego diákonos, por exemplo, é usado na Carta aos Romanos (16, 1) de São Paulo, a propósito de uma certa Febe, pertencente à Igreja de Cencreia, um dos dois portos da cidade grega de Corinto (o outro é Lechaion).

Referindo-se de improviso a um teólogo sírio que ele conhecera no passado, o papa remontava às raízes distantes do cristianismo, onde, justamente, emergia essa figura masculina e feminina, e delineava um perfil dela um pouco vago, mas também surpreendente: as diáconas, de fato, deviam batizar as mulheres por imersão (de acordo com a prática antiga) por motivos de decoro, ungindo-as, depois, com o sagrado crisma.

E acrescentava, ainda de memória, outra tarefa delas, um pouco desconcertante: “Quando havia um julgamento matrimonial porque o marido batia na esposa, e esta ia ao encontro do bispo para se lamentar, as diaconisas eram as encarregadas de ver as contusões deixadas no corpo da mulher pelas agressões do marido e de informar o bispo”.

No dia 2 de agosto, também no ano passado, o Papa Bergoglio decidiu abordar a questão de modo mais rigoroso, instituindo uma comissão de estudo sobre o diaconato feminino. O problema, de fato, é mais complexo do que parece e já pode listar uma densa bibliografia. As interrogações são múltiplas em âmbito teológico: qual é a sua identidade eclesial? São simplesmente mulheres delegadas e abençoadas para um encargo ou são “ordenadas” e consagradas para um ministério (e, portanto, para alguns críticos, seria um modo sub-reptício abrir uma fresta para o sacerdócio feminino, excluído da Igreja Católica com a carta apostólica Ordinatio sacerdotalis, promulgada em 1994 por João Paulo II)? Em termos mais “teológicos”: seria um ministério eclesial “instituído” ou um ministério “ordenado”, como ocorre com os diáconos masculinos, que permanecem como tais de modo permanente ou que se destinam, depois, ao sacerdócio? E ainda: quais seriam as funções litúrgicas e pastorais a serem atribuídas a elas?

Se for considerado necessário tirar o pó de um ministério feminino desse tipo, por que ele se apagou nos séculos passados ou se transformou em outras tipologias de presença eclesial? A própria tradição das origens é fluida a esse respeito, tanto que o título de diákonos (que ressoa 29 vezes no Novo Testamento com os seus corolários de diakonía, 34 vezes, e o verbo mais genérico diakonéô, “servir”, 37 vezes) também é conferido a Paulo, a Apolo, a Tíquico, a Epafra e até mesmo à autoridade civil na sua missão de ordem pública e de imposição fiscal (Romanos 13, 4). Além disso, é tradição definir como “diáconos” os sete eleitos – com Estevão, o protomártir cristão, à sua frente – para o “serviço” (diakonía) das mesas às viúvas pobres helênicas de Jerusalém (Atos dos Apóstolos 6, 1-7).

Porém, é preciso notar que a primeira (cronologicamente falando) menção aos diáconos, presente na Carta de Paulo aos Filipenses (1, 1), aproxima-os dos episkopoi, sugerindo, assim, não apenas uma função genérica de serviço caritativo, mas uma espécie de configuração específica. Além disso, ela é formulada amplamente em um parágrafo de outra carta do corpus paulino, a Primeira a Timóteo (3, 13-13), onde os diáconos estão igualmente ligados aos episkopoi que tinham funções de liderança. Nesse trecho, delineia-se um perfil das virtudes humanas necessárias: eles devem ser “dignos de respeito, homens de palavra, não inclinados à bebida, nem ávidos de lucros vergonhosos. (…) esposos de uma única mulher, dirigindo bem seus filhos e sua própria casa” [trad. Bíblia Pastoral].

Fala-se também de uma verificação existencial antes da admissão, e, nesse ponto, insere-se uma frase que ressoa assim: “Também as mulheres devem ser dignas de respeito, não maldizentes, ajuizadas, fiéis em todas as coisas”. Pareceria, por isso, que, nessa instituição particular, o Apóstolo também reconhece a presença de “diáconas”.

Poderíamos prosseguir longamente na definição e na discussão dessa figura eclesial, entrando também nos primeiros séculos cristãos, quando, por exemplo, na primeira metade do século III, entra em cena um documento, a Traditio apostolica, em que se declara que o diácono é ordenado “não para o sacerdócio, mas para o serviço do bispo”, conectando-o sobretudo à liturgia.

Serena Noceti. Diacone. Quale ministero per
quale Chiesa?

Bréscia: Queriniana, 307 páginas.

Mas, nesse ponto, para ter um dossiê bastante amplo e completo sobre o tema, é necessário remeter ao livro coletivo dirigido por uma das nossas melhores teólogas, Serena Noceti, professora da Faculdade Teológica da Itália Central, de Florença. Entre outras coisas, tanto a sua introdução geral, quanto o seu ensaio de reflexão teológica no horizonte do Concílio Vaticano II são indispensáveis para se ter um enquadramento teórico sistemático.

O conjunto das páginas do livro, que se revelam tendencialmente favorável à (re)instituição do diaconato feminino, permite recompor a trama complexa da questão, começando pelo atual horizonte que encontra a sua matriz no Concílio Vaticano II, que – como escreve um dos autores, o renomado teólogo canadense Gilles Routhier, da Universidade Laval de Quebec – ofereceu “portas de entrada que podem levar a um impasse, e outras que podem, em vez disso, permitir desenvolvimentos fecundos”.

A partir do hoje – caracterizado também por um marcado retorno da questão feminina dentro da Igreja Católica (debate não temido, ao contrário, favorecido pelo Papa Francisco) – remonta-se ad fontes, isto é, ao estudo dos textos neotestamentários evocados acima e à tradição eclesial antiga. A partir deles, como observa o teólogo Giuseppe Laiti, de Verona, no entanto, percebe-se “a reivindicação de uma remodulação de todo o quadro ministerial, através do discernimento daquilo que é raiz evangélico-apostólica e daquilo que é bagagem cultural de uma época histórica”.

Entra, assim, transversalmente, o problema hermenêutico, que não é só “centrípeto” (remontar às fontes e interpretá-las na sua mensagem autêntica e não meramente literal), mas também “centrífugo”, ou seja, destinando aquele anúncio primitivo à atualização no contexto presente diferente.

Às margens, recordamos que esse livro é concluído por um “debate ecumênico”, e não tanto sobre a escolha já clara do sacerdócio feminino por parte da Comunhão Anglicana e da Igreja Luterana, mas sim sobre o específico do diaconato feminino reproposto nas Igrejas vetero-católicas da União de Utrecht, ou seja, aquelas comunidades que surgiram depois da sua rejeição ao Concílio Vaticano I e, particularmente, ao dogma da infalibilidade do papa proclamado em 1869 (quem oferece esse quadro ecumênico é a bávara-suíça Angela Berlis).

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