''Se a religião e a mensagem evangélica não tocam o político, resta-lhes pouco tempo antes de desaparecer''

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10 Setembro 2017

Francisco sempre gostou de encarar a realidade: é o seu ‘modus theologicus’.” O jesuíta e decano de teologia da Pontifícia Universidade Javeriana, Luis Guillermo Sarasa, de Bogotá, analisa a mensagem papal.

O artigo foi publicado por Religión Digital, 08-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Com grande alegria, recebemos Francisco na Colômbia. Em sua alocução na Casa de Nariño, sede presidencial, na quinta-feira, 6 de setembro, primeiro dia de sua visita, Francisco foi direto ao ponto. Depois da saudação protocolar e de algumas belas palavras que enaltecem a colombianidade, o papa se referiu à questão central:

“Este encontro me oferece a oportunidade de expressar o apreço pelos esforços que foram feitos, ao longo das últimas décadas, para pôr fim à violência armada e encontrar caminhos de reconciliação. No último ano, certamente, avançou-se de modo particular; os passos dados fazem crescer a esperança, na convicção de que a busca da paz é um trabalho sempre aberto, uma tarefa que não dá trégua e que exige o compromisso de todos. Trabalho que nos pede para não decair no esforço de construir a unidade da nação e, apesar dos obstáculos, das diferenças e dos diversos enfoques sobre a maneira de alcançar a convivência pacífica, persistir na luta para favorecer a cultura do encontro, que exige colocar no centro de toda ação política, social e econômica, a pessoa humana, sua altíssima dignidade e o respeito pelo bem comum. Que esse esforço nos faça fugir de toda tentação de vingança e busca de interesses somente particulares e de curto prazo. Quanto mais difícil é o caminho que leva à paz e ao entendimento, mais empenho temos de colocar em reconhecer o outro, em curar as feridas e construir pontes, em estreitar laços e ajudar-nos mutuamente (cf. exortação apostólica Evangelii gaudium, 67).”

(Foto: Religión Digital)

Sua voz é um alento para seguir em frente no empenho de pacificação do país depois dos difíceis caminhos para chegar a um acordo de paz com as Farc, na luta armada há 50 anos e que, hoje, são reconhecidas como um novo partido político.

O papa não ignora as dificuldades políticas que continuam ´gerando polarização, mas nos dá uma mensagem clara: no centro de tudo, deve estar a pessoa humana e sua dignidade.

Mas o papa latino-americano, que conhece um modo certeiro de fazer teologia, acrescenta que o olhar deve se voltar, primeiro, para aqueles que mais sofrem com os desastres da guerra e continuam à margem:

“Nessa perspectiva, animo-os a pôr o olhar em todos aqueles que hoje são excluídos e marginalizados pela sociedade, aqueles que não contam para a maioria e são postergados ou escanteados. Todos somos necessários para criar e formar a sociedade. Esta não se faz apenas com alguns de ‘puro sangue’, mas com todos. E aqui se enraíza a grandeza e a beleza de um país, em que todos têm espaço e todos são importantes.”

 

(Foto: Religión Digital)

Suas palavras são um aguilhão na situação atual, já que não chegaremos a ordenar este país se as estruturas continuarem sendo injustas. Se não nos unirmos, qualquer tentativa de tornar este um país com oportunidades para todos e todas, nos veremos diante de um fracasso social e de mais formas novas de violência que, sem dúvida alguma, sempre encontram o seu caldo de cultivo na desigualdade social.

Embora o texto dos acordos Estado-Farc já foi assinado e foi referendado não só governamentalmente, mas também com a paulatina entrega de armas, com a garantia de testemunhas e de representantes internacionais, o caminho longo da sua legislação e implementação está apenas começando.

Francisco sempre gostou de encarar a realidade. Esse é o seu “modus theologicus”. O objetivo da sua visita é, para alguns, polivalente. Vozes maliciosas falam de seu caráter político, mas, para Francisco, parece que, se a religião e a mensagem evangélica não tocam o político, resta-lhes pouco tempo antes que desapareçam.

Ou nos voltamos, como Igreja, ao clamor dos mais necessitados ou, simplesmente, o nosso papel é irrelevante. A sua visita é pastoral; de acordo. Mas o seu modo de ser pastor transformou um imaginário que havia apagado o mais profético do anúncio evangélico.

A conclusão do seu breve discurso no palácio não pode ser mais clara:

“É muito o tempo passado no ódio e na vingança. A solidão de estar sempre enfrentados já é contada em décadas e cheira a 100 anos; não queremos que nenhum tipo de violência restrinja ou anule nem uma vida mais. E eu quis vir até aqui para lhes dizer que vocês não estão sozinhos, que somos muitos aqueles que queremos lhes acompanhar neste passo; esta viagem quer ser um incentivo para vocês, uma contribuição que aplaine de algum modo o caminho à reconciliação e à paz.”

A sua mensagem clara de reconciliação já ficou impregnada na mente e nos corações daqueles que o ouviram com atenção. O seu papel como pastor da Igreja universal aviva a fé dos crentes e nos lança o desafio de ser artífices da nossa própria “Liberdade e Ordem”, rumo a uma sociedade liberada de qualquer jugo que possa continuar sendo motivo de opressão e de desigualdade social.

A Igreja hierárquica deverá se unir em torno do seu pastor e desfazer qualquer indício de divisão política. Embora a mensagem que o papa traga seja para todos os colombianos, como Igreja, devemos dar o primeiro passo, exatamente o lema desta visita papal.

Luis Guillermo Sarasa G., S.J.
Decanos da Faculdade de Teologia
Pontifícia Universidade Javeriana
Bogotá, Colômbia

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