07 Agosto 2020
Leonardo Trasande, filho de imigrantes galegos e apaixonado por maratonas, professor de Pediatria, Medicina Ambiental e Saúde Pública da Universidade de Nova York, há décadas pesquisa e publica artigos científicos sobre as cotidianas substâncias químicas com as quais convivemos e que provocam disrupções em nosso sistema endócrino, prejudicando nossa saúde de forma irreparável, especialmente de forma alarmante nas crianças. De fato, a OMS já as qualificou como uma ameaça global, em 2013.
Em seu livro “Enfermos, gordos y pobres” (Paidós), Trasande nos explica como esses poluentes químicos onipresentes em nossos lares, escritórios, colégios, alimentos e lugares insuspeitos nos afetam, como combatê-los e quais são as engrenagens das políticas que protegem o seu uso.
A entrevista é de Ima Sanchís, publicada por La Vanguardia, 06-08-2020. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Vivemos imersos em substâncias químicas nocivas?
Lamentavelmente, sim. Ao longo de nossa vida, mais de mil componentes químicos sintéticos afetam o nosso sistema hormonal.
Eles nos adoecem?
Sim, provocam doenças crônicas como a infertilidade, a diabetes, a obesidade, certos cânceres, transtornos de déficit de atenção...
Dizem-nos que não há nada comprovado.
Quando entrei na faculdade de Medicina de Harvard, em 1994, acreditava-se que era a dose que fazia o veneno. Hoje, ficou demonstrado que os efeitos nocivos aparecem com níveis de exposição muito baixos. O paradigma mudou, o que incomoda certos setores da indústria.
Também dizem que nenhum estudo abona que a comida orgânica seja a mais saudável.
São muitos os estudos que demonstram que só em mudarmos a nossa dieta, certos componentes químicos tóxicos são eliminados pela urina, em um prazo de 24 a 48 horas. E os níveis de substâncias tóxicas observados na urina se associam a uma diminuição do coeficiente intelectual e déficits no cérebro detectáveis por ressonância magnética.
Atacam o nosso cérebro?
E ao desenvolvimento humano, razão pela qual devemos levar em consideração a predisposição genética e recordar que não estamos expostos apenas a uma substância química. Estamos como que em uma sopa de substâncias tóxicas, em um experimento que não consentimos.
Substâncias químicas que diminuem o coeficiente intelectual?
A diminuição do coeficiente intelectual foi identificada em muitos coortes de mães e filhos como consequência da exposição a retardadores de chama e pesticidas.
Afirma que é uma questão de vida ou morte.
No caso de algumas substâncias químicas, sim. Os ftalatos utilizados em cosméticos e plásticos macios inibem a testosterona.
Com quais consequências?
Um baixo índice de testosterona supõe um fator de risco para doença arterial coronariana e problemas cerebrovasculares. Só nos Estados Unidos, por ano, 10.000 homens morrem por causa da diminuição da testosterona provocada pelos ftalatos.
Esses produtos químicos estão em lares, hotéis, escritórios, bares, no metrô, nos ônibus...
Cada vez temos evidências mais sólidas sobre a toxidade dos retardadores de chama utilizados em tapeçarias, móveis e dispositivos eletrônicos, dos ftalatos utilizados em produtos de cuidado pessoal, cosméticos e embalagens de alimentos, dos praguicidas de uso agrícola, e do bisfenol nos revestimentos das latas de alumínio e em papel térmico.
Essas substâncias onipresentes provocam disrupção endócrina. O que isso significa?
O sistema endócrino regula a temperatura, o sal, o metabolismo, o açúcar e as funções sexuais e reprodutivas, e também tem funções imunológicas. Se você coloca em risco este sistema, estará brincando com a sua saúde.
E a prejudicam de forma irreparável?
Os órgãos têm apenas uma oportunidade para se desenvolver de uma forma saudável. Se o sistema endócrino se vê afetado em um momento central, as consequências serão para a vida toda.
Essas moléculas também nos engordam?
Cerca de cinquenta substâncias químicas sintéticas são obesogênicas. Por exemplo, os produtos químicos antiaderentes desaceleram o metabolismo e provocam aumento de peso em pessoas que conseguiram perder peso após adotar uma dieta saudável.
É uma ameaça à saúde pública?
Sim. Mas também é uma ameaça econômica! Estas substâncias químicas custam em gastos derivados de doenças mais de 163 bilhões de euros por ano. E perceba que só são estudadas menos de 5%.
Dê-me algum conselho.
Evite alimentos enlatados. Não coloque embalagens de plástico no micro-ondas, nem na máquina de lavar louças. Coma verduras e hortaliças orgânicas, especialmente de folhas verdes. Abra as janelas e ventile para que circule o ar. Limpe o chão com uma esponja molhada. Esse é um bom começo.
Não compreendemos os rótulos, a maioria de nós se sente despreparada...
Há aplicativos que nos auxiliam. Devemos entender o poder do consumidor que conseguiu fazer com que a Comissão Europeia esteja implementando normas mais rigorosas para nos proteger, contudo, estamos de 10 a 15 anos atrasados em relação à compreensão dos disruptores endócrinos. As gerações millennial e Z estão centradas no meio ambiente.
E?
Em certo sentido, os dois problemas têm as mesmas origens, já que muitas destas substâncias químicas surgem da produção ou do uso de petróleo.
Precisamos de outra maneira de estar no mundo.
Mas se conseguimos estabilizar o clima e não nos ocupamos deste desafio, a próxima geração será uma geração doente, incapaz de desfrutar dos benefícios de ter dado atenção à mudança climática.
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“Vivemos em uma sopa de substâncias tóxicas que engordam e adoecem”. Entrevista com Leonardo Trasande - Instituto Humanitas Unisinos - IHU