Para quais juventudes a Igreja oferece a sua escuta e seu olhar? Entrevista especial com Davi Rodrigues da Silva e Leon Patrick de Souza

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Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 03 Abril 2018

O Sínodo dos Bispos sobre a Juventude, que ocorrerá em Roma, em outubro de 2018, terá um documento construído por jovens de todo o mundo para iniciar a discussão. Esse documento foi elaborado a partir da síntese das discussões da Reunião Pré-Sinodal, ocorrida de 19 a 25 de março de 2018, no Vaticano. Além dos 300 jovens presentes na reunião, outros 15 mil jovens participaram pelo Facebook em grupos divididos por países e organizados pelo Sínodo.

Pela primeira vez na história, a Igreja faz um processo de convocação de uma assembleia mundial com a juventude. Essa inserção no Sínodo começou ainda em 2017 com um documento preparatório enviado às dioceses, contendo os elementos a serem trabalhados no Sínodo e um questionário para desenvolver. Os primeiros passos indicam a abertura da Igreja para a escuta dessa categoria social que se distancia cada vez mais das instituições em suas formas já estabelecidas. Porém procura os espaços de atuação, política ou religiosa, a seus moldes na perspectiva de ser protagonistas de processos.

O documento final organizou-se em três partes: realidade juvenil; fé e discernimento vocacional; e atividade pastoral. Nestas categorias é possível perceber algumas discussões que foram desenvolvidas, mas ainda sem diretrizes. A participação de jovens de outras religiões, agnósticos e ateus, foi propiciada com o intuito de aprofundar a compreensão e o diálogo com as diferentes realidades juvenis. No documento final ficou perceptível a pluralidade de opiniões, sobretudo em temas polêmicos, como homoafetividade, sacerdócio feminino, migrantes e refugiados: “[...] muitos jovens querem que a Igreja mude seus ensinamentos [...] muitos jovens católicos esperam que a Igreja proclame e aprofunde seus ensinamentos”. Fica em questão a juventude como uma categoria social em disputa na sociedade, mas não de forma homogênea. O sínodo de outubro pode reforçar apontamentos sintetizados, como o de uma “Igreja em saída, para as periferias, perseguidos e pobres [...] uma Igreja relacional”, ou “Igreja que reforça os ensinamentos sobre os sacramentos”. Nem mesmo a juventude católica pode ser considerada uma categoria homogênea.

No diálogo com essa diversidade, o Papa Francisco em suas falas na reunião, na abertura e encerramento, ressaltou o pedido para a participação efetiva dos jovens na Igreja e incitarem seus debates. Na abertura convocou para que “falassem com coragem” e “deixassem a timidez na porta”, pois “esta reunião pré-sinodal quer ser o sinal de algo grande: o desejo da Igreja de ouvir toda a juventude, sem excluir ninguém". No encerramento, em pleno Domingo de Ramos, Francisco convocou-os a serem profetas: “Queridos jovens, cabe a vocês a decisão de gritar, cabe a vocês decidirem-se pelo Hosana do domingo para não cair no ‘crucifica-O’ de sexta-feira”. Para Davi Rodrigues da Silva, secretário nacional da Pastoral da Juventude, em entrevista à IHU On-Line: “Dar voz apenas a uma juventude não basta, pois ela não é por excelência provocadora de mudanças”.

Para dialogar sobre o desenvolvimento da reunião e as disputas que envolvem a juventude, IHU On-Line entrevistou, por e-mail, os brasileiros delegados do Pré-Sínodo, Davi Rodrigues da Silva, secretário nacional da PJ e representante da Comissão Episcopal para a Juventude da CNBB na reunião, e Leon Patrick de Souza, assessor da Cáritas do Brasil para infância, adolescência e juventude, e delegado como representante da Cáritas Internationalis.

Confira a entrevista.

IHU On-Line — Quais foram as juventudes que participaram do processo Pré-Sinodal? Como se deu a participação de jovens não católicos?

Davi Rodrigues da Silva | Foto: Arquivo Pessoal

Davi Rodrigues da Silva — A intenção da reunião Pré-Sinodal era poder ouvir jovens de diversas partes do mundo, sobre suas realidades, fé e caminhos que trilham para seus projetos de vida. Para isso, os convites foram feitos para as comissões episcopais, movimentos, novas comunidades e associações. No meu caso fui junto com outras duas jovens representando a Comissão Episcopal para a Juventude da CNBB. No entanto, havia um grandioso grupo de brasileiros no encontro, dentre eles alguns seminaristas e outros vinculados às novas comunidades. Os que não estavam participando como delegados, estavam em funções importantes, como nos grupos de relatoria e tradução, além de outros serviços que o encontro demandava.

Para as três vagas referentes à CNBB o critério de escolha foi, primeiro, uma divisão por carismas; uma vaga para as congregações, novas comunidades e movimentos; uma vaga que representasse os Jovens Conectados (grupo de serviço de comunicação da Comissão Episcopal para Juventude da CNBB); e outra para as Pastorais da Juventude, na qual fui o representante. Sobre os demais brasileiros presentes não sei por qual via foram convocados.

Sobre a presença dos jovens não católicos é fundamental frisar que eles não tinham qualquer identificação que os marcasse como “não-católicos” e sua participação se dava exatamente da mesma forma que a dos católicos, ao menos no que tange à metodologia. Isso mostra que o fundamental no processo foi a contribuição e não o grupo de pertença.

Gostaria de ressaltar a afirmação de um jovem — que se identificou como ateu, e que pode soar como um alerta para perceber quais recortes estamos fazendo para ouvir o mundo juvenil — durante a apresentação de uma das primeiras versões do documento na plenária: “Eu como jovem não crente, não me vejo representado até agora nesse documento, me parece algo de crentes para outros crentes”.

 

León Patrick de Souza | Foto: Arquivo Pessoal

Leon Patrick de Souza — Foi uma experiência inovadora na história da Igreja, na história da realização dos sínodos dos bispos. Pela primeira vez se realizou, antes do sínodo, um momento com os sujeitos que estão no centro do tema que vai ser refletido pelos bispos em outubro. Participaram cerca de 300 jovens de todos os continentes, praticamente todos os países estavam representados, alguns com maior representação. A maioria eram jovens que estão nas pastorais juvenis, e nas suas diversas formas de organização ao redor do mundo, dos movimentos eclesiais, nas novas comunidades, na vida consagrada, nos institutos, na vida laical, em movimentos políticos, artísticos, em universidades, cristãos que confessam outra fé, não cristãos e jovens sem religião ou crença.

Não tivemos momentos separados com esses jovens de outras religiões. Os trabalhos de grupos que foram a maior parte da reunião estavam mesclados entre os jovens das diferentes crenças. Essa participação foi muito importante para perceber a realidade juvenil dentro do contexto eclesial, mas também para fora. O olhar desses jovens para a ação da Igreja e para o compromisso que deve ter, e como nós podemos ajudar e acompanhar, para fazer um caminho de mais parceria, de maior diálogo e construção coletiva.

IHU On-Line — Quais são os três pontos mais relevantes da etapa Pré-Sinodal? E quais foram as três lacunas deixadas nessa etapa?

Davi Rodrigues da Silva — Para mim, um primeiro ponto a ser ressaltado é intencionalidade do pastoreio de Francisco em estabelecer uma Igreja Sinodal, uma Igreja que tem como desejo caminhar junto com aqueles que fazem no seu dia a dia a ação evangelizadora, que estão em contato com as alegrias e mazelas do povo do mundo todo. O segundo, termos vivido a primeira reunião pré-sinodal da história da Igreja e termos sido nós os jovens os chamados a construir esse momento tão importante, é profundamente simbólico. Um terceiro ponto a destacar é o conceito de protagonismo pedido por Francisco, e encorajado com as seguintes palavras na manhã de abertura dos trabalhos: “falem sem filtro, não tenham medo de dizer o que pensam do mundo e da Igreja, se alguém por ventura não gostar, peçam desculpas e sigam, certamente não fazem por má intenção”. O Sínodo dos jovens não é para o episcopado falar sobre os jovens, mas para falar e fazer com os jovens.

Como lacunas, penso que poderia ter havido mais atenção ao objetivo do encontro e aos delegados convidados. Acho que os jovens do mundo todo não foram chamados somente para aplaudir a doutrina e aquilo que já está posto no cenário da evangelização da juventude, mas sim para poder a partir do seus cenários juvenis propor novidades capazes de ajudar na aproximação da ação pastoral da Igreja com esse mundo.

Uma Igreja aberta ao mundo juvenil e que promova o seu protagonismo vai muito além de estar aberta apenas aos jovens. Creio que é preciso ir além de fetichismos estéticos, típicos de heranças clericalistas e das estruturas distantes das realidades. Há um clamor para que haja proximidade efetiva da vida real da juventude. A realidade da juventude latino-americana e brasileira, que diariamente é exterminada nas ruas de nossas cidades e campos, na sua maioria empobrecida e distante de qualquer atenção institucional, está carente desta proximidade.

Não basta dar voz à juventude. Por si só ela não é suficiente para ser provocadora de mudanças. Urge que a Igreja entenda quão necessário é aproximar-se do mundo juvenil, sem reservas. O desafio está para além de apenas fazer uma opção pelos jovens. É necessário reafirmar a opção pelos pobres, os jovens pobres, negros, indígenas, aqueles e aquelas que mais pedem urgência, pois só assim se alcançará um diálogo profícuo com o mundo juvenil e então haverá possibilidades de deixar-se arejar pela semente oculta do Verbo que existe nas juventudes, em sua pluralidade.

Leon Patrick de Souza — No âmbito dos pontos relevantes destaco dois que são fundamentais: 1) a participação de jovens de outras religiões e inclusive ateus. É um caminho e um movimento novo de cada vez mais reafirmar a Igreja presente no mundo, fazendo a leitura dos sinais dos tempos, das realidades juvenis, que não é só a realidade dos jovens que estão na Igreja. Precisamos escutar os clamores dos jovens, que mesmo não estando na caminhada eclesial e pastoral, não professando a fé, não vinculados institucionalmente à tradição católica, são jovens que têm algo a nos dizer para qualificar e apontar outras narrativas e práticas para ação; 2) acho que foi a participação virtual – sabemos que mais de 15 mil jovens participaram pelo Facebook – e essas contribuições também fazem parte do documento final.

Então, primeiro, reconhecer a diversidade, as diferenças, e como isso é importante para fazer um acompanhamento das juventudes no mundo; e segundo, a dimensão da tecnologia, como se aproximar de jovens que não puderam estar presentes, mas que pelas novas linguagens da comunicação puderam contribuir.

Já uma lacuna que o encontro deixou foi justamente por não saber aproveitar com mais vigor a presença de jovens de outras religiões e ateus. Nos momentos celebrativos, culturais, poderia ter se pensado em espaços de maior imersão, maior diálogo inter-religioso, ecumênico, com outas formas de ser, de liturgia, de celebração, de cantos. Valeria a pena o encontro ter apostado na realização de momentos orantes que também contemplassem outras religiões, de forma que elas também pudessem nos apresentar as formas como eles têm se relacionado com a dimensão do sagrado e da espiritualidade.

IHU On-Line — Como os temas discutidos na reunião repercutem no documento?

Davi Rodrigues da Silva — Um documento escrito por mais de 300 jovens vindos de todas as partes do mundo e com limite de tamanho, precisa ser um documento plural, ao mesmo tempo sucinto, mas não superficial e que ponha as grandes questões. Porém, uma questão desses grandes encontros que tem como um dos seus objetivos escrever um documento final, é como se resume a discussão. Quem determina o que fica e o que sai? Como fica, com qual destaque e palavras?

O Papa pediu para que falássemos sem medos, sem filtros. Acredito que também tenha recomendado isso aos relatores. Acredito na sensibilidade dos relatores e na acuidade do próprio Papa, que certamente espera ver recolhidos todos os anseios, sugestões e propostas. Tenho certeza que o Espírito que foi para lá enviado e recolhido pela presença dos jovens não caberá inteiro num documento, por mais perfeito que seja, por isso, acredito no processo.

De modo geral creio que o documento aponte a pluralidade como riqueza e assim revele uma Igreja aberta a acolher o novo que a juventude carrega em suas vidas.

Leon Patrick de Souza — Importa ressaltar que não existia um primeiro esboço do documento final antes do encontro para só inserirmos alguma coisa. O documento oficial que está divulgado é inteiramente forjado e elaborado pelas reflexões dos mais de 20 grupos de trabalhos, divididos por idiomas. Nesses grupos, durante um dia e meio, nós refletimos os três grandes eixos que compõem o documento final. Uma primeira parte fala das mudanças e oportunidades para as pessoas jovens no mundo de hoje; depois uma segunda parte que trata sobre fé, discernimento vocacional e acompanhamento; e a terceira parte que fala das atividades formativas e pastorais da Igreja. É claro que em uma reunião com uma riqueza de expressões da missão da Igreja, nem sempre um documento escrito dará conta de toda diversidade. Mas a versão oficial e aprovada foi trabalhada por três dias, com um grupo menor de relatores, de sistematizadores que foram, a partir das reflexões dos grupos, apresentando uma proposta, depois a partir das contribuições da plenária, e enfim uma versão final do documento.

O Papa pediu que os jovens falassem sem medo, sem filtros. E o documento é isso, os jovens reconhecem e querem fazer uma caminhada conjunta com as pessoas adultas, na perspectiva que tenham mais capacidade de nos acompanhar enquanto jovens. Mas é um documento que tem coragem de apontar aos bispos questões que são cruciais para a Igreja discutir. São jovens que estão falando sobre isso, cristãos, católicos, mas também os outros de fora da Igreja. Nesse sentido, a dimensão da sexualidade, da afetividade, da violência contra a juventude, contra as mulheres, acolhida aos migrantes e refugiados etc. são temas muito importantes para serem dialogados, e o documento aponta que os jovens dialogam sobre isso sem tabu. Então enquanto Igreja como deixarmos de julgar para fazer um acompanhamento? Estamos falando de acompanhamento institucional (da Igreja), mas a partir de pessoas que precisam assumir essa tarefa como uma vocação, um cuidado com o projeto de vida dos jovens. Isso certamente provocará a dimensão do amor, atenção aos anseios e transformações da vida juvenil, que por tantas vezes é massacrada. Olhar para a juventude com a perspectiva de presente para garantia de seus direitos e da sua dignidade, e olhar para o seu futuro com esperança. O documento trata disso com profundidade.

Na parte dois, da fé e discernimento vocacional, o texto aponta elementos-chaves que hoje ligam os e as jovens à dimensão da fé e do sagrado. Mudaram-se muitas concepções e estruturas, existem movimentos e dinâmicas dos nossos tempos que faz com que o jovem se conecte ao sagrado de forma diferente. Seja por meio das filosofias orientais, exercícios meditativos, outras crenças religiosas como o budismo e as religiões afro. E no próprio interior da Igreja Católica é preciso perceber e respeitar a diversidade, de maneiras de assumir a vivência da fé, o anúncio do Evangelho. Com esses apontamentos, as juventudes indicam que querem fazer parte de comunidades não apenas preocupadas pelos Templos e doutrinas tantas vezes distantes de suas vidas. Mas sim, os jovens querem espaços onde sua relação com o sagrado dialogue com seu cotidiano, com seus projetos, sonhos e angústias.

Quando o documento fala das atividades pastorais e da formação, aponta muitos caminhos futuros, sobretudo, para além dos muros da Igreja. O documento cita a paixão dos jovens pelas atividades políticas, civis e sociais. Então o desafio agora é desenvolver processos de formação integral dos jovens, para que à luz da fé, à luz da missão social da igreja, olhando para a dimensão política, à luz da doutrina social da igreja, como que estamos no mundo e como assumimos bandeiras e trincheiras de luta dos povos, pela promoção da vida, da dignidade humana, e sobretudo das pessoas mais empobrecidas.

IHU On-Line — Que ações foram feitas no Brasil antes da reunião e que resultados podem ser apresentados desse processo? E em Roma, como se deu a participação da juventude brasileira na reunião e na elaboração do documento Pré-Sinodal? Quais foram os protagonistas desse processo?

Davi Rodrigues da Silva — As ações que antecediam as reuniões pré-sinodais se deram por meio de formulários que as dioceses receberam e deveriam, a partir da sua dinâmica, responder questões referentes ao mundo juvenil. Ademais, houve um grupo no Facebook para que qualquer jovem que desejasse pudesse se cadastrar e responder as questões que lá estavam.

Dos jovens brasileiros posso afirmar que todos empenharam-se em estar nos seus grupos de discussões. Eu fiquei em um pequeno grupo de língua espanhola — pois não havia em português — e tentei levar a realidade da ação evangelizadora da Pastoral da Juventude, que em seus 45 anos busca estabelecer uma organização que dê conta de, a partir da própria juventude, protagonizar um processo de autonomia e libertação junto aos jovens das comunidades periféricas do Brasil. Assim, coube denunciar que somos tão marcados pelas injustiças sociais e econômicas, onde nós, jovens brasileiros e latino-americanos, somos as principais vítimas da exclusão e, em consequência, diariamente, e em progressão, da morte.

Leon Patrick de Souza — Sobre a participação da delegação brasileira, foram três, Davi, Ariane e Juliane, pela Comissão Episcopal para a Juventude da CNBB. Eu estava representado a Cáritas Internationalis, havia jovens de outros movimentos, Comunidade Shalom, Canção Nova, religiosos e seminaristas. A nossa participação durante os trabalhos em grupo foi com os grupos de língua espanhola. Isso foi muito importante, porque nos agregou e nos fez estar em comunhão com os irmãos latino-americanos e nos ajudou a garantir elementos importantes a partir do olhar da Igreja latino-americana para o documento final.

Então esperamos agora contribuir com o processo de fazer com que as pessoas compreendam mais o importante momento que é o Sínodo, conheçam o documento final, além de acompanhar com esperança e oração o encontro dos bispos que será em outubro e os frutos que virão depois.

IHU On-Line — Como você avalia o discurso do Papa para os jovens neste Domingo de Ramos? Que relações você estabelece entre esse discurso e o documento Pré-Sinodal? Como esse discurso debate com a atual conjuntura política?

Davi Rodrigues da Silva — São muitas perguntas dentro de uma só, merecia uma resposta mais ampla, mas de forma geral penso que devemos ressaltar o “espírito” das intenções pastorais de Francisco, que mais uma vez se revelaram em seu discurso no último Domingo de Ramos. O Papa após falar da importância da alegria (festa) juvenil, ressaltar o drama da anestesia que o sistema nos impõe, exorta que os jovens gritem, profetizem e finaliza com uma pergunta: “Diante desse mundo inerte vocês gritaram? Por favor decidam-se antes que gritem as pedras”.

Esse forte discurso papal não nos é nenhuma novidade, ele deseja uma Igreja em saída, uma Igreja profética onde todos sintam-se corresponsáveis pela construção do Reino. No entanto diante desse pontificado me ocorre de dizer que corremos dois grandes riscos:

Primeiro, de olharmos para o Papa e enxergamos apenas uma figura simbólica. Ver o líder histórico, do qual desejamos apenas estar próximos pelo poder que esse cargo representa na tradição católica, em uma leitura biopolítica. E nisso, ficarmos com os ouvidos fechados para suas exortações ou, até pior, condenarmos sua postura de abertura; e o segundo risco é de acharmos que o Papa e suas ações resolverão todas as nossas mazelas, que não é preciso se mobilizar, organizar e evangelizar de forma libertadora. Seria um efeito contrário ao movimento proposto de coragem e saída. Acharmos que a fala do Papa já nos basta seria o fim do protagonismo.

Espero que o vejamos como uma voz profética que clama, para que a partir do Evangelho possamos viver com autenticidade e coerência as nossas ações em todos os campos de nossas vidas. Sobretudo na conjuntura brasileira, onde vivemos um momento delicado da expansão do discurso e da prática do ódiodo crescimento dos fundamentalismos do fascismo e ameaça aos direitos humanos. Precisamos escutar Francisco e fazermos de nossas vidas sinais vivos, que clamam por mudanças, que dignifiquem a vida, fazendo dela plena para todos.

Leon Patrick de Souza — O domingo de Ramos teve uma dupla dimensão para nós. Era o encerramento da reunião e a Jornada Mundial da Juventude, celebrada em nível diocesano. A homilia foi curta, mas muito profunda na dimensão teológica. Fazendo memória da Paixão e Morte de Cristo, e nos permitindo iniciar a semana santa recordando o mistério da entrada de Jesus em Jerusalém.

Em alguns momentos o Papa citou como foram os diversos sentidos dessa entrada de Jesus naquele tempo, mas também nos tempos de hoje. Como as pessoas donas do poder viram Jesus entrando em Jerusalém. E como os pobres, os marginalizados, perceberam e receberam Jesus em Jerusalém. Tinha ali o cântico do publicano, da pessoa que vive marginalizada, é o grito de mulheres e homens que recebem de forma calorosa Jesus porque experimentaram seu amor e seu cuidado naquele tempo.

Depois o Papa fala dos fariseus que criticavam Jesus e os pobres que estavam ali o recebendo. Era a comunidade, o grande povo que recebia Jesus ali. Os poderosos não tinham medo, nem escrúpulo para abafar as vozes daquele povo. Olhando hoje para o Brasil, e no mundo também, vemos muitos “fariseus” querendo calar as vozes, e tantas vezes calando até a morte. Matando as vozes, sufocando projetos de vida, que nascem a partir da experiência e luta das pessoas para ter vida digna e direitos garantidos. E de certa forma se tenta silenciar a festa do povo marginalizado que recebe Jesus com mantos e ramos. Onde é que se silencia isso? É no calvário, na sexta-feira santa. Na verdade é uma tentativa de silenciamento porque somos o povo da ressurreição. No “terceiro dia” nos refazemos com esperança e vigor para resistir e continuar lutando, organizando comunidades, defendendo a vida das juventudes.

O Papa pediu aos jovens que não se deixassem calar. Jesus não se calou a partir do que os fariseus falavam. “O jovem alegre é um jovem difícil de manipular”, disse Francisco. Então que essa entrada de Jesus em Jerusalém, esse caminho da paixão, de morte, mas que aponta para a Ressurreição também nos ajude a inovar nas narrativas, práticas, e a reconhecer o jovem como sujeito no mundo, e na Igreja, que ainda é muito difícil. Custa para que as pessoas escutem e dialoguem com os jovens, especialmente nos espaços de poder e decisão. Se não falar, as pedras gritarão, disse o Papa. Não queremos que as pedras gritem. Queremos falar e junto com o Papa Francisco seguiremos clamando uma Igreja em saída, comprometida com a vida em abundância para todas as pessoas, para todos os jovens.

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