É indispensável hoje, para a renovação da política, que os católicos tomem consciência do caráter revolucionário da sua visão e lutem para lhe dar um peso, dentro dos respectivos campos, em relação à visão dominante.
O comentário é de Giuseppe Savagnone, diretor do Escritório para a Pastoral da Cultura da Arquidiocese de Palermo, na Itália. O artigo foi publicado originalmente no sítio da arquidiocese e republicado por Settimana News, 07-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os católicos parecem ter desaparecido da cena política. Depois de terem estado durante 50 anos, na Primeira República, à frente da Itália, dissolveram-se, na Segunda, sugados pelos dois polos da centro-esquerda e da centro-direita, nas quais a sua influência já é invisível. Isso, apesar de o Partido Democrático ter nascido, no papel, com a intenção de conjugar a alma social do catolicismo italiano com o socialismo pós-marxista, e, por parte dos expoentes da direita – pensemos em Salvini –, multiplicaram-se as referências explícitas ao evangelho e à tradição cristã.
Por um certo período, o presidente da Conferência Episcopal Italiana, o cardeal Camillo Ruini, encarregou-se de preencher esse vazio com os seus posicionamentos públicos sobre os “valores inegociáveis”. Uma tentativa questionável e muito discutida também do ponto de vista católico, segundo a doutrina do Concílio Vaticano II sobre a autonomia dos fiéis em âmbito político:
“Dos sacerdotes, esperem os leigos luz e força espiritual. Mas não pensem que os seus pastores estão sempre de tal modo preparados que tenham uma solução pronta para qualquer questão, mesmo grave, que surja, ou que tal é a sua missão. Antes, esclarecidos pela sabedoria cristã, e atendendo à doutrina do magistério, assumam por si mesmos as próprias responsabilidades” (Gaudium et spes, n. 43).
São palavras que excluem drasticamente qualquer delegação à hierarquia eclesiástica, por parte dos cidadãos de fé, na gestão do bem comum. De todos os modos, com o Papa Francisco, essa temporada também terminou. Os pastores foram chamados de novo a evidenciar acima de tudo a força salvífica da mensagem cristã, renunciando a gerir as suas aplicações no âmbito político. O vazio da presença leiga, até então mascarado por uma substituição substancialmente clerical, manifestou-se assim em toda a sua evidência.
A solução certamente não é um retorno – aliás, impensável – a um “partido dos católicos”, como no tempo da Democracia Cristã. O único caminho viável parece ser, hoje, o de um compromisso pluralista, como previsto, aliás, pelo texto da Gaudium et spes que acabamos de citar, que continua:
“Muitas vezes, a concepção cristã da vida os inclinará para determinada solução, em certas circunstâncias concretas. Outros fiéis, porém, com não menos sinceridade, pensarão diferentemente acerca do mesmo assunto, como tantas vezes acontece, e legitimamente. Embora as soluções propostas por uma e outra parte, mesmo independentemente da sua intenção, sejam por muitos facilmente vinculadas à mensagem evangélica, devem, no entanto, lembrar-se de que a ninguém é permitido, em tais casos, invocar exclusivamente a favor da própria opinião a autoridade da Igreja”.
O Evangelho não é um programa político, nem o ensinamento social da Igreja, que nele se inspira, e ninguém tem o direito, na política, de se apropriar dele. Porém, também não se pode ostentá-lo segundo a própria vontade para apoiar qualquer posição, como às vezes se tenta fazer. Há princípios, implícitos na Revelação, que devem guiar o fiel, tanto de direita quanto de esquerda, nas suas escolhas de fundo, deixando-lhe, porém, a responsabilidade de traduzi-las em medidas concretas.
Princípios que, em última análise, podem ser reduzidos a dois – o primado da pessoa e o do bem comum – e que os Pais constituintes, muitos dos quais eram sinceramente cristãos, colocaram na base da Carta constitucional italiana. O que torna irrelevante a presença dos católicos em ambos os campos não é o fato de serem “de esquerda” ou “de direita”, mas o fato de que tanto a esquerda quanto a direita, embora apelando-se formalmente a esses valores, movem-se dentro de um horizonte intelectual muito diferente, que, paradoxalmente, une-as ao mesmo tempo que dá origem a resultados opostos. Nesse horizonte, a pessoa foi substituída pelo indivíduo, e o bem comum, pelo poder do Estado.
É o caso da esquerda, que, após o fim do marxismo, não encontrou nada melhor do que se agarrar à visão liberal fundada no século XVII por Locke e dominante na sociedade burguesa. Nessa visão, o que caracteriza o ser humano é o fato de ser proprietário de si mesmo, do próprio corpo, das próprias faculdades e de poder dispor deles à vontade, contanto que não invada a esfera alheia. Uma visão insular, que nasceu historicamente na época em que as “terras comuns” (open field) na Inglaterra eram vendidas e cercadas (enclosures), marcando o triunfo da propriedade privada.
Essa visão, que está na origem do capitalismo e é obviamente “de direita”, está na base das batalhas travadas pela “esquerda” na Itália e em outros países ocidentais por uma reivindicação dos direitos desvinculados das respectivas responsabilidades. É emblemático o slogan das feministas no tempo da batalha pelo direito ao aborto: “O útero é meu, e eu faço o que eu quiser com ele”.
Uma filosofia semelhante está hoje sob a reivindicação do direito ao suicídio assistido e à eutanásia. O indivíduo é autônomo, autossuficiente e não deve responder por nenhuma das suas escolhas. Desde que, naturalmente, não ultrapasse a fronteira que defende o espaço dos outros indivíduos. “A liberdade de cada um termina onde começa a dos outros.” Antes desse limite, ela é absoluta.
Nem é preciso dizer que, em tal perspectiva, não há mais um bem comum, senão a tolerância mútua que compatibiliza essas diferentes esferas de liberdade. Se cai por terra a ideia de que a pessoa está entrelaçada na sua estrutura mais profunda por relações que a ligam aos outros e a tornam responsável perante eles por todas as suas escolhas, até mesmo as mais “privadas”, não há mais sequer um fim comum a ser buscado.
Ele é substituído por uma simples soma de interesses particulares, com a inevitável conclusão de que os mais fortes acabam prevalecendo sobre os mais fracos. Mas essa é também a perspectiva da “direita”. A sua enérgica hostilidade em relação aos impostos, segundo o slogan que os identifica com “pôr as mãos no bolso dos italianos”, baseia-se na mesma visão insular do cidadão, proprietário de si mesmo e dos seus bens, que não tem nenhum vínculo, senão aqueles livremente escolhidos de vez em quando, e que não deve nada a ninguém. O indivíduo “faça-você-mesmo”.
A comunidade, também aqui, é um arquipélago de ilhotas autônomas umas das outras. Na ausência de um bem comum, para evitar o risco da anarquia, valoriza-se e coloca-se em primeiro plano o Estado, um ente burocrático, cujo poder e cujo prestígio independem das pessoas e podem implicar o sacrifício delas, como sempre ocorreu em todos os totalitarismos.
Ambas as posições – aliás, expressão de um único horizonte cultural – são radicalmente contrapostas, em nome do Evangelho, pelo ensinamento da Igreja. Um texto do poeta inglês do século XVII John Donne (1573-1651), que inspirou o título de um famoso romance de Hemingway, poderia expressá-lo bem:
“Nenhum homem é uma ilha isolada; / cada homem é uma partícula do continente, uma parte do continente; / se um torrão é arrastado para o mar, / a Europa fica diminuída, / como se fosse um promontório, / como se fosse a casa dos teus amigos / ou a tua própria; / a morte de qualquer homem me diminui, / porque faço parte do gênero humano. / E por isso não perguntes / por quem os sinos dobram; / eles dobram por ti”.
Identificar a pessoa com o indivíduo significa – como ocorreu também com o homo oeconomicus – reduzi-la a um de seus aspectos, real, mas não exclusivo. A pessoa é, pela sua íntima estrutura, individual, mas também portadora de uma densa rede de relações que a veem como devedora e responsável perante os outros e a sociedade da qual faz parte.
Sem eles, ela seria – como diz a experiência dos filhotes de lobo, perdidos na floresta e reencontrados anos depois – um pobre ser incapaz até mesmo de falar e de ficar ereto (faculdades adquiridas na sociedade). Por isso, não é verdade que a sua liberdade termina onde começa a dos outros: desde o início, elas se interpenetram intimamente. Portanto, não faz sentido uma luta pelos direitos individuais que independa das responsabilidades pela sociedade e pelas pessoas.
Não somos proprietários de nós mesmos e muito menos podemos acreditar que as nossas escolhas privadas só dizem respeito a nós. O direito de propriedade também é apenas um meio para contribuir com o bem comum. A terra é de todos. Paulo VI recordava isso na Populorum progressio (1967), apelando à constante tradição dos Padres da Igreja:
“Não dás da tua fortuna, assim afirma santo Ambrósio, ao seres generoso para com o pobre. Tu dás daquilo que lhe pertence. Porque aquilo que te atribuis a ti foi dado em comum para uso de todos. A terra foi dada a todos e não apenas aos ricos. Quer dizer que a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto. Ninguém tem direito de reservar para seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando a outros falta o necessário” [n. 23].
Bem longe de “pôr a mão no bolso” dos legítimos proprietários, os impostos não fazem nada mais do que redistribuir a riqueza, que, em certa medida, sempre foi adquirida graças à sociedade, e não apenas por mérito próprio.
Um país como a Itália, que criou cinco milhões e meio de pessoas em condição de pobreza absoluta, não tem nada a ver com a ideia de bem comum. É indispensável hoje, para a renovação da política, que os católicos tomem consciência do caráter revolucionário da sua visão e lutem para lhe dar um peso, dentro dos respectivos campos, em relação à visão dominante.
Pode-se objetar que se trata de um empreendimento desesperado. No entanto, vale a pena tentar, porque não estão em jogo apenas as próximas eleições, mas também o futuro do nosso país.