A consciência e os papas: como evitar uma deformação litúrgica dos seminaristas? Artigo de Andrea Grillo

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03 Setembro 2021

 

"Foi fácil esconder-se atrás de Bento XVI, que nada impôs diretamente no plano formativo; o mesmo hoje é esconder-se atrás de Francisco, que simplesmente restabeleceu o bom senso e a consciência de um único rito, a quem formar e com quem celebrar. Um papa não era necessário para exercer uma boa consciência! Até mesmo alguns teólogos ficaram completamente indiferentes ao que acontecia ou até escreveram manuais para favorecer a "dupla formação". Esta foi uma forma de irresponsabilidade ao quadrado, promovida com palavras, ações e omissões", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 02-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

Em sua famosa carta ao Duque de Norfolk, o Card. Newman escreveu: "A consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo". É uma frase tão conhecida que também é citada justamente pelo CIC, no número 1778, dedicado ao juízo da consciência moral. A afirmação alerta a tradição católica para um perigo, que se acentuou muito nos últimos 200 anos: o de fazer do papa, vigário de Cristo, uma espécie de "tela", "brecha", "abrigo" ou "álibi" da consciência. Esta frase, com suas consequências, me veio à memória assim que li o texto de um artigo no qual há referência a uma recente decisão do Reitor do Colégio Norte-Americano de Roma (pode-se ler aqui): naquele Colégio a partir de agora são canceladas as celebrações e a formação para a Missa Tridentina.

Mas o surpreendente é como a evolução é justificada pelo Reitor, Ir. Peter Harman. Ele afirma que como em obediência a SP havia sido introduzida a celebração e a formação dos seminaristas na VO, agora, em obediência ao TC, estão revogadas tanto a celebração como a formação para aquele rito tridentino. Parece-me que aqui aparece de forma macroscópica um defeito de base, que cria uma confusão estrutural dentro da Igreja. De fato, pergunto-me: onde foi parar, neste raciocínio, a consciência e a responsabilidade do Reitor? O Reitor seria talvez um funcionário, dispensado da consciência? Como é possível que, mesmo depois de SP, muitos outros reitores, felizmente a maioria deles, não tenham considerado oportuno celebrar, e muito menos formar os seminaristas para a VO?

Aqui, parece-me, tenha funcionado um mecanismo "adaptativo" que também dispensou os Reitores da consciência, assim como dispensou os cristãos individualmente e não poucos teólogos. O papa diz uma coisa e ela é feita. Depois, outro papa diz o contrário, e o oposto é feito. Isso não é comunhão, não é unidade, não é pacificação ou reconciliação: isso é irresponsabilidade, desagregação, deformação.

Na verdade, é fácil "se esconder" atrás dos papas. Mas está sempre errado. Os papas não são esconderijos. Ao se ler bem, de fato, o SP não prescreve de forma alguma uma “dupla formação” do seminarista. É claro que apresenta um princípio objetivamente perigoso - o da dupla forma do mesmo rito romano - que pode ter levado alguns a pensar que poderia ser bom que o jovem em formação tivesse ao mesmo tempo a formação ao rito anterior e também ao rito vigente, que intencionalmente corrigiu, emendou e modificou o rito anterior. Mas é evidente que aqui não vale apenas um princípio dogmático ou disciplinar. A decisão tomada apenas neste plano é temerária. Deve valer também um princípio pedagógico, formativo, de construção da identidade e de unidade da pessoa, que não pode resultar cindida.

Durante anos, a irresponsabilidade de formadores que se interpretavam apenas como "funcionários" deformou dezenas, centenas de seminaristas, que cresceram com a ideia de "equivalência", "fungibilidade" e "substitutividade" entre formas rituais que antes eram a evolução irreversível entre estilos e formas eclesiais em devir. Foi fácil esconder-se atrás de Bento XVI, que nada impôs diretamente no plano formativo; o mesmo hoje é esconder-se atrás de Francisco, que simplesmente restabeleceu o bom senso e a consciência de um único rito, a quem formar e com quem celebrar. Um papa não era necessário para exercer uma boa consciência! Até mesmo alguns teólogos ficaram completamente indiferentes ao que acontecia ou até escreveram manuais para favorecer a "dupla formação". Esta foi uma forma de irresponsabilidade ao quadrado, promovida com palavras, ações e omissões.

Portanto, não se trata apenas de “fazer a coisa certa”. Mas também saber por que se está fazendo a coisa certa. E porque talvez se devesse fazer muito antes, com a própria consciência, o que a lei hoje impõe com a sua autoridade. No entanto, ainda assim podemos brindar à decisão: acabou a deformação dos seminaristas no plano litúrgico, pelo menos no Colégio Norte-americano. Brindar não significa de forma alguma "ignorar" a VO: pelo contrário, justamente agora, quando está claro com qual rito se celebra e a que rito se deve ser formados, a VO deverá ser bem estudada, com cuidado, com curiosidade, para entender plenamente o que não morre e o que pode morrer do rito romano.

Porém, no brinde pela decisão tomada, deveríamos lembrar, mesmo no final, as palavras que o Cardeal Newman escreveu com a certa ironia na mesma carta ao Duque de Norfolk:

“Certamente se eu tivesse que citar a religião para um brinde depois do jantar - o que não é muito indicado fazer - então eu brindaria ao Papa, mas primeiro à consciência e depois ao Papa”.

 

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