Também a extrema-direita ama o meio ambiente. Assim nasce e se desenvolve o ecofascismo. Artigo de Francesca Santolini

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23 Abril 2024

"Existe o risco de que o ecologismo possa se tornar o fator normalizador de ideologias de extrema-direita? Deveríamos levar a sério o perigo de uma deriva ecofascista? Para responder é necessário em primeiro lugar, abandonar a crença de que o ambientalismo progressista seja o titular exclusivo dos temas ecológicos. Nas raízes do ecofascismo existe a ideia, aberrante, mas amplamente argumentada, da convergência entre pureza racial e conceito de meio ambiente como parte do conceito mais amplo de pátria: cada nação e cada etnia foram fundidas com o seu ambiente, a proteção de uma implica aquela do outro", escreve Francesca Santolini, jornalista, autora, entre outros, do livro Profughi del clima, em artigo publicado por La Stampa, 22-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Nascem movimentos que defendem a natureza apenas para justificar teorias absurdas de pureza racial. “O fascismo não era uma ideologia monolítica, mas sim uma colagem de diferentes ideias políticas e filosóficas, uma colmeia de contradições", resumia Umberto Eco (O fascismo eterno), delineando no passado um perfil que ainda hoje parece perfeitamente semelhante aos grupos de extrema-direita: heterogêneos, contraditórios, mas ao mesmo tempo em movimento, na escuta da sociedade, mesmo que seja para captar os seus humores mais irracionais e perigosos. Na sociedade de hoje o humor a ser interceptado é certamente aquele sobre a questão climática: o tema político fundamental em torno do qual serão redefinidos os antagonismos sociopolíticos, os desafios do futuro. Alinhados com os últimos fervores negacionistas, segmentos cada vez mais numerosos da direita radical na Europa e nos Estados Unidos não apenas reconhecem o colapso ambiental em curso, mas o consideram como uma oportunidade para reorganizar a sociedade de acordo com lógicas autoritárias, xenófobas, quando não abertamente racistas.

Existe o risco de que o ecologismo possa se tornar o fator normalizador de ideologias de extrema-direita? Deveríamos levar a sério o perigo de uma deriva ecofascista? Para responder é necessário em primeiro lugar, abandonar a crença de que o ambientalismo progressista seja o titular exclusivo dos temas ecológicos. Nas raízes do ecofascismo existe a ideia, aberrante, mas amplamente argumentada, da convergência entre pureza racial e conceito de meio ambiente como parte do conceito mais amplo de pátria: cada nação e cada etnia foram fundidas com o seu ambiente, a proteção de uma implica aquela do outro. Se a ecologia venceu uma batalha cultural e política fundamental pela qual hoje as mudanças climáticas estão no topo das preocupações dos cidadãos europeus, a exigência de ocupar esse espaço político mesmo pela extrema-direita desemboca no oportunismo político, quando não na grave manipulação ideológica.

Nas mãos da propaganda de extrema-direita, a ideia progressista de proteger o meio ambiente e os seres humanos é distorcida, manipulada e instrumentalizada para difundir teorias falsas, nacionalismo, xenofobia, para fomentar divisões sociais e conflitos políticos, alimentando os medos em relação às mudanças no nosso estilo de vida, desde os transportes à alimentação. Ao atiçar as chamas dos medos, o ambientalismo de extrema-direita promove uma ideologia tecnicamente reacionária, que visa defender o modo de viver e de consumir dos cidadãos, denunciando qualquer evolução verde que possa ameaçá-lo. Uma abordagem política oportunista justamente, que procura criar um contraste entre o "bom senso interiorano" e “ideologia urbana burguesa”. A partir disso, ou ao lado dessa abordagem, está aquela igualmente radical, mas mais estritamente ruralista, que considera a globalização e as políticas europeias como o inimigo das paisagens e da tradição.

O ecofascismo afirma que a integração de determinados grupos de pessoas, como os migrantes ou os estrangeiros, já não é mais possível: os seus modos de vida e o seu número em crescimento constante constituem uma ameaça para o ambiente natural e para os seus recursos, bem como evidentemente para a identidade da comunidade. Os migrantes são comparados a espécies "infestantes" e encarnam, nesse cenário ideológico, a irrupção de uma natureza nociva ao ecossistema.

Para o ecofascismo, a defesa de uma comunidade passa pela preservação ecológica do seu território, a atribuição de recursos àqueles que nele nascem e a estigmatização social dos grupos considerados estranhos. A “grande substituição” de Renaud Camus acrescentou, portanto, às nuances étnicas também aquelas ambientais: a destruição consciente de um ambiente natural perpetrada pelos “invasores”, um “ecocídio”. E o termo “substituição” para falar dos fenômenos migratórios entrou no léxico também de muitos políticos de direita, tanto na Itália como noutros países europeus.

À luz da defesa da comunidade e do território, o ecofascismo propõe a proibição de entrada aos imigrantes ou o seu repatriamento. Em resumo, no ecofascismo, o medo do Outro traduziu-se numa profunda angústia pela mudança, e vice-versa: o medo de perder não só o próprio teor de vida, mas também as raízes e identidades.

Em seu livro O Mundo em Chamas. Um plano B para o Planeta, Naomi Klein – certamente de uma perspectiva norte-americana – escreve: “O mapa político mudou dramaticamente nesta década, com o retorno de uma extrema-direita cada vez mais violenta, uma força que está aumentando o seu poder em todo o planeta, atiçando o ódio contra as minorias étnicas, religiosas e raciais, manifestando muitas vezes uma atitude xenófoba, em relação a um número crescente de pessoas obrigadas a deixar o seu país natal”.

Uma pessoa em quarenta e cinco dos 9 bilhões que povoarão o planeta em 2050, será um migrante climático. E é precisamente aqui que nasce a tentação ecofascista, essa inédita aliança verde e preta. Arquivado o tradicional negacionismo climático, o que é e será negado é a ideia de que as nações historicamente mais responsáveis pelas emissões de carbono devam algo às populações do Sul do mundo, mais afetadas por essas emissões. O colapso climático imporia aquilo que a mentalidade conservadora mais repudia: um reconhecimento de responsabilidade e, portanto, a redistribuição da riqueza, a partilha dos recursos, a solidariedade e a reparação.

“Cuidado, portanto”, adverte Naomi Klein, “com o ecofascismo etnonacionalista. Estamos no alvorecer da barbárie do clima, das doutrinas supremacistas, das ideias tóxicas." Na ausência de soluções concretas, em especial sobre a mudança dos estilos de vida, sobre o poder de compra e sobre a tributação, para distribuir de forma mais justa os custos da transição energética, as ideias verdes correm um novo perigo: serem roubadas, manipuladas e depois pintadas de preto.

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