“Os excluídos, os oprimidos e os pobres não resignados podem e devem enfrentar este sistema”. Breve memória do Encontro Mundial de Movimentos Populares

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Por: André | 02 Novembro 2014

No marco do término do Encontro Mundial de Movimentos Populares, os organizadores tornaram público um breve resumo do que aconteceu durante estes três históricos dias. Jornadas das quais participaram dois murcianos, o conselheiro da HOAC (Fraternidade Operária de Ação Católica), Joaquín Sánchez, e o cooperador salesiano, José Antonio Vivies. Ambos pertencem à Plataforma de Atingidos pelas Hipotecas, embora tenham participado na qualidade de ativistas sociais e membros do coletivo “Em nome de Deus, já basta de desalojar e empobrecer as famílias!”.

 
Fonte: http://bit.ly/1wJQO1p  

A reportagem está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 30-10-2014. A tradução é de André Langer.

1. Convocado pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz, Pontifícia Academia de Ciências Sociais e diversos movimentos populares do mundo, sob a inspiração do Papa Francisco, uma delegação de mais de 100 dirigentes sociais de todos os continentes nos reunimos em Roma para debater, em base a três eixos – terra, trabalho e moradia –, os grandes problemas e desafios enfrentados pela família humana (especialmente a exclusão, a desigualdade, a violência e a crise ambiental) a partir da perspectiva dos pobres e suas organizações.

2. As jornadas se desenvolveram procurando praticar a cultura do encontro e integrando companheiros, companheiras, irmãos e irmãs, de diferentes continentes, gerações, profissões, religiões, ideias e experiências. Além dos setores representativos dos três principais eixos do encontro, participaram um importante número de bispos e agentes de pastoral, intelectuais e acadêmicos, que contribuíram significativamente para o encontro, mas sempre respeitando o protagonismo dos setores e movimentos populares. O encontro não esteve isento de tensões que pudemos assumir coletivamente como irmãos.

3. Em primeiro lugar, sempre a partir da perspectiva dos pobres e dos povos pobres, neste caso dos camponeses, trabalhadores sem direitos e moradores de bairros populares (vilas, favelas), foram analisadas as causas estruturais da desigualdade e da exclusão, desde a sua raiz sistêmica global até suas expressões locais. Foram compartilhados dados horrorosos da desigualdade e da concentração da riqueza nas mãos de um punhado de megamilionários. Os painelistas e oradores coincidiram em que se deve buscar na natureza desigual e depredatória do sistema capitalista, que coloca o lucro acima do ser humano, a raiz dos males sociais e ambientais. O enorme poder das empresas transnacionais que pretendem devorar e privatizar tudo – mercadorias, serviços, pensamento – são o primeiro violino desta sinfonia da destruição.

4. Durante o trabalho em oficinas concluiu-se que o acesso pleno, estável, seguro e integral à terra, ao trabalho e à moradia constituem direitos humanos inalienáveis, inerentes às pessoas e sua dignidade, que devem ser garantidos e respeitados. A moradia e o bairro como um espaço inviolável por Estados e corporações, a terra como um bem comum que deve ser compartilhado entre todos os que a trabalham evitando seu monopólio e o trabalho digno como eixo estruturador de um projeto de vida foram algumas das reivindicações compartilhadas.

5. Também abordamos o problema da violência e da guerra, uma guerra total ou, como diz o Francisco, uma terceira guerra mundialem capítulos. Sem perder de vista o caráter global destes problemas, tratou-se com particular intensidade a situação no Oriente Médio, principalmente a agressão ao povo palestino e curdo. A violência praticada pelas máfias do narcoterrorismo, o tráfico de armas e de pessoas foram também objeto de profundo debate. Os deslocamentos forçados pela violência, o agronegócio, a mineração contaminante e todas as formas de extrativismo, e a repressão de camponeses, povos originários e afrodescendentes estiveram presentes em todas as oficinas. Também o grave problema dos golpes de Estado, como em Honduras e no Paraguai, e o intervencionismo de grandes potências nos países mais pobres.

 
Fonte: http://bit.ly/1wJQO1p  

6. A questão ambiental esteve presente em um rico intercâmbio entre a perspectiva acadêmica e a popular. Pudemos conhecer os dados mais recentes sobre contaminação e mudança climática, as previsões sobre futuros desastres naturais e as provas científicas de que o consumismo insaciável e a prática de um industrialismo irresponsável promovido pelo poder econômico explicam a catástrofe ecológica em amadurecimento. Devemos combater a cultura do descarte e, embora suas causas sejam estruturais, nós também devemos promover uma mudança de baixo para cima nos hábitos e condutas de nossos povos priorizando os intercâmbios no interior da economia popular e a recuperação do que este sistema descarta.

7. Novamente, pudemos concluir que a guerra e a violência, o acirramento dos conflitos étnicos e a utilização da religião para a legitimação da violência, assim como o desmatamento, a mudança climática e a perda da biodiversidade, tem seu principal motor na busca incessante do lucro e da pretensão criminosa de subordinar os povos mais pobres para saquear suas riquezas naturais e humanas. Consideramos que a ação e as palavras dos movimentos populares e da Igreja são imprescindíveis para frear este verdadeiro genocídio e terricídio.

8. Particular atenção merece a situação das mulheres, particularmente atingidas por este sistema. Reconhecemos nessa realidade a urgente necessidade de um compromisso profundo e sério com essa causa justa e histórica de todas as nossas companheiras, motor de lutas, processos e propostas de vida, emancipatórios e inspiradores. Também exigimos o fim da estigmatização, descarte e abandono de crianças e jovens, especialmente os pobres, afrodescendentes e migrantes. Se as crianças não têm infância, se os jovens não têm projeto, a Terra não terá futuro.

9. Longe de deleitarmos na autocompaixão e nos lamentos por todas estas realidades destruidoras, os movimentos populares, em particular aqueles reunidos neste encontro, reivindicamos que os excluídos, os oprimidos, os pobres não resignados, organizados, podemos e devemos enfrentar com todas as nossas forças a caótica situação a que este sistema nos empurrou. Nesse sentido, foram compartilhadas inúmeras experiências de trabalho, organização e luta que permitiram a criação de milhões de fontes de trabalho digno no setor popular da economia, a recuperação de milhões de hectares de terra para a agricultura camponesa e a construção, integração, melhoria ou defesa de milhões de moradias e comunidades urbanas no mundo. A participação protagônica dos setores populares no marco de democracias sequestradas ou diretamente plutocracias é indispensável para as transformações que necessitamos.

10. Tendo em conta o especial contexto deste encontro e a inestimável contribuição da Igreja católica que, na pessoa do Papa Francisco, permitiu sua realização, nos detivemos na análise, no marco das nossas realidades, da imprescindível contribuição da doutrina social da Igreja e do pensamento de seu pastor para a luta pela justiça social. Nosso principal material de trabalho foi a Evangelii Gaudium que foi abordada tendo em conta a necessidade de recuperar as pautas éticas de conduta na dimensão individual, grupal e social da vida humana. É conveniente destacar a participação e a intervenção de numerosos sacerdotes e bispos católicos ao longo de todo o encontro, encarnação viva de todos aqueles agentes de pastoral leigos e consagrados, comprometidos com as lutas populares que, consideramos, devem ser reforçadas em seu importante trabalho.

11. Todos e todas, muitos de nós católicos, pudemos participar da celebração de uma missa na Catedral de São Pedro celebrada por um dos nossos anfitriões, o cardeal Peter Turkson, onde foram apresentados como oferenda três símbolos dos nossos desejos, carências e lutas: um carrinho de coletor de material reciclável, frutos da terra camponesa e uma maquete de uma casinha típica dos bairros pobres. Contamos com a presença de um grande número de bispos de todos os continentes.

 
Fonte: http://bit.ly/1wJQO1p  

12. Neste ambiente de debate apaixonado e de fraternidade intercultural, tivemos a inesquecível oportunidade de participar de um momento histórico: a participação do Papa Francisco em nosso encontro, que sintetizou em seu discurso grande parte da nossa realidade, nossas denúncias e nossas propostas. A clareza e a contundência de suas palavras não admitem duplas interpretações e reafirmam que a preocupação com os pobres está no centro do próprio Evangelho. Em coerência com suas palavras, a atitude fraterna, paciente e calorosa de Francisco com todos e cada um de nós, em especial com os perseguidos, expressa também sua solidariedade com a nossa luta tantas vezes desvalorizada e prejulgada, inclusive perseguida, reprimida ou criminalizada.

13. Outro momento importante foi a participação do irmão Evo Morales, presidente da Assembleia Mundial dos Povos Indígenas, que participou na condição de dirigente popular e nos ofereceu uma exposição centrada na crítica ao sistema capitalista e em tudo o que os excluídos podemos fazer em termos de terra, trabalho e moradia, paz e ambiente quando nos organizamos e conseguimos acessar posições de poder, mas de um poder entendido como serviço e não como privilégio. Seu abraço com Francisco nos emocionou e ficará para sempre em nossa memória.

14. Entre os frutos imediatos do encontro levaremos duas coisas: a “Carta das e dos Excluídos” para trabalhar com as bases dos setores e movimentos populares, a qual nos comprometemos a distribuir massivamente junto com o discurso do Papa Francisco e as memórias; e a proposta de criar um espaço de interlocução permanente entre os movimentos populares e a Igreja.

15. Junto com este breve comunicado, pedimos especialmente a todos os trabalhadores e trabalhadoras da imprensa para que nos ajudem na divulgação da versão completa do discurso do Papa Francisco que, repetimos, sintetiza grande parte da nossa experiência, pensamento e desejos. Repitamos juntos:

Terra, Teto e Trabalho são direitos sagrados. Nenhum trabalhador sem direitos. Nenhuma família sem moradia. Nenhum camponês sem terra. Nenhum povo sem território. Viva os pobres que se organizam e lutam por uma alternativa humana à globalização excludente. Vida longa ao Papa Francisco e sua Igreja pobre para os pobres.

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