A judicialização da política e a polarização ideológica engendraram o mais instável processo político desde a Nova República. Entrevista especial com William Nozaki

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Por: Patricia Fachin | 18 Setembro 2018

O processo eleitoral deste ano é o “mais instável” desde a Nova República e a “incerteza” que marca a conjuntura eleitoral é consequência da “judicialização da política” e da “polarização ideológica”, avalia o sociólogo William Nozaki, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.

Para ele, embora as candidaturas do PT e do PSDB não estejam liderando a disputa eleitoral neste ano, o processo eleitoral continua cindido em dois polos. “Isso é fruto do modo como foram alimentadas e se deram as rupturas institucionais recentes: um impeachment traumático e uma recessão prolongada, com a imposição de uma agenda que, a rigor, não foi sufragada nas urnas. Era esperado que a eleição se dividisse entre o programa demandado pelo eleitorado e o programa rechaçado pelo eleitorado. O golpe fissurou o país e insuflou radicalismos e polarizações que nos trouxeram a esse estado de coisas”, interpreta.

Nozaki também comenta o “fenômeno Bolsonaro” e sugere que ele seja avaliado como uma “questão social e sociológica” em vez de política. “Há nesse fenômeno traços do clássico liberal-conservadorismo político brasileiro já experimentado em fenômenos como o udenismo, o janismo ou até mesmo o malufismo. Mas há também novas componentes, expressas no tipo de relação que se estabelece com a indústria cultural, com as redes sociais digitais, com o militarismo, com o neopentecostalismo, com o entreguismo e com setores da sociedade que não se importam em sacrificar a democracia em nome de privilégios e tradições. Além disso, Bolsonaro foi adubado nos últimos anos pelo clima de ódio e intolerância que uma parte da mídia instalou no país”, pontua.

William Nozaki | Foto: Ana Pauliana

William Nozaki é graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo - USP, com ênfase em Ciência Política, e mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, com ênfase em História Econômica. Atualmente é doutorando em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, docente do curso de Ciências Sociais na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo - FESPSP e professor convidado na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais - FLACSO.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que tem sido diferente nas eleições presidenciais deste ano em relação a outras? Qual sua avaliação geral do processo até este momento?

William Nozaki - Os processos recentes de judicialização da política e de polarização ideológica desaguaram na mais instável conjuntura eleitoral do ciclo da Nova República. Há poucas semanas das eleições o quadro ainda é marcado por incertezas. O candidato desejado pela maioria do eleitorado está na prisão e indicou seu representante há pouco, outro candidato catalisador de votos está no hospital em função de um atentado, o candidato que representa a base do atual governo renega Temer, o candidato do partido do atual governo reivindica Lula e há ainda a candidata que não consegue transmitir ao eleitor qual é, afinal, sua identidade eleitoral. Tudo isso depois de um processo político marcado por crises e rupturas. O resultado é que o eleitor está mais politizado do que em outros períodos e está realizando um cálculo eleitoral mais racional e desconfiado do que em outros momentos.

IHU On-Line - Em uma entrevista recente você disse que o petismo e o antipetismo continuam tendo força nas eleições. Por que, na sua avaliação, a sociedade brasileira se divide, em geral, nesses dois polos?

William Nozaki - Não é bem a sociedade que se divide nesses dois polos, a sociedade é um pouco mais complexa do que isso, na verdade o processo eleitoral se cindiu nesses dois polos. Isso é fruto do modo como foram alimentadas e se deram as rupturas institucionais recentes: um impeachment traumático e uma recessão prolongada, com a imposição de uma agenda que, a rigor, não foi sufragada nas urnas. Era esperado que a eleição se dividisse entre o programa demandado pelo eleitorado e o programa rechaçado pelo eleitorado. O golpe fissurou o país e insuflou radicalismos e polarizações que nos trouxeram a esse estado de coisas.

IHU On-Line - Naquela ocasião você afirmou também que o PSDB não conseguiu catalisar o sentimento contra o PT. Por quais razões o partido parece não conseguir o apoio do antipetismo? Isso tem uma relação direta com a candidatura de Bolsonaro ou as razões são outras?

William Nozaki - A atual situação do PSDB é resultado de uma sequência de erros estratégicos: questionar a resultado das eleições em 2014, aceitar uma agenda conservadora nos costumes, articular e protagonizar e golpe e embarcar na base de sustentação do governo Temer, ao que se soma o desgaste de suas velhas lideranças aos olhos dos eleitores. Do ponto de vista partidário, talvez o PSDB seja a agremiação que pode sair mais apequenada de todo esse processo. Os tucanos vão pagar caro pelas irresponsabilidades de Aécio Neves e adjacências. O PSDB levou ao limite a agenda antipetista com uma agenda antipovo, ficou sem um e sem outro.

IHU On-Line - Nos últimos anos o debate eleitoral para presidente sempre foi polarizado pela disputa entre PT e PSDB. Na eleição deste ano, ao contrário, Bolsonaro lidera as intenções de voto, enquanto os candidatos do PT e do PSDB aparecem depois de Ciro Gomes e Marina Silva. O que explica a ascensão de Bolsonaro nesta eleição?

William Nozaki - O fenômeno Bolsonaro é uma questão social e sociológica, mais do que política e eleitoral; uma parte da população brasileira realmente se sente representada no candidato. Há nesse fenômeno traços do clássico liberal-conservadorismo político brasileiro já experimentado em fenômenos como o udenismo, o janismo ou até mesmo o malufismo. Mas há também novas componentes, expressas no tipo de relação que se estabelece com a indústria cultural, com as redes sociais digitais, com o militarismo, com o neopentecostalismo, com o entreguismo e com setores da sociedade que não se importam em sacrificar a democracia em nome de privilégios e tradições. Além disso, Bolsonaro foi adubado nos últimos anos pelo clima de ódio e intolerância que uma parte da mídia instalou no país.

IHU On-Line - A recente violência sofrida por Bolsonaro poderá ter algum impacto no resultado das eleições deste ano?

William Nozaki - Um evento inesperado como esse sempre pode trazer consigo muitos impactos. No entanto, penso que as consequências são menos sobre o comportamento do eleitorado, que parece ter percebido o ocorrido menos com sensibilidade e mais com desconfiança, menos como vitimização e mais como consequência do próprio discurso de ódio e intolerância vocalizado por Bolsonaro. Os desdobramentos estão mais relacionados às movimentações político-partidárias que daí se derivam caso o quadro clínico do candidato o impeça de fazer campanha, a cizânia entre as forças civis e militares que estão à frente da candidatura podem gerar mais e maiores instabilidades.

IHU On-Line - Qual sua avaliação da decisão do TSE de não permitir a candidatura do ex-presidente Lula?

William Nozaki - O TSE endossou uma condenação baseada em ausência de culpa, de provas e sem o término do trânsito em julgado. Se considerarmos as pesquisas de intenção de voto que apontavam amplo apoio a Lula, a situação é a de interdição da vontade da soberania popular. Em uma democracia a decisão em última instância é da vontade da maioria do povo e não de uma minoria jurídica. O povo foi supostamente ouvido na implementação da Lei da Ficha Limpa, dado que se tratou originalmente de projeto de iniciativa popular, também deveria ser ouvido quando ele indica de modo altissonante que acha que Lula está preso injustamente e deveria poder concorrer e eventualmente voltar à presidência da República.

IHU On-Line - Hoje o país vive uma crise econômica, desemprego elevado, déficit das contas públicas e redução do gasto social. Como esses temas que tomam conta da ordem do dia estão sendo discutidos nas eleições deste ano?

William Nozaki - A quebra dos pactos políticos que davam suporte ao Estado democrático de direito, com o fim da presunção de inocência, ao Estado desenvolvimentista, com o desmonte das capacidades estatais, e ao Estado de bem-estar social, com o encolhimento dos direitos sociais e trabalhistas, nos lançou no aprofundamento e na aceleração dessa crise. Há cinco candidatos competitivos, mas apenas dois projetos em disputa. De um lado há um projeto de continuidade das medidas centrais do governo Temer, apoiadas por Bolsonaro, Alckmin e Marina, ainda que essa seja muito errática, e, de outro lado, há um projeto de retomada do desenvolvimento que dialoga com as expectativas do eleitorado de que o próximo governo faça algo diferente do atual, verbalizado por Ciro Gomes e agora pelo candidato de Lula, Fernando Haddad. Mas infelizmente a racionalidade do debate de propostas está aquém dos desafios da conjuntura e está sendo substituída pela irracionalidade do embate de temperamentos.

IHU On-Line - Há muitas críticas à Emenda Constitucional 95, que restringe o gasto do Estado, mas, de outro lado, parece haver um consenso de que é preciso ter um equilíbrio fiscal nas contas públicas. Como é possível conciliar equilíbrio fiscal com investimento estatal?

William Nozaki - A suposta contradição entre investimento público e equilíbrio fiscal é equivocada; essas duas variáveis podem e devem ser complementares. O saneamento das contas públicas não precisa ser pautado apenas pelo corte de gastos, ele deve ser tratado levando-se em consideração a melhor alocação dos gastos, o que impõe a necessidade de uma reforma tributária que desonere impostos sobre a renda, simplifique impostos sobre o consumo, imponha taxações sobre lucros e dividendos e elimine privilégios de estamentos burocráticos, dessa forma é possível encontrar espaço fiscal para a retomada do investimento público, em coordenação com a reativação do investimento privado.

IHU On-Line - Do ponto de vista econômico, quais são os principais desafios do próximo presidente?

William Nozaki - Os principais desafios são retomar o emprego, o investimento e o crescimento, que são condições determinantes para o ajuste das contas públicas e para a retomada de uma inserção externa marcada por menos fragilidades comerciais e vulnerabilidades financeiras. É preciso construir um novo padrão de desenvolvimento capaz de articular de modo mais orgânico mudanças na estrutura produtiva e melhoras na estrutura social.

IHU On-Line - Um dos temas em debate nas eleições presidenciais deste ano é o que fazer com as empresas estatais: mantê-las ou privatizá-las. Acerca disso, qual seu diagnóstico sobre a atual situação da Petrobras? Na sua avaliação, é melhor mantê-la ou privatizá-la?

William Nozaki - A Petrobras passa hoje por um desmonte acelerado que precisa ser interrompido. Hoje a empresa exporta óleo cru e importa derivados, atende aos interesses estritos dos acionistas minoritários no mercado financeiro e negligencia os interesses ampliados do acionista majoritário, que é o povo brasileiro representado pelo Estado, no investimento produtivo. O resultado é o preço volátil e em ascensão da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, gerando insegurança entre caminhoneiros, donas de casa e no conjunto da população. A Petrobras é uma empresa estratégica do ponto de vista da geopolítica e da segurança energética do país, ela não pode ser privatizada. O argumento de que a privatização é um remédio contra a corrupção é falacioso, é evidente que desvios precisam ser combatidos, mas se o pneu do seu carro fura, você troca o pneu ou vende o carro? O governo Temer escolheu a segunda opção.

Do mesmo modo o argumento de que a atuação estatal enfraquece a concorrência precisa ser analisado de forma menos ideológica e mais concreta e pragmática, observando-se a dinâmica e os atores da indústria petrolífera. Primeiro, porque pela dimensão do setor o mercado petrolífero é fatalmente concentrado; segundo, porque o capital privado nacional nunca aceitou correr os riscos que a indústria petrolífera impõe sem o resguardo do Estado; terceiro, porque o capital privado internacional está interessado em explorar o óleo e o gás já descobertos e não investir em novas descobertas, prova disso é que quem fez uma das maiores descobertas petrolíferas desse início de século XXI foi a Petrobras, com o pré-sal, não foi nenhuma empresa petrolífera estrangeira, embora elas estejam autorizadas a tentar desbravar essas fronteiras desde 1997, com o fim do monopólio estatal do petróleo.

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