A proposta do PT de reforma do Imposto de Renda

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12 Janeiro 2016

"Hoje em dia, está na moda falar sobre a renda dos 0,1% mais ricos. Nada contra olhar para esses dados, mas o foco pode acabar criando uma falsa sensação de que os ricos são os outros, quando os ricos somos (muitos de) nós", constata Bernardo Guimarães, professor de economia da EESP-FGV, em artigo publicado por Folha de S. Paulo, 11-01-2016.

Eis o artigo.

Um grupo de deputados do PT apresentou recentemente ao governo um conjunto de propostas para “a retomada do desenvolvimento econômico com justiça social”.

Desse conjunto de propostas, o site do PT destaca a alteração na tabela do Imposto de Renda para Pessoas Físicas. Focarei nisso também.

O deputado Vicente Cândido (PT-SP) explica que a reforma está “em busca da justiça tributária”, pois hoje os impostos são “maiores sobre a classe média e sobre os trabalhadores”.

A mudança na tabela do IR geraria uma grande redução no imposto de renda das pessoas. O gráfico abaixo mostra a redução na taxa do imposto de renda devido, em pontos percentuais, para cada nível de renda.



Para quem ganha até R$ 1900 por mês, a proposta não faz diferença nenhuma.

Quem ganha R$ 5 mil por mês, pagaria 8,5% a menos. Quem tem salário mensal de R$ 10 mil deixa de pagar 18,8% e passa a pagar apenas 4,9%. Quem leva R$ 20 mil por mês deixa de pagar 23,2% e passa a pagar 11,5% (o IR cai pela metade).

Os trabalhadores que recebem R$ 40 mil por mês também se beneficiam da nova proposta: ao invés dos atuais 25,3%, passam a pagar 19%. Para o pessoal da classe média que leva R$ 80 mil mensais de salário, o ganho é de pouco menos de 2 pontos percentuais (mas esse ganho é maior que a renda da maioria da população).

Perde quem ganha mais que R$ 115 mil mensais. Os ricos! Eis a justiça social da proposta.

A proposta é bizarra mas ilustra um ponto que precisamos esclarecer: os ricos somos (muitos de) nós.

De acordo com o censo do IBGE de 2010, cerca de 74% das pessoas com algum rendimento recebiam menos que 2 salários mínimos. Os dados da receita federal indicam uma proporção ainda maior.

R$ 1900 é mais que 2 salários mínimos. Os mais pobres, a vasta maioria da população, têm renda inferior ao piso e não pagam IR. A proposta do PT não os afeta diretamente.

Contudo, a proposta reduz bastante a arrecadação de impostos. Assim, ou mais impostos precisarão ser coletados ou menos serviços serão prestados à população. De qualquer maneira, os mais pobres pagariam parte da conta.

Assim, os mais pobres seriam negativamente afetados por essa proposta de justiça social do PT.
A classe média que se beneficia com a proposta equivale aos 25% mais ricos da população, com exceção de uma ínfima minoria de muito ricos.

A parcela com renda superior a R$ 115.000 equivale a menos de 0,1% da população com renda (dados da receita federal, de 2013). No debate político, os ricos são os outros.

Com base nos dados da receita federal, em 2013, pouco mais de 5% da população com renda declarou rendimentos totais superiores a R$ 6.780. Pouco mais de 2% da população recebeu mais de R$ 13.560.

É difícil estimar quanta renda está no setor informal e é sonegada, então não sabemos exatamente quanto ganham os 5% ou 10% mais ricos. Ainda assim, a implicação dos dados é inescapável: a chamada classe média é a real classe alta.

Sindicatos de trabalhadores que ganham R$ 5 mil ou R$ 10 mil visam defender os direitos de seus associados, que estão dentre os 10% mais ricos. Não há nada errado com isso, em princípio.
Partidos políticos podem escolher defender essa chamada classe média, mas não me venham com discursos inflamados sobre os ricos e poderosos, não se coloquem como os guardiões dos mais pobres. Isso seria ignorância ou hipocrisia.

Na campanha para a eleição de 2001 no Reino Unido, Tony Blair disse: “justiça para mim está concentrada em levantar a renda daqueles que não tem uma renda decente. Não é minha ambição assegurar que David Beckham ganhe menos dinheiro”.

Eu concordo plenamente.

Contudo, hoje em dia, está na moda falar sobre a renda dos 0,1% mais ricos. Nada contra olhar para esses dados, mas o foco pode acabar criando uma falsa sensação de que os ricos são os outros, quando os ricos somos (muitos de) nós.

Isso não gera apenas conversas bizarras em rodas de amigos da chamada classe média. Gera, também, propostas de políticas públicas concentradoras de renda em nome da “justiça social”.

Referências:

– A proposta com a nova tabela de alíquotas do IR está no site do PT. As alíquotas marginais de acordo com a proposta são maiores para aqueles que têm renda superior a R$ 27 mil, mas o percentual efetivamente pago só é maior para quem ganha mais que R$ 115 mil mensais.

– Os dados do IBGE estão aqui, mas parecem subestimar a renda dos mais ricos. Os dados da receita federal (aqui) fornecem uma indicação mais próxima da renda das pessoas.

– A citação à frase de Tony Blair está no artigo “Spend it like Beckham? Inequality and redistribution in the UK”, de Andreas Georgiades e Alan Manning, Public Choice (2012), 151: 537-563.
Detalhe:

– Outras mudanças no imposto de renda, além da mudança na tabela, seriam necessárias para que mais que 0,01% da população passasse a pagar mais impostos com a reforma tributária proposta. Uma reforma tributária mais ampla que mexesse nesse ponto seria muito bem vinda, mas esse é assunto para outro post.

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