“Devolvam-nos a Missa”. “Não vamos dar ouvidos a estes oportunistas que criam conflitos por motivos políticos e ideológicos”, afirma bispo

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30 Abril 2020

A controvérsia em torno do "devolvam-nos a Missa" está causando reações dentro da Igreja, também entre alguns membros do episcopado. O último foi dom Luiz Flávio Cappio, bispo da Barra, Bahia, que em carta ao clero, religiosos e seminaristas da diocese, definiu os promotores dessa campanha como “são pessoas que não tem nenhum compromisso com a Igreja, grupos que nunca colocam seus pés em nossas Igrejas, mas que assumem posturas contrárias apenas para confundir os fiéis e criar divisão na Igreja”.

A reportagem é de Luis Miguel Modino.

O bispo da Barra é alguém que nunca foi indiferente ao que acontece fora do templo. Anos atrás, ele fez duas greves de fome contra a transposição do rio São Francisco, uma obra faraônica que jogou fora milhões de dinheiro público e danificou seriamente os ribeirinhos e a conservação do próprio rio, o mais importantes de todo o Nordeste brasileiro.

Dom Cappio identifica esses grupos com aqueles "que criticam o papa Francisco e a CNBB”, e, portanto, alerta para a necessidade de "ficar atentos para não sermos enganados". Diante disso, o importante é perceber a situação que o Brasil atravessa, a cada dia mais grave, que o bispo descreve como quase desespero, o que é evidente no fato de que em 28 de abril, com 474 falecidos, teve o maior número de mortes durante toda a pandemia.

Se os números são sérios, a reação do presidente brasileiro é ainda mais preocupante. Ele, quando perguntado pelos jornalistas sobre a situação, ele respondeu: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”. A situação mais complicada é vivida em Manaus, a que o bispo se refere na carta, narrando alguns elementos de uma realidade cada vez mais dantesca, como mostra o fato de que “nem se levam mais os infectados para os hospitais pois não existem mais vagas, mas das casas já vão direto para serem sepultados, depois de terem recebido o visto do médico sem nem mesmo tirarem o corpo de dentro dos carros de transportar defuntos e serem enterrados em valas comuns”.

Essa situação, que provocou a reação do papa Francisco, que no sábado passado telefonou para o arcebispo local, dom Leonardo Ulrich Steiner, também deveria preocupar esses grupos, que deveriam entender que a Eucaristia, segundo o bispo de Barra, não é algo pessoal e sim algo que deveria levar a "partir o pão e alimentar o irmão". Tudo isso é agravado pela situação de fome que mais e mais pessoas sofrem no Brasil. Nessa conjuntura, ele pede que “que se coloquem à disposição da Igreja no Brasil e no mundo para ajudar a "dar de comer a tantos que tem fome", confortar a tantos que estão desesperados, acolher a tantos que não sabem para onde ir e o que fazer".

Por esse motivo, ele pede que "não vamos dar ouvidos a estes oportunistas que em vez de somar conosco neste momento tão difícil, criam conflitos levados mais por motivos políticos e ideológicos, do que por motivos verdadeiramente religiosos-espirituais". De fato, são esses grupos que apoiam as políticas do atual governo brasileiro, o grande negacionista da pandemia, cada vez mais isolado na esfera internacional, e com respostas que mostram seu mau caráter.

Por fim, dom Luiz Cappio espera que esse momento de pandemia que está acontecendo, causando "tanto sofrimento e dor", possa levar a Igreja a viver "em comunhão, em unidade", algo cada vez mais difícil com esse tipo de atitude, própria de quem se preocupa em satisfazer seu próprio ego, colocando em risco a vida de outras pessoas. O papa Francisco, a quem condenam como herege, deixou isso bem claro na missa de Santa Marta nesta última terça-feira, 28 de abril, pedindo prudência e obediência às regras para que a pandemia não volte. Mas já sabemos que não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir.

 

Eis a carta.

 

Carta do bispo da Barra, dom Luiz Flávio Cappio sobre a covid-19

Meus queridos padres, diácono, religiosos (as),seminaristas estagiários e seminaristas estudantes, amigos (as),

Paz e bem!

Espero que vocês estejam bem de saúde e em todos os seus trabalhos nestes tempos difíceis que estamos vivendo.

Tem saído muitas matérias nas redes sociais que podem confundir os incautos, no que diz respeito ao "abrir nossas igrejas".

Estes grupos que assim se manifestam, em sua maioria, são pessoas que não tem nenhum compromisso com a Igreja, grupos que nunca colocam seus pés em nossas Igrejas, mas que assumem posturas contrárias apenas para confundir os fiéis e criar divisão na Igreja. São os mesmos que criticam o papa Francisco e a CNBB. Vamos ficar atentos para não sermos enganados.

Neste momento de quase desespero em que o Brasil está se tornando o epicentro da pandemia no mundo (já tivemos mais mortes em 24h do que a Itália), neste momento em que Manaus já se tornou num caos em que nem se levam mais os infectados para os hospitais, pois não existem mais vagas, mas das casas já vão direto para serem sepultados, depois de terem recebido o visto do médico sem nem mesmo tirarem o corpo de dentro dos carros de transportar defuntos e serem enterrados em valas comuns. Uma loucura desesperadora a ponto de neste último sábado o papa Francisco telefonar para dom Leonardo, arcebispo de Manaus, para perguntar sobre a situação catastrófica, principalmente para saber como os pobres e os índios estavam sendo tratados.

E vem estes engraçadinhos e colocam nas redes sociais: "devolvam-nos a Missa". Como se a Missa fosse algo pessoal em que "eu" recebo Jesus e estou em paz comigo e com o mundo. A Missa, como vimos no último domingo no Evangelho dos discípulos de Emaús, é Jesus se manifestando no "partir o pão". No gesto solidário de partir o pão e dar de comer ao irmão. Não apenas o pão espiritual, mas o pão comida de verdade em que tantos hoje estão privados.

Em vez de pedirem para "devolver a Missa", que se coloquem à disposição da Igreja no Brasil e no mundo para ajudar a "dar de comer a tantos que tem fome", confortar a tantos que estão desesperados, acolher a tantos que não sabem para onde ir e o que fazer.

Não vamos dar ouvidos a estes oportunistas que em vez de somar conosco neste momento tão difícil, criam conflitos levados mais por motivos políticos e ideológicos, do que por motivos verdadeiramente religiosos-espirituais, porque se fossem verdadeiros, diriam: "aceitem minha solidariedade. É o pouco que tenho, mas é aquilo que está em meu alcance para manifestar minha comunhão com Jesus e com a Igreja que sofre".

Meus queridos irmãos e irmãs permaneceremos como estamos. Oportunamente, na medida em que o quadro for melhorando, daremos novas orientações para toda a Diocese. Peço que ninguém na Diocese tome decisões por própria conta. Chegou o momento certo para vivermos em comunhão, na unidade. Que a pandemia que já nos traz tanto sofrimento e dor, pelo menos seja uma grande oportunidade de vivermos na UNIDADE.

Que Deus os abençoe a todos.

Com profunda gratidão e estima, Frei Luiz.

 

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