Depois do “teatro de sombras”, Brasil precisará se reinventar e sair do caminho da prancheta. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna

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Por: Patricia Fachin | 20 Outubro 2018

“A tarefa que se impõe para nós é de recomeço”, propõe o sociólogo Luiz Werneck Vianna na entrevista a seguir, ao avaliar o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais. O que “importa” neste momento da conjuntura política do país, enfatiza, “é que a reflexividade seja um instrumento crucial”. Além disso, constata, “está faltando estimular a confiança, e o que estimula a confiança é a esperança. A esperança é um tema de fundo que sempre bate na nossa história de maneira forte”. Embora existam “motivos para preocupação” acerca de como será o futuro do país, ao mesmo tempo “há motivos que nos conduzam a atitudes, pensamentos e ações que sejam capazes de impedir impasses, equívocos, decisões desastradas. Há saúde na nossa sociedade também”, pondera.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, o sociólogo critica o “abandono do Centro” nas eleições deste ano e afirma que esse foi um dos fatores que “tornou viável essa onda, esse tsunami que invadiu o país”. Mas, no segundo turno, menciona, o Centro “está vivo e os próprios candidatos reconhecem isso ao fazerem esse movimento desabalado em direção ao Centro. Eles estão tentando capturar o Centro sem entendê-lo, sem valorizá-lo, sem compreender qual foi o papel dele na história do país. Eu diria que é uma fantasia: o Centro não vai ceder a esses acenos de boa vontade que os extremos estão lhe fazendo agora”.

Werneck Vianna também lamenta a condução do debate eleitoral e a não discussão de temas fundamentais para “tirar o país do caminho da prancheta”. “O tema da desigualdade é que deveria ter sido dominante nessa sucessão presidencial; essa é a nossa questão de fundo. (...) Nesta eleição praticamente não se discutiu economia. Discutiram-se valores. Agora, qual é a economia? (...) Não se discutiu a forma de inscrição do Brasil no capitalismo mundial. Não se discutiu o processo da globalização; aliás, recusa-se esta que é a maior evidência do nosso tempo, a mundialização da economia, a globalização. (...) É um teatro de sombras, porque as coisas verdadeiras não aparecem.”

Apesar do espetáculo eleitoral, avalia, o Brasil não está perdido, mas “vai ter que se repensar e os intelectuais vão ter que se posicionar de uma forma autônoma no debate público, como deixaram de fazer há tempo, seduzidos por posições do Estado, por crenças mágicas e mitológicas de que um homem dotado de poderes sobrenaturais seria capaz de mudar o país. Não foi; está na cadeia”. Aliás, acrescenta, “não foi uma coisa de menos importância o que aconteceu e o que está acontecendo”. Diante da crise que se estende pelo país nos últimos anos, declara, “sou obrigado – e acho que todos são, quando se defrontam com um fato político - a reconhecer o valor de face do que é dito". E adverte: “Não posso me deixar embair por especulações que afirmam que estamos vivendo o fim da nossa democracia”. O próximo presidente, conclui, terá a tarefa de “tirar o país do caminho da prancheta, de ficar projetando um futuro de prancheta no papel e se defrontar com as coisas reais”.


Werneck Vianna, em 2013, no IHU | Foto: Acervo IHU

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012). Destacamos também seu novo livro intitulado Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena Editora, 2018), que é composto de uma coletânea de entrevistas concedidas que analisam a conjuntura brasileira nos últimos anos, entre elas, algumas concedidas à IHU On-Line.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a sua avaliação geral do resultado das eleições? Que reflexões o senhor tem feito a partir do resultado das eleições?

Luiz Werneck Vianna – Eu não seria verdadeiro se dissesse que não senti surpresa com determinados resultados. O resultado de Minas Gerais me surpreendeu. No Rio de Janeiro, igualmente. Em São Paulo as coisas se comportaram de forma previsível, assim como no Nordeste. Agora, a onda Bolsonaro que tomou conta do país surpreendeu a mim e penso que surpreendeu a todos. Foi um processo que foi se maturando embaixo da rejeição ao PT, que não soube compreender a sua situação e radicalizou seu posicionamento num momento em que tinha de procurar forças que pudessem estabilizar a sua votação. Foi perdendo o Centro, o que não fez nas eleições anteriores, inclusive na de Dilma, quando a escolha do vice-presidente foi um candidato classicamente do Centro, Michel Temer. Aos poucos, a própria administração do segundo governo Dilma foi se distanciando, dramaticamente eu diria, do Centro político. Ora, este país vem comprovando há décadas que o Centro político é o capital para a estabilidade e a governabilidade no país. O abandono do Centro e mais o avanço que procuradores e juízes exerceram sobre o sistema político feriram preferencialmente as forças que tradicionalmente ocupavam o Centro político. Isso tudo tornou viável essa onda, esse tsunami que invadiu o país.

No Rio de Janeiro, o candidato que está na frente nas pesquisas e que chegou ao segundo turno em posição favorecida não tem registro político na história do país. O que se sabe é que ele foi um fuzileiro naval que abandonou a carreira, depois um juiz concursado, que também abandonou a corporação e que ingressou, por uma inspiração do destino, numa trajetória para a qual não parecia minimamente preparado, mas está aí, liderando as pesquisas e parece que tem possibilidade de vencer. A política tradicional do Rio de Janeiro foi arrasada; está na cadeia. Aliás, o grande nome do PT está na cadeia.

A confluência entre as campanhas

Um elemento de erro, de equívoco e de falta de interpretação lúcida do país propiciou isso. Agora todos choram o leite derramado. Corre-se atrás da recuperação do Centro político, mas o Centro político não é ioiô. O Centro foi o grande responsável pela modernização burguesa do país. Como se explica o governo Juscelino sem o Centro político, a construção de Brasília, o programa de metas, sem o Centro político? Para ir um pouco mais longe, o desentendimento a respeito da nossa trajetória, da nossa história, dos nossos valores, chegou a um ponto agônico. Ninguém mais pode reconhecer na nossa história êxitos e sucessos. Quando se falava em República, era para denegri-la; quando se falava do processo da abolição, que foi uma luta democrática muito vigorosa, era para denegri-la; quando se falava da imposição étnica do país, o que é um verdadeiro milagre a convivência entre diferentes, como tem ocorrido e tem se aprofundado entre nós, isso não encontrava defensores. Gilberto Freyre foi enterrado para não ser mais ouvido; suas lições foram jogadas no porão da história.

No entanto, com tudo isso, ainda podemos ter o registro de sermos um dos países mais tolerantes do mundo em termos de convivência entre religiões, entre etnias diferentes. Mas tudo que era da nossa tradição foi depredado, foi jogado no lixo da história. O resultado não se fez esperar. A candidatura de Bolsonaro contém todos esses elementos de reação ao que fomos, ao que temos sido, mas pode-se dizer também que o PT se comportou do mesmo modo, desqualificando o tempo todo a nossa história e os nossos feitos, que não foram poucos. Basta ver que somos um país emergente do terceiro mundo que cumpriu uma das agendas mais vitoriosas de modernização: estão aí a nossa indústria, a nossa agricultura.

Não temos uma história desprezível para começar tudo de novo, como na verdade, ao fundo, tanto a campanha de Lula quanto a de Bolsonaro fizeram. Nesse sentido há um elemento de confluência entre a campanha de Bolsonaro e a de Haddad, que não pode ser obscurecido. Alguns traços são muito significativos disso: a fala do candidato a vice-presidente da República sobre a nossa composição étnica e as hipotecas negativas que elas comprometem a nossa história, é um registro. O tema do racialismo que setores da esquerda petista têm trazido para a cena política com a aparência de irem no sentido contrário, reforçam essa questão de não reparar, de não valorizar o processo extraordinário que criamos aqui de convivência entre tradições, culturas e etnias diferentes.

IHU On-Line – Qual será a economia de 2019?

Luiz Werneck Vianna   Nesta eleição praticamente não se discutiu economia. Discutiram-se valores, rumos políticos. Agora, qual é a economia? A economia do candidato do PT no primeiro turno foi a política levada a cabo pela ex-presidente Dilma Rousseff, cujo resultado é conhecido: fracasso absoluto. Bolsonaro, em relação a isso, não precisou fazer mais nada para deixar o tema correr solto e se deixou navegar nessa onda em que ele foi extremamente favorável, porque ele não teve que se defrontar com um projeto de renovação da sociedade, da política da sociedade e de suas instituições que estivessem em linha de continuidade com a nossa história. Há uma surpresa nisso aí, olhando bem ao fundo. É uma surpresa imediata: poxa, que votação espantosa, inesperada. Fora isso, fora essas interjeições, quais são as explicações?

Esse segundo turno pode – e eu temo isso – transcorrer num ambiente mais inóspito do que o primeiro, porque esses candidatos – salvo o arremedo de procura do Centro político que estão fazendo - continuam sem apresentar os seus programas de governo: para onde se quer ir? Haddad se desvencilhou de verdade do programa da Dilma? Como? Que quadros ele vai levar para isso? É um teatro de sombras, porque as coisas verdadeiras não aparecem. O que teria de ser pensado para aprofundar agora? Falta à sociedade perceber quais são os rumos alternativos, para onde ela deve conduzir a sua opção. Para a política da Dilma? Para o Chile de Pinochet, com neoliberalismo com fuzis? O Centro não é um lugar sem valores, um lugar que deva ser pensado, como esses políticos que estão aí fazem, como um lugar fisiológico, um lugar sem projeto. Expulsaram o MDB do Centro político.

IHU On-Line – Qual é a consequência disso?

Luiz Werneck Vianna – O Centro ficou vazio e as extremidades ocuparam esse espaço.

IHU On-Line – Qual será o papel do Centro na política daqui para frente?

Luiz Werneck Vianna – Tem que dar tempo para esse segundo turno. Ele foi ferido letalmente, inclusive por procuradores e juízes que trabalharam sob a legenda “faça-se justiça e o resto que se dane”. Muito bem, “fez-se justiça”. A que custo?

Vargas era um homem de Centro, como Juscelino, Jango. Tiramos o Centro da política, e agora tem o PT com a cara da Dilma e o Bolsonaro. Então, pronto, vamos dormir com um barulho desses.

IHU On-Line – Por que o debate político se concentra numa discussão sobre valores e não sobre os rumos da economia? Quais são as consequências disso para o país?

Luiz Werneck Vianna – Não se discutiu, por exemplo, se a política econômica da Dilma estava certa ou errada. Não se discutiu a forma de inscrição do Brasil no capitalismo mundial. Não se discutiu o processo da globalização; aliás, recusa-se esta que é a maior evidência do nosso tempo, a mundialização da economia, a globalização. Também não se discutiu o papel das organizações internacionais, principalmente da ONU, que passa a exercer cada vez mais um protagonismo nas coisas do mundo em termos de ambiente, em termos da economia mundial, da sua regulação, na questão feminina igualmente, na questão da paz. Não se levantou uma voz para fazer esse diagnóstico sobre as circunstâncias em que o mundo opera, está operando e as tendências que nos próximos anos devem se afirmar.

Questão comportamental

Focou-se na questão comportamental, porque a sociedade brasileira é, no fundamental, conservadora. Aliás, não só ela. A questão dos valores é muito sensível. Esse mundo das mudanças comportamentais se mexe de forma muito vagarosa e não da forma afobada com que certos movimentos sociais tentavam conduzir a sua agenda. Isso afronta e afrontou sentimentos da população por conta da religião. Não apenas os pentecostais, mas os católicos, por exemplo, têm uma posição muito severa em relação ao aborto. Você não pode colocar sistemas comportamentais na frente das grandes opções políticas com que a sociedade se defronta; devagar com o andor. O risco de ter se perdido muito ao longo desse caminho, e que será muito difícil de recuperar mais tarde, é este de querer imprimir valores à sociedade que não encontram receptividade na sociedade. Basta ver que boa parte das mudanças ocorridas no campo comportamental têm sido promovidas pelo Judiciário, onde a força conservadora da sociedade é mais presente. Chegou-se a pensar em aborto por decisão judicial, passando ao largo do Legislativo; isso é um disparate e não há sociedade que segure isso. O genial compositor brasileiro consagrou a frase de que o Brasil não é para principiantes. Tudo aqui é difícil. O país é imenso, heterogêneo e desigual.

Desigualdades

O tema da desigualdade é que deveria ter sido dominante nessa sucessão presidencial; essa é a nossa questão de fundo, porque nós fomos nos modernizando durante décadas sem interferir na questão da desigualdade. Aliás, aprofundando cada vez mais essa anomalia, essa patologia brasileira de ser moderna, almejar os valores da modernização e ao mesmo tempo ser uma das sociedades mais desiguais do planeta. Como se enfrenta a desigualdade? Com Bolsa Família? Isso é uma gota d’água, uma bobagem – isso não quer dizer que o programa não deva ser preservado em situações-limite como a que vivemos. Somos um país que foi capaz de se modernizar sem interferir, sem mexer na questão agrária, de Vargas até hoje; a questão agrária foi preservada e consolidada com o agronegócio.

Negação do Centro

Negou-se, isto é, houve uma resistência ao objeto político. Criou-se uma narrativa de negação do Centro político. Isso foi uma fabulação, foram palavras. Outra coisa é o mundo das coisas reais. O Centro já está se manifestando nesse segundo turno com força. Ele está aí, está vivo e os próprios candidatos reconhecem isso ao fazerem esse movimento desabalado em direção ao Centro. Eles estão tentando capturar o Centro sem entendê-lo, sem valorizá-lo, sem compreender qual foi o papel dele na história do país. Eu diria que é uma fantasia: o Centro não vai ceder a esses acenos de boa vontade que os extremos estão lhe fazendo agora. O Centro como categoria política não vai se deixar embair agora de forma plena por essas duas alternativas que estão postas. Ele sabe, por experiência vivida, o quanto esses extremos lhe foram contrários e são contrários e não estão dispostos a fazer um processo autocrítico que seja convincente e persuasivo e que não seja algo de oportunismo eleitoral.

O Brasil está perdido? Não está. Vai ter que se repensar e os intelectuais vão ter que se posicionar de uma forma autônoma no debate público, como deixaram de fazer há tempo, seduzidos por posições do Estado, por crenças mágicas e mitológicas de que um homem dotado de poderes sobrenaturais seria capaz de mudar o país. Não foi; está na cadeia. Os principais seguidores ou estão na cadeia ou têm grandes possibilidades de irem para lá, e alguns, de voltarem para lá.

É um recomeço. A tarefa que se impõe para nós é de recomeço. O que importa é que a reflexividade seja um instrumento crucial nessa hora. Pensar, deliberar junto. Não foi uma coisa de menos importância o que aconteceu e o que está acontecendo. Eu sou obrigado – e acho que todos são, quando se defrontam com um fato político - a reconhecer o valor de face do que é dito. Então, sou obrigado a acreditar que o general Villas Bôas expressa duas convicções verdadeiras quando afirma e vem afirmando há tempo a obediência aos comandos constitucionais. Isso não é de pouca monta.

IHU On-Line – Então o senhor não tem medo do retorno da ditadura diante de uma possível eleição de Bolsonaro, como muitos estão afirmando?

Luiz Werneck Vianna – Eu diria que não, a não ser que eu desprezasse o valor de face de algumas afirmações e não reconhecesse no general Villas Bôas e na sua liderança, até então incontrastável, nas Forças Armadas, o que ele tem dito e defendido. O que junta a corporação militar com a corporação do Direito, que também está assentada na política de defesa da Constituição de 88. Então, isso posto, com esse alinhamento, não posso me deixar embair por especulações que afirmam que estamos vivendo o fim da nossa democracia. Poderemos até chegar a isso, mas estamos muito longe disso e temos instrumentos para fazer essa defesa.

IHU On-Line – Como avalia a eleição de mais de 20 candidatos militares? O que isso representa?

Luiz Werneck Vianna – O exército faz parte da vida brasileira; sempre fez. Desde a guerra do Paraguai ele está aí. Esteve na República, na Modernização Burguesa. A construção de Brasília sem as corporações militares não teria sido uma possibilidade. Essa fabulação negativa que o PT criou sobre a nossa história minou e degradou a política brasileira, mas é sacudir a poeira.

IHU On-Line - Os dados demonstram que a eleição deste ano possibilitou a maior renovação da Câmara desde a eleição de 89. Isso significa uma mudança de fato ou a renovação é mais do mesmo? A eleição do Congresso representa um recomeço?

Luiz Werneck Vianna – É uma renovação e vai ter que ser. O Congresso não atua sozinho no mundo; são parlamentares com inscrição na vida social real, e a vida social real não quer golpe, não quer interrupção da vida democrática. A vida real aprendeu a valorizar a Carta de 88, o que não quer dizer que ela seja intocável. Reformas constitucionais podem ser feitas e é possível aprimorar o texto constitucional, porque ele foi feito numa circunstância muito particular, numa transição do autoritarismo para a democracia, que não é pouca coisa. Foi uma vitória extraordinária das forças democráticas terem chegado ao texto final na Carta de 88. Ela deve ser defendida agora a ferro e fogo, como a sociedade já demonstrou que vai fazer e está fazendo.

Outra coisa é governar. Governar não é fácil. Sancho Pança aprendeu isso no reino da Barataria. Governar é difícil, especialmente em sociedades complexas, desiguais e heterogêneas como é a nossa.

IHU On-Line – Depois do segundo turno, muitos começaram a dizer que a democracia está em risco. Ela está?

Luiz Werneck Vianna – Depende do que nós vamos fazer. Pode cair em situação de risco, e pode sair dela. A minha expectativa – não falemos de torcida – é, acreditando no valor de face do que as principais lideranças estão falando, do que as principais instituições estão vocalizando, de que a democracia saberá enfrentar qualquer risco. Agora, se tudo for uma mascarada, aí pode ser. Nesse caso, um país do tamanho do nosso, com a importância estratégica que tem no mundo, a lesão disso não será somente interna, mas internacional, nessa hora de Trump, nessa hora em que a extrema direita avança na Europa. Os sinistros anos 30 no Brasil e no mundo podem voltar, mas há forças e contraforças. A interpretação que faço é que a democracia criou raízes aqui em setores em que ela tradicionalmente não tinha lugar. Enfim, nada está escrito nas estrelas. Esse destino terá que ser feito por nós. É claro que demos um passo atrás como sociedade, mas nada que seja tão grave que impeça que retomemos nosso caminho. É sacudir a poeira e dar a volta por cima.

IHU On-Line – Será o fim dos governos de coalizão, que o senhor sempre criticou?

Luiz Werneck Vianna – A maneira como se praticou o presidencialismo de coalizão aqui foi um despautério. Não será o fim. Mas ele passou por um processo severo de ajustes. Aliança política é essencial entre nós. Isso desde sempre. Nós não fizemos a Guerra de Secessão como os EUA fizeram. A nossa trajetória tem sido, ao contrário da americana, a de manter o antagonismo em equilíbrio. Essa frase é de Gilberto Freyre e representa bem o pensamento desse grande pensador. A Guerra de Secessão não foi feita aqui, para o bem ou para o mal. É um registro da nossa história; faz parte da nossa história, do nosso DNA. DNA não se muda, se leva para a história e gerações o mantêm.

IHU On-Line – Quais são as chances de o Estado se modernizar daqui para frente a partir de um próximo governo?

Luiz Werneck Vianna – Nós fizemos a modernidade sem o moderno. Nós não criamos fundamentação verdadeira para a autonomia dos seres sociais. Basta ver o que ocorreu com o sindicalismo, que foi mantido sob tutela ao longo de gerações e décadas e décadas no processo da modernização burguesa brasileira. Autonomia é o que está se infiltrando agora, é uma construção recente na sociedade brasileira. É um processo, eu diria, incontornável e de avanço crescente. Tem que dar tempo ao tempo.

IHU On-Line - O que é possível esperar de um eventual governo Haddad ou Bolsonaro? Quais serão as chances de governabilidade num governo petista ou bolsonarista?

Luiz Werneck Vianna – Os dois serão e já estão sendo obrigados a olhar para o país como ele é. Terão que tirar o país do caminho da prancheta, de ficar projetando um futuro de prancheta no papel e se defrontar com as coisas reais. Negociar, conversar, fazer política, a não ser que essa hipótese nefasta da solução de força prospere. Mas por onde ela vai prosperar? Que forças sociais vão bancar esse avanço sobre as instituições democráticas? O resultado das eleições de São Paulo ainda não saiu. O estado mais importante da federação ainda não declarou seu voto, se Bolsonaro ou se Haddad ou se Lula. A possibilidade de que o Centro encontre seu lugar em São Paulo é muito alta. Também não afastaria a possibilidade de Minas Gerais encontrar lugar agora para o seu Centro político. Com Minas e São Paulo o caminho está garantido, o caminho da perseverança das instituições.

IHU On-Line – Doria declarou seu apoio a Bolsonaro, apesar de o PSDB optar pela neutralidade.

Luiz Werneck Vianna – Sim, mas o França recebeu o apoio do Skaf e de toda a torcida do Flamengo, e imagino que do Alckmin também. E o Anastasia em Minas Gerais? Minas e São Paulo na hora das decisões estratégicas são decisivos.
Há motivos para preocupação. Ponto. No entanto, há motivos que nos conduzam a atitudes, pensamentos e ações que sejam capazes de impedir impasses, equívocos, decisões desastradas. Há saúde na nossa sociedade também. Este país não é o que é se não tivesse uma saúde de ferro, segurando por baixo de toda a confusão que nós, os habitantes desta Terra, fazemos.

IHU On-Line – Nos resta aguardar, então?

Luiz Werneck Vianna – Aguardar com calma e com esperança. Sem esperança você não é capaz de agir de forma a despertar confiança no outro, e confiança é essencial. Sem confiança você não atravessa uma rua. Sinais vão parar. Um deles talvez não contenha um motorista desastrado que invada o sinal e atropele as pessoas. Mas com isso, ninguém atravessaria a rua. Espero que não. Confiança é tudo. Sem confiança não vou ao médico, não posso tomar um remédio. Está faltando isto: estimular a confiança, e o que estimula a confiança é a esperança. A esperança é um tema de fundo, que sempre bate na nossa história de maneira forte. Nós não desistimos do Brasil, não desistimos de um grande destino para o nosso país. Mas temos que ir tentando. Tem que ter calma e ter esperança e agir na boa direção. Os candidatos estão aí e quem ganhar, leva. Que Deus o tenha. E quem ganhar vai governar e todos estão interessados em cumprir o mandato. Que olhem o entorno.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Luiz Werneck Vianna – Como sempre, peço tolerância e bondade da minha interlocutora, porque uma entrevista sobre esse assunto é sempre muito difícil de dar.

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Depois do “teatro de sombras”, Brasil precisará se reinventar e sair do caminho da prancheta. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna - Instituto Humanitas Unisinos - IHU