Foi Martinho Lutero o “tuitador” cristão original?

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12 Outubro 2016


Martinho Lutero, fundador da igreja (luterana) protestante alemã, pregou as suas 95 teses à porta de uma igreja em Wittenberg. (Crédito: Religion News Service)

Uma exposição sobre Martinho Lutero na Biblioteca Morgan, de Nova York, inclui uma das apenas seis cópias remanescentes das famosas 95 teses de Lutero, que sem dúvida eram o Twitter de sua época, visto que constituía prática comum nas cidades universitárias postar um aviso a respeito de um debate e os pontos que se gostaria de discutir.

A reportagem é de David Gibson, publicada por Religion News Service, 09-10-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

O mês de outubro de 2017 irá marcar 5 séculos desde que o monge católico em uma cidade alemã denunciou os abusos da Igreja, pregando uma lista de proposições à porta da catedral local – um ato provocativo que acabou se transformando em um dos momentos mais importantes da história mundial.

Martinho Lutero passou a ser sinônimo da ideia de se falar a verdade aos poderosos, e a data desta sua provocação – 31-10-1517 – há muito é vista como o ponto inicial oficial da Reforma Protestante que separou a cristandade e desencadeou uma série de conflitos violentos e realinhamentos políticos que, em seguida, reformulariam a Europa.

Mesmo assim, enquanto líderes cristãos e pesquisadores da religião usam esta data para aferir por que razão a Reforma aconteceu e para minimizar a fenda produzida, uma exposição iniciada sexta-feira na Biblioteca Morgan mostra como a herança de Lutero é também tão relevante e imediata quando as atualizações (o feed) do Facebook.

Esta exposição em Nova York – intitulada “Word and Image: Martin Luther’s Reformation” [Palavra e Imagem: A Reforma de Martinho Lutero] – é, na verdade, uma de três mostras interligadas que, tomadas em conjunto, representam a exibição mais ampla dos materiais relacionados a Lutero já reunidos em um outro país que não a Alemanha.

As outras são uma exposição no Instituto de Artes de Minneapolis que abre em 30 de outubro e é dedicada ao contexto cultural e histórico da Reforma; e uma exibição que abre em 11 de outubro na Universidade de Emory, em Atlanta. Esta última analisa os debates sobre o direito, a graça e a salvação que animavam Lutero e seus seguidores.

A exposição na Biblioteca Morgan traz uma série de artigos marcantes, incluindo um retrato icônico de Lutero feito pelo seu amigo e vizinho em Wittenberg, o artista Lucas Cranach.

Há também uma caixa de dinheiro em madeira usada por Johann Tetzel, frade dominicano que que caiu na infâmia – e que atiçou a raiva de Lutero – por recolher os pagamentos em troca da concessão de indulgências (remissão da punição pelos pecados).

Mas a peça central da exposição de Nova York, e que é o foco da própria biblioteca, é um conjunto de documentos associados a Lutero e sua alta capacidade de se comunicar com a população em geral. É possível ver as traduções que fez da Bíblia a partir do latim ao alemão da época, bem como hinários luteranos e a carta de 1521 de Lutero ao sacro imperador romano Carlos V, na qual Lutero sustentava as ideias teológicas que lhe estavam rendendo tanto um reconhecimento quanto inimigos poderosos.

A verdadeira joia, no entanto, o item que proporciona um frisson de conexão física com um passado distante, é uma impressão de uma página só das famosas 95 Teses que Lutero pregou à porta da Catedral de Wittenberg, uma das seis cópias contemporâneas que ainda existem.

É um milagre que estes poucos exemplares tenham sobrevivido, diz John McQuillen, curador da exposição. Wittenberg era uma cidade universitária, e as portas da catedral “eram o mural (ou quadro de avisos) da universidade”, falou, onde era prática comum postar um aviso de um debate e os pontos que se queria argumentar.
Era isso o que Lutero estava fazendo.

“Não acho que foi um momento dramático, com o som do martelo ecoando por toda a Alemanha”, disse McQuillen. “Era mais um dia na universidade, mais uma palestra a ser realizada”.

Ninguém sabe se Lutero realmente postou uma cópia como esta que temos em exposição aqui, ou se foi escrita a mão. Se tivesse sido uma versão escrita, ela não seria considerada válida de guardar, nem teria sobrevivido – cópias escritas a mão eram descartadas na medida em que uma cópia impressa estivesse disponível; até os tempos modernos um original escrito a mão era considerado um item sem valor, e ninguém na época percebeu o impacto que aquelas 95 teses iriam ter.

Até mesmo estas famosas teses podem não ter sido tão importantes quanto o mundo veio a creditar.

Elas estavam, afinal de contas, escritas em latim e destinavam-se a um público universitário de teólogos. O que realmente impactou foi um sermão sobre muitos desses tópicos – indulgências, graça e corrupção na Igreja – que Lutero proferiu pouco tempo depois e que fora impresso e distribuído.

Sem dúvida, esse sermão teve um efeito muito maior sobre o público e marcou o início da carreira de Lutero como um escritor incrivelmente eficiente, publicando um sermão, um panfleto ou um livro a cada três semanas em média até a data de sua morte, em 1546.

A prensa (de tipo) móvel – inventada na Europa seis décadas antes por outro alemão, Johannes Gutenberg – foi ganhando força. Lutero e a popularidade de suas ideias deram um impulso enorme a quem se dedicava à prática de impressão.

McQuillen ressalta que o sucesso da Reforma era realmente o resultado de um “conjunto perfeito” de condições e dos conceitos teológicos de Lutero: o sentimento na Alemanha já era grande contra as práticas corruptas da Igreja, assim como o era o ressentimento de que muito dinheiro estava indo para Roma em vez de permanecer mais perto de casa.

Além disso, príncipes locais buscavam uma maior autonomia e estavam dispostos a proteger Lutero quando as forças da Igreja e do império estivessem à procura de sua cabeça – campanha que também rendeu fama a Lutero, e um maior apoio nas bases.

Mas foi a combinação de uma nova tecnologia e uma nova teologia – e, como diz McQuillen, “alguém que sabia que as mensagens tinham de ser emitidas em textos curtos que fossem bem compreensíveis ao leitor médio” – o que fez a diferença.

Lutero, trabalhando com Cranach e sua loja de pinturas e gravuras, também foi capaz de distribuir imagens atraentes de xilogravuras produzidas em massa, imagens que zombavam do papa ou que mostravam as obras de caridade sob uma luz positiva.

“Ele levou a mensagem ao povo. É como tuitar no século XVI – lançando estes pequenos panfletos, pequenos tratados de uma página só, e ilustrações em xilogravura atraentes aos olhos”, diz McQuillen.

Foi uma mudança tão grande quanto a transição 1.500 anos antes de Lutero do pergaminho ao códice, e que transformou o mundo ocidental em termos religiosos, políticos e culturais.

“Vivemos um continuum. Essa prática não foi inventada com o Facebook ou o Twitter”, declara McQuillen. “Nós revisitamos perpetuamente a maneira como a informação é emitida, como e o que ela é. E o fato de estarmos ainda lidando com os mesmos problemas e questões que eles lidavam 500 anos atrás é bastante revelador da importância que tem este tema”.

De Martinho Lutero a Bernie Sanders e, sim, talvez, a Donald Trump – o meio é a mensagem, mais uma vez.

A vida de Lutero “é quase ridiculosamente relevante hoje quanto o é um movimento de base se organizar e, de fato, mudar algo”, disse McQuillen.

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