Carlo Rovelli, 66 anos em poucos dias, tem um currículo que ocuparia todo o artigo. Lecionou em Roma, Pittsburgh (EUA) e Canadá. Ele é um dos físicos mais conhecidos do mundo, fundou o Quantum Gravity Group e hoje está envolvido principalmente com a teoria da gravidade quântica em loop. Há três anos foi colocado na lista dos cem melhores pensadores do planeta pela revista Foreign Policy.
Rovelli pode ser considerado um intelectual completo também por seus estudos e escritos sobre história, filosofia e pensamento científico. Seu best-seller Sete breves lições de física (Objetiva, 2015) aproximou milhares de leitores comuns dos segredos mais extremos da ciência. Sua fama também está ligada ao antigo compromisso civil pela paz e distensão global. Poucos sabem que em 1983, após o seu pedido de objeção de consciência ter sido rejeitado, ele se recusou a comparecer à visita de alistamento e foi preso por alguns dias.
Em dezembro passado, quando o tema da guerra ainda não tinha a dramática relevância de hoje, recolheu as assinaturas de 50 ganhadores do Prêmio Nobel (principalmente cientistas) em torno do apelo a todos os governos do mundo para reduzir os gastos militares em dois por cento todo ano, intitulado Uma simples proposta concreta para a humanidade: um discurso baseado nas razões científicas e econômicas, antes que morais, do desarmamento.
A entrevista com Carlo Rovelli é de Luca Attanasio, publicada por Domani, 24-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor, você é um físico teórico, você fala e demonstra com a facilidade do grande cientista fenômenos inexplicáveis como o tempo que flui de forma diferente dependendo do espaço. Está, portanto, confortável com o que é aparentemente inexplicável e inconcebível. Comecemos por aqui: na sua opinião é possível falar de desarmamento total?
Isso poderia ser alcançado gradualmente e poderia ser uma meta realista. Se pensarmos na Itália, vemos que toda cidade tem muros erguidos para se defender de uma cidade vizinha pronta para invadir e declarar guerra. Este fenômeno, muito difundido até séculos atrás, extinguiu-se completamente e agora Verona e Pádua, só para dar um exemplo da minha terra de origem, já não se olham mais com desconfiança, assim como a França e a Alemanha e outros vizinhos, outrora inimigos ferrenhos, gradualmente aprenderam a viver juntos sem exércitos nas portas.
É um processo de aprendizado lento, mas é preciso ter como objetivo a grande ideia do filósofo Immanuel Kant: o mundo aprenderá em larga escala. No momento pode parecer utópico. Mas se pensarmos no processo em muito longo prazo e entrarmos no espírito de colaboração global, não vejo por que não podemos imaginar tal coisa. Talvez não será o desarmamento total, talvez haja pequenas forças policiais gerenciando pequenos eventos. É um sonho? Sim, mas baseia-se numa concepção fortemente racional.
De fato, sabemos que algo semelhante aconteceu com o tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário entre os EUA e a URSS, assinado em 1987 por Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev. Então seu conceito é focar na colaboração ao invés do confronto?
Exatamente. Dito assim pode parecer simplista, mas há algo de profundo nesse raciocínio. Tudo o que podemos desfrutar hoje é fruto da colaboração entre os homens e entre os diferentes povos. Não é que traímos os valores do Ocidente se reconhecermos diferentes ideologias ou abordagens. Pelo contrário, nós trairíamos o Iluminismo, o cristianismo e os valores europeus se não aceitássemos que podemos ser diferentes. A exasperação do confronto sempre leva a polarizações. Eu estava lendo justamente poucos dias atrás no New York Times que o apoio dos russos a Vladimir Putin antes da guerra era de cerca de 60%, enquanto agora subiu para 85%.
É o resultado de propaganda fora de controle?
As perplexidades de uma parte da população sobre o significado de fazer uma guerra diminuíram. As TVs russas falam sobre o quanto é agressivo o Ocidente, o quanto é perigoso para a população e o quanto esteja crescendo um fortíssimo sentimento de grupo “contra”. Essa polarização também ocorre na Itália, obviamente reforçada pelos verdadeiros horrores cometidos pelos russos. Insistir nisso é muito prejudicial.
Acredito que devemos partir da ideia de que também a política internacional deve ser de colaboração e não de contraposição, que devemos sair do circuito "Ai meu Deus alguém pode se tornar mais forte do que eu, então eu tenho que me fortalecer, aumentar os gastos militares e voltar a uma posição de força". Em vez de soprar a retórica “os outros são os maus, nós os bons”, vamos falar uns com os outros em vez de nos armarmos.
Quantas vezes já devem ter-lhe dito: “Mas o que um físico tem a ver com o desarmamento? Por que você não trata de física e deixa falar sobre guerra e armas quem sabe a respeito?” Como você reivindica o papel do cientista nessas questões?
Em primeiro lugar, deixe-me dizer que os cientistas são intelectuais, ou seja, pessoas que são pagas não tanto para resolver um problema técnico específico quanto para pensar. A filosofia é a profissão de um cientista digno desse nome. A tradição do pensamento crítico na Europa, na região do Mediterrâneo, na China e no Oriente desfruta de séculos de história. A figura do intelectual pago para expressar sua opinião é decisiva, imprescindível nas sociedades democráticas. De qualquer forma, se pensarmos na história do pensamento de oposição aos armamentos e ao confronto bélico, devemos voltar ao protótipo dos cientistas, Albert Einstein. Foi ele em 1955, em plena Guerra Fria e na corrida ao rearmamento nuclear, que, junto com o filósofo-matemático Bertrand Russell, promoveu a declaração sobre o desarmamento que leva seus dois nomes. Um documento histórico, de claro viés pacifista, que foi assinado por cientistas e intelectuais do mais alto nível.
Uma passagem chave diz: "Na situação dramática em que se encontra a humanidade, achamos que os cientistas deveriam se reunir em conferência para analisar conjuntamente a extensão dos perigos criados pelo desenvolvimento de armas de destruição maciça e examinar um projeto de resolução". São palavras simples que podem ser resumidas em um apelo desesperado: "Mas todos ficamos doidos? Queremos realmente voltar a mergulhar numa guerra?"
Seria algo de que todos nos arrependeríamos. É razoável, eu acho, ainda hoje encontrar alguém para me dizer "cuide de suas coisas".
Mas é justamente dessas coisas que Einstein e os maiores cientistas da época se ocupavam e com as quais quero me ocupar hoje. Porque os cientistas nunca deixaram de fazê-lo.
Como eles fizeram isso?
O desarmamento nuclear entre a URSS e os EUA, assinado com o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário que você mencionou anteriormente, depois completado com os acordos Start, nasceu graças a um enorme empenho de físicos estadunidenses, russos e europeus que se reuniram em plena Guerra Fria e, como cientistas, enfrentaram o problema do risco de aniquilação da humanidade. É um longo caminho, que nasceu logo após a Segunda Guerra Mundial, passou pela Conferência de Pungwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais (a organização que nasceu em 1957 para dar impulso à Declaração Einstein-Russell, ndr) e depois continuou até nosso apelo em dezembro passado. A ciência, em particular a física, tem oferecido uma contínua contribuição para o raciocínio sobre o destino da humanidade.
Mas não é utópico hoje pensar em tal diálogo entre cientistas dos países da OTAN e seus colegas russos?
Sim, muitos pensam que seja impossível tratar justamente hoje, mas como deve ter sido difícil para cientistas russos e estadunidenses se encontrarem quando, por um lado, se dizia que os soviéticos comiam crianças e, por outro, que o Ocidente é o reino de exploração do homem sobre o homem? Uma ideia pode nascer dos intelectuais que conversam entre si. Pensar e falar, esse é o caminho, não podemos nos limitar a enviar armas.
Minha impressão é que as guerras são travadas por interposta nação, a Ucrânia está sendo armada para enfraquecer Putin como a União Soviética armava o Vietnã para enfraquecer os EUA. O clima de confronto está aumentando como se fosse um choque de civilizações: vamos olhar para a China, o fato de meio bilhão de chineses terem saído da pobreza é uma notícia maravilhosa para o mundo, para nós, no entanto, seu crescimento é percebido como um ameaça.
Todas as estatísticas econômicas mostram que a indústria bélica não traz riqueza nem empregos. Não é, para usar um termo caro ao ministro da Defesa Lorenzo Guerini, um investimento. Por que então há esse afã de produzir e vender armas, em todo o mundo e também na Itália?
As armas servem principalmente para quem as produz. E circulam pela enorme quantidade de benefícios que a política tira da indústria. É claro que a indústria bélica não é produtiva e que os números relativos ao reflexo sobre a economia são risíveis. Isso também se deve à própria natureza da produção bélica.
A indústria alimentar ou a indústria dos transportes, só para dar exemplos, além de garantir empregos, fornecem bens de consumo dos quais as pessoas não podem prescindir. Ninguém come armas, que teoria econômica poderia sustentar a ideia de que um objeto contém ou traz uma vantagem econômica se for feito para destruir? A questão, além disso, é que não se trata de uma indústria civil e, portanto, não faz parte do verdadeiro mercado, não está sujeita às suas leis e essencialmente não está sujeita à concorrência, então os preços são enormes em comparação com os custos reais. Além disso, o dinheiro investido é público, além de ser muito. Somos nós que pagamos o dobro do custo de produção das aeronaves militares, por exemplo. A indústria militar produz muito dinheiro que, no entanto, permanece dentro de um círculo limitado à política e à imprensa.
Até à imprensa?
Claro, e eu vou lhe explicar por quê. A indústria militar tem uma ligação direta com a política. Vou dar o exemplo dos EUA. Houve um pedido de aumento do orçamento militar do Pentágono, o Departamento de Defesa dos EUA. Bem, esse pedido foi seguido por um pedido muito maior do Congresso. Ou seja, na prática, os parlamentares consideram que a solicitação do Pentágono foi demasiada baixa e acabam substituindo os responsáveis diretos pela gestão das despesas. Mas então há um enorme e injustificado excedente de despesas, uma superprodução da qual não há necessidade real e que responde a outras lógicas. O dinheiro, repito, é dividido por indústria, política e mídia e sobre este último ator posso dizer com certeza que é muito difícil falar e escrever qualquer coisa contra a indústria militar.
Conte-nos sobre seu apelo pela redução nos gastos militares. Trata-se de uma proposta tão eficaz quanto simples, mas apesar de ter vindo de 50 ganhadores do Prêmio Nobel e cientistas renomados, teve pouca repercussão. Foi banalizado?
Bem, na verdade a ideia é muito simples. Neste momento, a humanidade deve enfrentar urgentemente problemas globais muito sérios: o clima, as pandemias, a pobreza extrema. Todos sabemos o que deveria ser feito, mas não conseguimos fazê-lo porque custa demais. Como encontramos o dinheiro? A palavra-chave é sempre a mesma: colaborando. Vamos todos nos acertar e reduzir os gastos militares de forma equilibrada e comum em 2% ao ano durante cinco anos para que ninguém ganhe e ninguém perca. A pequena porcentagem economizada liberaria enormes energias para enfrentar os dolorosos problemas que atingem a humanidade, pensemos em um trilhão de dólares. Propomos a cada um dos governos: não reduzir as despesas unilateralmente, mas concordar em fazê-lo coletivamente.
Poder-se-ia argumentar que tal medida afetaria também a economia e os empregos.
Não é assim. Gostaria de ressaltar que não estamos pedindo a redução do turismo, uma das indústrias mais produtivas da Itália, mas as armas que não têm impacto no PIB, produzem bem pouco empregos e certamente não se pode dizer que tenham um impacto positivo na população.
A recepção foi boa em alguns países como a Itália, péssima em outros, fiquei muito impressionado com a recusa em falar sobre isso em alguns meios de comunicação estadunidenses como o New York Times. Infelizmente, enquanto o apelo ganhava um pouco de força, a guerra eclodiu na Ucrânia e a proposta perdeu impacto. A política, porém, é lenta, tem seus tempos. Na Itália alguns políticos me disseram que isso não traz votos, mas eles estão errados, o país profundo está próximo dessas instâncias e as olha com interesse.
O fato de o parlamento votar com esmagadora maioria para enviar armas à Ucrânia também vai contra os levantamentos de opinião.
A sua, e a minha também, escritora favorita é Elsa Morante, justamente pela forma como ela conta a guerra em livros como A História. Se ela estivesse conosco hoje, o que diria?
O subtítulo daquele livro maravilhoso define a guerra: "Um escândalo que já dura dez mil anos". Acho que Morante teve a extraordinária capacidade de ver a guerra não com os olhos do inimigo, mas com aqueles de indivíduos que sofrem, enredados em uma armadilha maior que eles. Para além das retóricas bélicas, do ódio, existe a humanidade e naquele livro entendemos muito bem que a guerra gera sofrimento para todos. Vamos sair dessa loucura que já dura 10 mil anos. Eu acrescentaria "apenas" 10 mil anos, porque é possível que antes ainda não tivesse sido inventada.
Há tantas coisas que conseguimos superar, como a escravidão e os sacrifícios humanos. Também podemos superar a guerra.