03 Agosto 2018
“O messias é uma luz nas trevas que o povo acende, e uma vez acesa incendeia ao próprio povo, exigindo-lhe, agora, tornar-se responsável pela história. É uma dialética entre povo e liderança. Não os trairei! Cumprirei com o mandato!, expressa ao povo o consagrado pelo povo. Sabem quem é a última instância da soberania”, escreve o filósofo Enrique Dussel, a respeito da nova etapa da vida política no México, em artigo publicado por La Jornada, 01-08-2018. A tradução é do Cepat.
Tendo cumprido minha previsão de 2012 sobre Morena e o PRD: Finalmente, duas concepções da política, onde predizia o futuro desaparecimento do PRD, continuarei a reflexão iniciada há seis anos, hoje mais atual que nunca.
Com W. Benjamin, desejo abordar o estranho tema do messianismo que obstinadamente o trágico filósofo alemão levantou, a partir de seu diálogo ao longo de sua vida com G. Scholem, tão incompreendido por outros membros da Escola de Frankfurt (e a esquerda em geral, e especialmente a marxista ortodoxa, ainda em nossos dias no México).
O tema da liderança foi uma questão perigosa para a esquerda tradicional pela possibilidade de cair em um populismo de direita (como o nazismo que Benjamin tanto criticou e sofreu, um certo bonapartismo), ou um carismatismo (superficialmente tratado por M. Weber). Ainda menos considerado sob o rótulo do messianismo (caricaturado como um teologúmeno superficial) nomeado por outros como um messianismo tropical. No entanto, na contracorrente e autorizando-me Benjamin, desejo tratar este tema de grande profundidade política, no contexto deste momento crucial do México em 2018.
Trata-se de meditar sobre atores políticos situados em três níveis que se determinam mutuamente. Em primeiro lugar, o próprio povo como totalidade, que é o ator coletivo político, última instância da soberania, que se expressa na participação pública (institucional ou espontânea). Em segundo lugar, um setor ou grupo de tal povo (que G. Agamben, a partir de Paulo de Tarso, recorda como o resto) que luta contra vento e maré, nas boas e más, em favor de tal povo. Em terceiro lugar, uma pessoa ou muito poucas que padecem o suportar em sua própria corporalidade o sofrimento do povo oprimido (que na tradição semita de W. Benjamin se denominava o servo sofredor, questão tratada em minha obra “El humanismo semita”, apêndice), denominado pelo filósofo alemão como o meshiakh (em hebraico: o ungido pelo povo). Benjamin, em sua obra Sobre o conceito da história (GS, I, 2, pp. 691 ss), trata repetidamente, nas 18 teses, o tema do messianismo a partir de um marco teórico marxista e materialista histórico (Tese I), que será o que adotaremos nesta contribuição.
Michael Löwy, o conhecido filósofo judeu, trotskista e ateu, diz-nos: A redenção messiânica e revolucionária é uma missão que as gerações passadas nos atribuem. Não há Messias enviado do céu: nós mesmos somos o Messias (em Aviso del incendio, FCE, México, 2002, p. 50); pensemos “no lugar que tiveram no imaginário revolucionário, dos últimos 30 anos, as figuras de José Martí, Emiliano Zapata, Augusto Sandino, Farabundo Martí e mais recentemente Ernesto Che Guevara [...]”.
Em último termo, o messias é uma pessoa que encarna para o povo, por sua fidelidade, compromisso, honestidade, coragem, prudência prático-sapiencial, os valores que não se encontram nos líderes corruptos da sociedade dominante. Por isso, cresce seu significado até que o povo o descobre como uma possível solução para seus males. É assim que tal povo o consagra em função do serviço ao próprio povo (função messiânica que recebe do ator coletivo: o próprio povo). O messias é uma luz nas trevas que o povo acende, e uma vez acesa incendeia ao próprio povo, exigindo-lhe, agora, tornar-se responsável pela história. É uma dialética entre povo e liderança. Não os trairei! Cumprirei com o mandato!, expressa ao povo o consagrado pelo povo. Sabem quem é a última instância da soberania.
Tratei o tema de forma mais ampla em uma publicação de La Jornada Ediciones [Carta a los indignados, México, 2011, pp. 27-85), texto que recomendo a quem desejar aprofundar o tema.
Por tudo isso, o dia primeiro de julho de 2018 foi um acontecimento messiânico (como segundo acontecimento libertador, em relação ao primeiro acontecimento exposto por A. Badiou), mas como diz o sentir popular: não se deve dormir sobre os louros! É agora o tempo da participação ativa de todo o povo e dos militantes mais responsáveis que despertaram na efervescência, ainda que desprezada por alguns situados na extrema esquerda, criticando-a como uma jornada eleitoral vazia e sem conteúdo. E não é assim, aqui a forma (uma eleição) tem conteúdo (é uma transformação real política).
A função messiânica agora já não necessita da legitimidade conquistada graças ao voto, agora, necessita da práxis participativa de todo o povo, cada um em sua trincheira. A função messiânica necessita da diária correção da crítica fraterna e responsável. Já não é o tempo para aplaudir, mas, sim, para atuar multiplicando a liderança em todos os níveis.
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Walter Benjamin e o messianismo. Artigo de Enrique Dussel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU