06 Outubro 2021
“Como mentor, Jesus interage com seus discípulos e esclarece suas dificuldades, ao mesmo tempo em que os incentiva a participar de seu ministério de ensino e cura. O ensino de um mentor é baseado em experiências, compartilhadas e refletidas. O que levanta um ponto importante. A Igreja dos últimos dois milênios se destacou por sua misoginia, seu ódio e desconfiança pelas mulheres. E, no entanto, sabemos que a maturidade psicossocial só pode ser alcançada pela harmonia intersexual. Pois é verdade que, para muitos, as mulheres podem ser excelentes mentoras. Que isso possa significar ter um sacerdócio de casados no futuro, e também mulheres sacerdotes, e a renúncia do celibato obrigatório é provavelmente parte do quadro. Infelizmente, a feroz oposição a essas mudanças por parte de ambos, clero e hierarquia, mostra quão pouca abertura existe para um tipo diferente de sacerdócio”, escreve o jesuíta indiano Myron J. Pereira, escritor sobre política, religião e cultura, em artigo publicado por La Croix International, 01-10-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Poucos sabem que o seminário, como nós o conhecemos, é uma invenção jesuíta. Por esta razão que em muitos locais os seminários ainda são administrados por jesuítas.
Ainda poucos sabem que quando o primeiro seminário surgiu no século XVI, eles foram saudados como uma bem-vinda inovação.
Até o Concílio de Trento (1563), padres recebiam suas “formações” pelo modelo de aprendizes.
Um jovem homem, com desejo de ser padre, aprendia a “mecânica” de rezar a missa, um pouco de latim para isso e aconselhamento pastoral com um padre da vizinhança.
O candidato permanecia um tempo com o padre mais velho, recebendo instruções. Isso não era muito, mas tampouco se esperava muito.
Os padres eram, naquele tempo, celibatários apenas no nome – eles costumavam viver em concubinagem com uma mulher local, um arranjo aceitável por todos.
Mas então duas coisas aconteceram durante a Reforma que mudou a situação.
Em primeiro lugar, os pregadores luteranos e calvinistas eram vistos como obviamente melhores: eles eram mais hábeis na pregação e na escrita; eles haviam estudado as Escrituras e os primeiros Padres da Igreja em maior profundidade, e ofuscaram o clero católico.
Eles também promoveram publicamente o casamento como uma vocação para o clero, em vez do pobre sistema de ‘common law’ praticado pelos católicos.
Os jesuítas – homens como Inácio, Laínez, Canísio e Belarmino – rapidamente perceberam que seu clero não poderia competir com seus pares protestantes a menos que fossem melhor formados.
Assim, eles estabeleceram escolas especiais para formar candidatos à ordenação de uma forma gradual e sistemática, tanto intelectual quanto espiritualmente. O seminário [“sementeira”] nasceu.
Duas inovações jesuítas já usaram a nova tecnologia de imprensa – o catecismo e o livro didático.
O catecismo, popularizado por Canísio e Belarmino, apresentava “perguntas frequentes” combinadas com respostas simples e inteligíveis.
Foi tão bem-sucedido que rapidamente se tornou um grampo católico, e foi usado desde onde quer que a fé fosse pregada.
O livro didático era o equivalente intelectual do catecismo – ‘capítulos’ especialmente preparados sobre um tópico, graduados para dar uma ideia de um novo assunto e impressos e encadernados para fácil referência.
Mudou toda a forma de aprender, dando origem à Escola dos Jesuítas.
Uma terceira inovação, que também se espalhou como fogo nas mãos de pregadores engenhosos, foi a prática dos Exercícios Espirituais, com sua insistência na confissão e comunhão frequentes e no exame diário.
Tornou-se parte integrante da formação dos jovens como futuros padres.
Na Igreja pós-tridentina, essas novas escolas de formação se espalharam rapidamente em todas as dioceses, não apenas na Europa, mas também nos países de missão.
Francisco Xavier fundou um em Goa, na Índia, o colégio de São Paulo, logo desembarcou na região em 1542.
Por 400 anos, portanto, o sistema de seminário proporcionou à Igreja um corpo de homens educados e dedicados, que dirigiam suas igrejas, paróquias, escolas e instituições de bem-estar, e forneceu um modelo para o que todos os meninos católicos poderiam aspirar.
Se foi um modelo tão bem-sucedido, por que tentar mudá-lo?
Porque o mundo mudou, e o que é bem-sucedido em uma época ou cultura pode se tornar um obstáculo em outra época e lugar.
A Reforma disse à Igreja que seus líderes deveriam ser bem educados.
É por isso que a formação no seminário teve um enfoque intelectual, especialmente filosofia e teologia.
Os padres de ontem foram formados segundo um modelo religioso e patriarcal. Além disso, eles também tinham um forte senso de direito.
No mundo secularizado de hoje, entretanto, os problemas estão mais relacionados às ciências sociais e à gestão e tecnologia. Nossa situação social também é mais pluralista e democrática do que antes.
Não é de se admirar que muitos padres se sintam perdidos no relacionamento com o público em geral. A formação era muito abstrata, unilateral.
Mas ainda existem questões mais sérias. O seminário sempre foi uma instituição unissexual, homens formando homens, homens acompanhando homens por anos a fio.
Como uma reação à ênfase protestante em um clero casado, a tradição católica enfatizou o celibato vitalício.
Infelizmente, logo essa prática se tornou hostil às mulheres e ignorante das necessidades da sexualidade humana.
Nos últimos anos, ficamos chocados com os predadores sexuais entre o clero e, em particular, com o ataques de pedofilia.
Pois, a ênfase apenas nas habilidades intelectuais, e isso também em uma atmosfera segregada, contribuiu muito para a privação emocional de muitos padres.
Muitos são pobres no relacionamento, agressivos no comportamento e ambiciosos nas aspirações – uma atitude que conhecemos agora como “clericalismo”. O Papa Francisco denunciou o clericalismo como um câncer entre o clero.
Para destruí-lo, o seminário atual deve ser encerrado.
Nós podemos nos guiar por como Jesus formou seus discípulos, como descrito nos Evangelhos. Ele formou seus discípulos no meio do povo, não nos mantendo à parte.
Uma ou duas coisas merecem nossa atenção.
Quando ele chama alguém à missão, Jesus demanda que o discípulo desista de tudo vinculado à família e à propriedade.
Quão crucial é isso em uma cultura que se apega à família e à casta a cada passo, e é tão relutante em desistir das vantagens do cargo, status e benefícios?
Então, como mentor, Jesus interage com seus discípulos e esclarece suas dificuldades, ao mesmo tempo em que os incentiva a participar de seu ministério de ensino e cura.
O ensino de um mentor é baseado em experiências, compartilhadas e refletidas.
O que levanta um ponto importante. A Igreja dos últimos dois milênios se destacou por sua misoginia, seu ódio e desconfiança pelas mulheres.
E, no entanto, sabemos que a maturidade psicossocial só pode ser alcançada pela harmonia intersexual. Pois é verdade que, para muitos, as mulheres podem ser excelentes mentoras.
Que isso possa significar ter um sacerdócio de casados no futuro, e também mulheres sacerdotes, e a renúncia do celibato obrigatório é provavelmente parte do quadro.
Infelizmente, a feroz oposição a essas mudanças por parte de ambos, clero e hierarquia, mostra quão pouca abertura existe para um tipo diferente de sacerdócio.
Cada grande mudança acaba por desmantelar a sociedade da qual provém.
Aqui estão alguns exemplos contemporâneos: casamentos entre castas e inter-raciais, impensáveis alguns anos atrás, estão aumentando; as taxas de fertilidade das mulheres estão caindo vertiginosamente em quase todos os países; a migração em massa destruiu a homogeneidade de muitas sociedades.
Mas o desconhecido é sempre ameaçador, e vemos isso no mundo hoje.
Como reagiremos se os líderes da comunidade – pastores, profetas – forem casados, ou mulheres, ou dalit, ou tribais? – nós que sempre estivemos acostumados com um estrangeiro celibatário?
Como reagiremos ao discernimento comunitário e à cooperação inter-religiosa? – nós que sempre obedecemos impensadamente aos nossos superiores, sejam esses bispos ou um papa distante em Roma?
Portanto, o colapso dos seminários e o surgimento de pequenas comunidades diversas, a “sementeira” de nossos futuros padres, mudará a Igreja como a conhecemos, pois é uma Igreja diferente em um mundo diferente.
Mas começa com um tipo diferente de padre em nossas paróquias.
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Por que os seminários de hoje precisam mudar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU