A expansão urbana desordenada e o risco de uma escassez hídrica. Entrevista especial com Pedro Roberto Jacobi

Área de ocupação do Morro dos Macacos | Foto: Katia Flora

Por: Patricia Fachin | 17 Junho 2019

A expansão urbana desordenada ou a ocupação inadequada de áreas da cidade geram “um somatório de problemas”, que se estendem desde a falta de moradia digna até a proliferação de doenças e o agravamento da crise ambiental. Como lembra o professor Pedro Roberto Jacobi, que pesquisa a "governança global da macrometrópole paulista face  às mudanças climáticas" e coordena o projeto temático Fapesp (2018-2022), intitulado "Governança Ambiental da Macrometropole Paulista  face às Mudanças Climáticas" (MacroAmb), “essa não é uma história nova” no Brasil. “É uma história que se repete: na medida em que a gestão pública não dá conta de uma demanda por moradia, de uma população que não tem recursos para entrar no mercado imobiliário, desencadeia uma expansão urbana desordenada”. Entretanto, alerta, “a ocupação das áreas próximas aos reservatórios tem reduzido o potencial de produção de água, eliminando mata ciliar. A perda de mata ciliar é um fenômeno que aumenta a erosão, de um lado. De outro lado, existe o problema da falta de saneamento nas áreas de ocupação irregular, que contamina as águas, provocando sua eutrofização e, com isso, reduzindo o potencial de aproveitamentos desses reservatórios”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Jacobi frisa que, no atual contexto de escassez hídrica, “coloca-se a necessidade de se controlar a ocupação desordenada de áreas que são absolutamente fundamentais para garantir água”. Aqueles que moram em residências adequadas, explica, “têm muito mais segurança hídrica por conta das caixas d’água, mas as pessoas com baixa renda não têm essa capacidade econômica de garantir um reservatório melhor; além disso, armazenam água de forma inadequada e, com esse armazenamento incorreto, potencializam a disseminação de dengue, por exemplo, e outros vetores de insetos e roedores”.

A resolução da expansão urbana desordenada e da construção de moradias irregulares, pontua, demanda respostas complexas e um alto custo político. “Há várias iniciativas que tentaram amenizar o problema, isto é, urbanizar essas áreas. É difícil generalizar, porque penso que há locais que o poder público não poderia deixar ocupar. Uma vez ocupado, a grande questão é saber se a desocupação vai ter um elevado custo político para o gestor ou se ele irá enfrentar o problema. Em muitos casos o que se observa é uma relação de promiscuidade mesmo, de que não se enfrenta o problema por causa do custo político, porque isso poderia impedir a reeleição”.

Pedro Jacobi (Foto: Leonor Calasans | USP)

Pedro Roberto Jacobi é graduado em Ciências Sociais e em Economia pela Universidade de São Paulo - USP, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Graduate School of Design - Harvard University e doutor em Sociologia pela USP. É professor titular sênior do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP, editor da revista Ambiente e Sociedade, presidente do Conselho do ICLEI- Governos Locais pela Sustentabilidade - América do Sul, membro da Divisão Científica de Gestão, Ciência e Tecnologia Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente - USP, coordenador do Grupo de Acompanhamento e Estudos de Governança Ambiental - GovAmb/IEE, membro do Conselho e Pesquisador do Núcleo de Pesquisa Interdisciplinary Climate Investigation Center – Incline, da USP, coordenador do grupo de Estudos de Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados da USP, pesquisador Colaborador do IEA/USP junto ao Programa USP Cidades Globais. Membro do Conselho Estratégico do Programa USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como foi feito o estudo da Fapesp, o qual mostra que a expansão urbana desordenada da população de baixa renda se estende para áreas de preservação ambiental?

Pedro Roberto Jacobi – A divulgação dessa atividade estava vinculada ao Fórum MacroAmb, a partir da fala de uma professora da Universidade Mackenzie. É importante separar as atividades do Fórum com as atividades de pesquisa que eu coordeno.

IHU On-Line – A pesquisa da Fapesp faz parte da pesquisa que o senhor coordena?

Pedro Roberto Jacobi – A pesquisa que coordeno se denomina "Governança global da macrometropole paulista face  às mudanças climáticas", então é um projeto de cinco anos, que agrega um conjunto de temas, como o da governança, o tema do território, do clima, dos serviços ecossistêmicos e da energia. Dentro dessas atividades do projeto, temos uma preocupação em ampliar o debate sobre as problemáticas da macrometrópole.

Esse tema da ocupação das áreas de mananciais não é novo; pode-se levá-lo para meados da década de 1970, quando foi definida a primeira legislação sobre mananciais da região metropolitana de São Paulo. A revisão da legislação ocorreu em 1997. Então, é uma história que se arrasta há muito tempo e está associada ao déficit de moradia, mas também à falta de monitoramento das autoridades públicas em torno dessa ocupação. O problema tem se agravado, cada vez mais, em virtude de uma questão que se coloca como nova na região metropolitana: a escassez hídrica. O que se observa é que, efetivamente, a escassez hídrica é o cenário que tem que ser definido cada vez mais como condicionante da realidade e da disponibilidade de água na região metropolitana de São Paulo, cuja tendência é ter cada vez menos disponibilidade em virtude de alguns problemas que não têm sido bem resolvidos, como a contaminação das águas e a dificuldade de aproveitamento de diversos rios da região.

Região Metropolitana de São Paulo (Fonte: Grupo FIS)

IHU On-Line – Considerando o risco de abastecimento de água, como essas pesquisas têm servido de subsídio para o poder público enfrentar tanto a questão da crise hídrica quanto da moradia?

Pedro Roberto Jacobi – Eu diria que a gestão pública tem sido omissa e pouco atenta à questão. A novidade é que o município de São Paulo aprovou a lei de segurança hídrica: essa é uma novidade aprovada pelo prefeito na semana passada, mas ainda precisa ser regulamentada. Trata-se de um avanço importante no município de São Paulo, mas não abrange a região metropolitana nem a macrometrópole. Quando estamos falando da macrometrópole, falamos de um território de 174 municípios vinculados a diversas bacias hidrográficas do estado de São Paulo. Quando falamos da região metropolitana, estamos falando apenas da bacia do Alto Tietê. Quando incluímos macrometrópole, incluímos várias bacias que são interligadas e alimentam, de fato, a região metropolitana, que é um grande sorvedouro de água com seus mais de 22 milhões de habitantes, enquanto a macrometrópole comporta 35 milhões de pessoas e abrange outras bacias importantes, inclusive bacias com as quais a região metropolitana de São Paulo divide a outorga, que é a bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Cabe destacar a importância dos comitês de bacias hidrográficas da Macrometropole como fóruns muito relevantes, na medida em que, além dos segmentos, governo e municípios participam representantes de diversos segmentos da sociedade civil como atores estratégicos para a governança democrática da água.

As partes coloridas do mapa mostram a Macrometrópole Paulista. Saiba mais aqui (Fonte: Revista PPR)

IHU On-Line – Qual é a novidade desta nova lei? O que ela determina?

Pedro Roberto Jacobi – Esta lei está determinando uma necessidade de um acompanhamento mais sistemático dos processos de mudanças climáticas. Ainda não tenho toda a informação sobre a lei de segurança hídrica, mas a questão central é trazer as mudanças climáticas como condicionantes das decisões políticas. Essa legislação é uma atualização do Plano Municipal de Saneamento Básico, que garante à população o acesso à quantidade adequada de água de boa qualidade por meio da integração de políticas de saneamento, meio ambiente, gestão de recursos hídricos e uso do solo. Aqui está se colocando uma questão que precisa acontecer: uma política composta de planos, programas e projetos relacionados à gestão de recursos hídricos no território da cidade de São Paulo.

Ainda há uma etapa em que serão definidos os princípios dessa segurança hídrica, mas, fundamentalmente, se propõe a revitalização e proteção dos corpos de água, incentivos de água pluviais para fins não potáveis, reforço do sistema de alerta para prevenir a população sobre desastres relacionados à água. Esses aparecem como destaques da política municipal de segurança hídrica. A adaptação às mudanças climáticas é um dos focos da política. Basicamente ainda é uma declaração de intenções, mas, pelo menos, introduz-se a palavra “segurança hídrica” no plano de saneamento básico e nas políticas do município.

O que de fato acontece é que a maior parte dos municípios é administrada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp. Mas é importante destacar o fato de que a prefeitura de São Paulo assume a palavra “segurança hídrica” como um termo necessário para discutir a governança da água, de um lado. De outro lado, essa proposta decorre de um movimento social, principalmente de um trabalho exercido pela Aliança pela Água, articulado por grupos não governamentais durante o período da escassez hídrica de 2014/2015. Foi por meio da insistência da articulação da Aliança pela Água que esse tema entrou na Câmara Municipal e os legisladores incorporaram essa premissa. É uma novidade para uma cidade do porte de São Paulo, com 11 milhões de habitantes.

IHU On-Line – Qual é a correlação entre a expansão urbana desordenada em áreas de preservação ambiental e o risco de abastecimento de água? Como essa expansão pode causar risco de abastecimento e de escassez hídrica? O que se tem observado na macrometrópole de São Paulo a esse respeito?

Pedro Roberto Jacobi – É importante destacar que essa não é uma história nova: a ocupação das áreas próximas aos reservatórios tem reduzido o potencial de produção de água, eliminando mata ciliar. A perda de mata ciliar é um fenômeno que aumenta a erosão, de um lado. De outro lado, existe o problema da falta de saneamento nas áreas de ocupação irregular, que contamina as águas, provocando sua eutrofização e, com isso, reduzindo o potencial de aproveitamento desses reservatórios. Em São Paulo há reservatórios, como é o caso do Billings, em que parte da água não pode ser aproveitada para consumo em virtude da existência de metais pesados que se acumularam lá por muito tempo.

Essa é uma história que se repete: na medida em que a gestão pública não dá conta de uma demanda por moradia, de uma população que não tem recursos para entrar no mercado imobiliário, desencadeia uma expansão urbana desordenada. A história da urbanização brasileira é uma história de duas cidades: uma formal e outra pouco organizada. Cada realidade tem que ser olhada por seu lado específico, mas há pessoas que em nome de um capital político populista incentivam as pessoas a essas ocupações, mas depois tem o problema da contaminação dos recursos de água. Isso acontece não apenas em São Paulo, mas em muitas cidades brasileiras, onde a população se organiza próximo a reservatórios, a rios que são contaminados.

Quando olhamos para casos internacionais, observamos que existe uma preocupação em proteger essas fontes de água, e quando a população está morando sobre a água ou muito próximo a regiões de rios, o potencial de contaminação é elevado. Tudo isso está relacionado a problemas que se associam ao planejamento urbano mais regularizado, definido de forma a garantir serviços, acessos, reduzindo o potencial de contaminação das águas. A história se repete sem que as autoridades consigam institucionalmente eliminar o problema existente.

IHU On-Line – Quais são as demais implicações ambientais da expansão urbana em áreas de preservação ambiental?

Pedro Roberto Jacobi – Talvez o problema maior das nossas cidades seja a questão da mobilidade urbana. Na medida em que há um atraso e um investimento na cidade muito mais vinculado ao uso do automóvel do que do transporte público, temos um passivo na cidade associado à mobilidade urbana. Isso afeta enormemente a vida dos cidadãos. Além disso, o transporte não é controlado do ponto de vista dos contaminantes, e isso aumenta as emissões de CO2, o que gera um impacto direto na vida das pessoas. A cidade precisa ser vista como um metabolismo: as veias ficam cada vez mais entupidas e, quando se tem veias entupidas, o risco é o colapso.

Há um passivo não resolvido de deslocamento das pessoas na grande cidade: São Paulo tem mais ou menos 100 quilômetros de metrô. Se compararmos com a Cidade do México, que tem mais ou menos a mesma população, lá tem mais de 300 quilômetros de metrô. Nosso sistema de metrô está muito atrasado em relação à expansão urbana que aconteceu para outras partes das cidades. O tempo para que isso efetivamente possa reduzir o passivo é muito grande, porque a articulação entre o sistema metroferroviário é muito precária. Há muitas cidades que estão investindo em metrôs de superfície e vias exclusivas de ônibus, mas, dada a falta de monitoramento, não há controle da poluição.

Um terceiro tema é a biodiversidade urbana, que é muito preocupante, porque se eliminam áreas verdes por conta da expansão da especulação imobiliária. Há ainda o tema dos resíduos sólidos, cuja coleta é muitas vezes insuficiente nas áreas periféricas. Vale destacar que hoje eventos climáticos extremos fazem parte do conjunto de problemas que, sem dúvida, afetam muito mais as populações mais vulneráveis.

IHU On-Line – A expansão urbana desordenada tem crescido mais significativamente na macrometrópole paulista ou há expansão desordenada em outras regiões de São Paulo?

Pedro Roberto Jacobi – A macrometrópole ocupa diversas regiões metropolitanas – como a de Campinas e Santos –, então cada região metropolitana tem suas características e seus problemas. À medida que as cidades aumentam seus tamanhos e suas populações, a depender da insuficiência da provisão de habitação, aumenta o número de pessoas em situação mais precarizada. É difícil generalizar isso, mas é preciso observar que todas as regiões metropolitanas ainda têm um número elevado de pessoas vivendo em condições de vulnerabilidade em diferentes tipos de realidade. Cidades como Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, têm suas periferias mal resolvidas.

Na própria região amazônica, Manaus é uma cidade com elevadíssimos problemas de vulnerabilidade urbana, associadas a uma lógica de ocupação fundiária com palafitas, pela precariedade de política habitacional, mas acima de tudo de algo que obviamente, em um período de maior crise econômica do país, se reflete nas condições de vida da população. Como atualmente estamos há alguns anos em uma situação na qual um percentual da população tem uma condição altamente precarizada no mundo do trabalho, isso se acentua. Uma coisa não está desvinculada da outra. Sem dúvida, na medida em que há poucos investimentos, o poder público não responde com eficiência. Mesmo programas como o Minha Casa Minha Vida, que foi importante, chegou um momento em que destinava mais recursos a uma população com mais renda do que àquela originalmente prevista.

IHU On-Line – Socialmente, como o senhor analisa o fenômeno da expansão urbana desordenada? Que tipo de política seria mais adequada para resolvê-lo? Seria mais adequado retirar as pessoas dessas áreas ou urbanizar as áreas para que as pessoas possam morar nesses lugares?

Pedro Roberto Jacobi – Há várias iniciativas que tentaram amenizar o problema, isto é, urbanizar essas áreas. É difícil generalizar, porque penso que há locais que o poder público não poderia deixar ocupar. Uma vez ocupado, a grande questão é saber se a desocupação vai ter um elevado custo político para o gestor ou se ele irá enfrentar o problema. Em muitos casos o que se observa é uma relação de promiscuidade mesmo, de que não se enfrenta o problema por causa do custo político, porque isso poderia impedir a reeleição.

Hoje, em um contexto de escassez hídrica, que é uma palavra nova para a gestão, coloca-se a necessidade de se controlar a ocupação desordenada de áreas que são absolutamente fundamentais para garantir água. Em Nova Iorque há áreas bastante distantes da cidade que são protegidas para garantir que, efetivamente, em virtude do potencial efeito das mudanças climáticas, as pessoas tenham acesso à água de forma mais equânime. O que observamos, na medida em que já há um elevado número de pessoas morando em cidades verticalizadas, é que essas pessoas têm muito mais segurança hídrica por conta das caixas d’água, mas as pessoas com baixa renda não têm essa capacidade econômica de garantir um reservatório melhor; além disso, armazenam água de forma inadequada e, com esse armazenamento incorreto, potencializam a disseminação de dengue, por exemplo, e outros vetores de insetos e roedores. Há um somatório de problemas que se acentuam nas áreas de ocupação irregular. A resposta é complexa, mas, sem dúvida, em muitos casos, haverá a necessidade de remoção, que tem um custo político.

IHU On-Line – É possível estimar que percentual de áreas de preservação ambiental em São Paulo já foram ocupadas por conta da expansão urbana desordenada?

Pedro Roberto Jacobi – Essa é uma conta complicada. O que se pode falar é que, de uma maneira ou de outra, há milhões de pessoas morando em áreas não regularizadas. Agora, considerar que essas são áreas que precisam ser desocupadas é uma outra questão. As estatísticas estão um pouco defasadas. Inclusive, o último Censo é de 2010 e não sabemos como serão os dados de 2020, com todas essas mudanças. Tenho uma certa insegurança em falar em percentuais, mas é um número significativo de pessoas que moram em condições de precariedade e de vulnerabilidade.

IHU On-Line – Que tipo de governança ambiental é desejável e possível para lidar com a expansão urbana desordenada e mitigar problemas ambientais?

Pedro Roberto Jacobi – A grande questão é justamente a lógica de uma gestão tão atomizada. Apesar de estarmos falando de uma região metropolitana, não existe de fato uma gestão articulada dos 39 municípios. Diria que nós temos pelo menos cinco aspectos a considerar:

1) do ponto de vista da água, garantir um preço justo para que a população possa pagar;

2) completar o sistema de saneamento básico, que ainda está muito incompleto na região metropolitana de São Paulo principalmente, porque isso afeta diretamente o ciclo hídrico em toda a região macrometropolitana, por conta do rio Tietê;

3) reduzir ao máximo o desmatamento, porque esse desmatamento provoca a perda de mata ciliar e da proteção das fontes hídricas;

4) do lado das emissões, obviamente, precisa controlar o uso do automóvel e aumentar o potencial de mobilidade urbana coletiva, que ainda é extremamente precarizado;

5) do ponto de vista do resíduo sólido, é preciso implementar políticas mais articuladas que promovam, em maior escala, a coleta seletiva e o estímulo à reciclagem. Trata-se de iniciativas de tentar reduzir o uso de áreas para despejo de resíduos sólidos. Isso já está ocorrendo em várias partes do mundo.

A resolução dessas questões depende das políticas públicas, porque temos um atraso enorme – em 2014 havia a previsão para ter acabado com os lixões no país e isso está sendo discutido, novamente, no Congresso. Isso demonstra a incapacidade dos municípios de fazerem sua parte ou de se juntarem, por meio de consórcios, para atenuar tais impactos e a destruição do meio ambiente.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a iniciativa do jornal The Guardian de mudar a terminologia “mudança climática” para “crise climática”, “emergência climática” ou “colapso climático”, com a justificativa de que esses termos expressam o fenômeno de forma mais adequada? A nova terminologia é mais adequada?

Pedro Roberto Jacobi – Trata-se de uma terminologia que estimula uma visão mais catastrofista. Por outro lado, existe sempre um contraditório entre as visões do Norte e a dificuldade de trazer à compreensão determinados temas nos países do Sul. Uma jovem líder como a Greta Thunberg é do Norte e traz uma preocupação do Norte, que visa mobilizar o Sul. Mas se observarmos as preocupações do Sul em comparação com as do Norte, quando das manifestações ocorridas em abril, observamos que os sistemas têm um grau de intangibilidade muito significativos.

Produzi uma publicação cujo título é Melhor prevenir: olhares e saberes para a redução de risco de desastre, que é uma publicação para escolas para mostrar a alunos do Ensino Médio, buscando uma mobilização das pessoas em torno do tema. É um grande complicador para chegar aos corações e mentes da sociedade, para entender um problema que não pode ser apresentado apenas de uma forma catastrofista.

Se usa a palavra emergência climática, o The Guardian tem razão para fazê-lo. Do nosso ponto de vista, de um grupo seleto de pessoas preocupadas com o clima, tudo bem fazer isso, mas para a grande maioria da população, não é assim que as coisas aparecem. As pessoas só se dão conta dos problemas quando acontecem os eventos climáticos extremos. Tem um gap que não é fácil de preencher. Podemos ficar falando que estamos no Antropoceno, mas para a maioria da população isso diz pouco. Só nos damos conta dos problemas graves quando eles acontecem: a questão dos deslizamentos só recebe atenção quando chove muito, mas quando não chove, nada acontece. Não há uma resposta simples para dar; a questão é como transmitir isso à população.

Eu mesmo faço parte de uma rede latino-americana de mudanças climáticas e processos decisórios, apoiada pela Unesco, com integrantes de cinco países da América do Sul e Costa Rica, para tentar chegar, através do nosso trabalho de pesquisa e do conhecimento acumulado, junto aos governos locais. É um trabalho de formiga. Não podemos desistir dessa tarefa, independente dos gestores de plantão no Brasil, que na área ambiental estão propondo muito mais desmontar do que se vincular a uma agenda que está sendo assumida globalmente.

A palavra usada pelo The Guardian não é inadequada, mas é muito difícil de fazer com que essa capilaridade seja assumida pelos países do Sul e também pelos países do Norte. Basta olhar para os Estados Unidos, que, com um governante como Trump, jamais utilizará a expressão “emergência climática”. Nem por isso nós temos que deixar de lado essa questão, ou seja, a Encíclica do Papa que vocês sempre divulgam, de certa forma, fala que estamos vivendo uma situação que exige cada vez mais uma atenção e uma lógica de prevenção, que é aquilo que acredito ser o mais importante: alertar sem tornar isso uma imagem de catástrofe que deixe as pessoas imobilizadas. Esse é o caminho que temos dentro da universidade, das ONGs. São gotas no oceano. Por isso a gestão pública é importante, promover uma lei de segurança hídrica é importante.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Pedro Roberto Jacobi – É preciso mobilizar para que as pessoas estejam comprometidas com as políticas públicas, fazer com que elas se sintam responsáveis com a questão dos resíduos, da água, da biodiversidade, do ar que respiram e fazer com que elas acreditem que a destinação inadequada dos resíduos, por exemplo, estimula que os problemas se multipliquem. Na medida em que cada um faz sua parte e a gestão pública faz sua parte, teremos condições mais favoráveis. A temática ambiental perpassa tudo e os ODSs [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável] mostram isso e são um caminho importante para pensarmos os nossos desafios. É preciso interesse e motivação da gestão pública e não somente uma visão puramente pragmática de cumprir tabela.

 

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