Mulheres já são maioria, mas estão longe dos melhores salários na Capital

  • Sexta, 26 de Outubro de 2018

Ao longo de 2018 o ObservaSinos trabalhou na criação e publicação do Especial do Trabalho Vale do Sinos. A série histórica do ObservaSinos aborda grandes temas sobre o mundo trabalho entre os anos de 2003 e 2016, período de grande movimentação e transição econômica, política e social no Brasil. Os dados analisados são dos 14 municípios do Conselho Regional de Desenvolvimento - Corede do Vale do Rio dos Sinos, região de atuação do Observatório.

Em uma parceria com a Beta Redação, do curso de Jornalismo da Unisinos, o Especial do Trabalho expandiu sua região de análise para Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Os dados coletados e as matérias produzidas foram uma realização dos alunos da editoria de Economia, que utilizaram os tópicos do Especial do ObservaSinos como fio condutor.

A Beta Redação é um projeto de integração de diferentes atividades acadêmicas do curso de Jornalismo da Unisinos em laboratórios práticos, divididos em seis editorias. O objetivo da Beta Redação é proporcionar aos jornalistas em fase final de formação uma vivência intensa da realidade profissional, fomentando a experimentação e o exercício crítico do Jornalismo, em contato direto com o público.

Eis o texto

Em 2016, apenas 25,75% das remunerações acima de R$ 20 mil eram pagas a trabalhadoras em Porto Alegre

A reportagem é de Carolina Zeni, Eduardo Zanotti da Silva, Gustavo Bauer, Jéssica Zang e Maria Carolina de Melo, publicada pela Beta Redação, 19-09-2018

O pico da inversão de gêneros no mercado formal de trabalho em Porto Alegre aconteceu em 2016, quando o cenário, então modificado, contou com um número de 10.882 mulheres a mais do que os homens empregados. Mesmo em maior número, a equiparação salarial nunca ocorreu e a presença feminina ainda segue destinada a um papel coadjuvante.

Sete anos antes, em uma pesquisa realizada no portal da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), notou-se uma inversão de gêneros. Em 2009, eram 12.942 mulheres a menos do que homens no mercado de trabalho em Porto Alegre. Já em 2016, eram 720.604 pessoas empregadas na capital gaúcha. Deste número, 50,75% eram mulheres (365.743) e 49,25% homens (354.861).

Infográfico: Indústria de Transformação: Salário R$ 20.000,00

Contabilizando os quatro principais setores de emprego — Indústria de Transformação, Construção CivilComércio e Serviço — as mulheres, em 2016, eram apenas 25,75% do total de trabalhadores que recebiam acima de R$ 20 mil mensais no município. No caso, aquelas que exerciam os cargos de chefia dentro de grandes empresas. Uma década antes, em 2006, esse percentual da valorização feminina era ainda menor. Apenas 16,35% eram mulheres, contra 83,65% de homens, que recebiam a faixa salarial mais elevada.

Infográfico: Crescimento de empregados nos quatro setores

Por outro lado, nesse período de 10 anos também se percebeu uma ascensão das mulheres no trabalho formal frente aos homens. Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, a população porto-alegrense era composta por 53,61% de mulheres e 46,39% de homens. Embora o gênero feminino seja a maioria no município, essa maior representatividade não se refletia no trabalho formal. De 2006 até 2011, as mulheres continuavam sendo minoria diante dos homens no mercado de trabalho local. Apenas no ano seguinte, a partir de 2012, o número de trabalhadoras ultrapassou o de homens.

Infográfico: Trabalho formal - Gênero

Pesquisa indica perfil da mulher trabalhadora em Porto Alegre

Trabalho divulgado em março deste ano pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) traça um perfil da mulher trabalhadora na Região Metropolitana de Porto Alegre. Conforme a pesquisa, em 2017 as mulheres ocupadas estavam majoritariamente na faixa etária entre 25 e 39 anos (39%) e secundariamente entre 40 e 49 anos (23,7%), ocupando o lugar de cônjuges e chefes de seus domicílios, respectivamente na ordem de 45,3% e 33,4%. Além disso, o segmento feminino, como se esperava, continuou elevando sua escolaridade: 46,9% das mulheres ocupadas tinham o ensino médio concluído, enquanto 18,2% detinham o diploma do ensino superior.

Na capital gaúcha predomina o setor de Serviço. E é neste segmento produtivo que mulheres e homens mais encontram trabalho, sendo o gênero feminino a maioria, com 486 mil ocupadas. Isso se explicaria pela reunião dos serviços de saúde, educação e assistência.

Autonomia econômica continua sendo peça-chave para qualificar a vida das mulheres, diz especialista



Lúcia dos Santos Garcia é coordenadora nacional do Sistema Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). (Crédito: Flickr)

Buscando ampliar a análise sobre a desigualdade de gênero no mercado de trabalho da capital gaúcha, a economista Lúcia dos Santos Garcia, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese) e coordenadora nacional do Sistema Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), sublinha que a sistematização dos dados e fatos da conjuntura indicam que o fardo carregado pela mulher brasileira aumentou nos últimos anos.

Dentro disso, a conquista da autonomia econômica feminina continuaria sendo uma peça-chave, tanto para melhor qualidade de vida das mulheres, quanto de uma sociedade mais equitativa e pacificada. Em um período, segundo ela, marcado pelo retrocesso, as mulheres possuem um triplo desafio. “Além do constante enfrentamento da divisão sexual do trabalho, a população feminina deve superar o estreitamento dos espaços de trabalho em crise, e se contrapor à perda de direitos, orquestrada pelas forças conservadoras”, salienta.

Esta não seria uma realidade apenas brasileira, pois a desigualdade de gênero caracteriza a maioria das sociedades mundiais. De acordo com a economista, a divisão sexual do trabalho define espaços distintos para as parcelas masculina e feminina da população. Tal enraizamento seria tão profundo que estaria naturalizado e seria pouco questionado pela sociedade. “De uma maneira geral, os preceitos dessa divisão indicam que os homens devem figurar nos espaços públicos e geradores de valor, enquanto às mulheres caberia a esfera íntima e privada da família — no cuidado do lar e dos filhos”, destaca.

No atual ordenamento social, homens atuam em setores produtivos mais valorizados (como os serviços de apoio à produção e a construção), enquanto as mulheres tenderiam a reproduzir as práticas dos cuidados (educação, saúde) e dos afazeres domésticos. A profissional pondera que a valorização dada pela sociedade a esses trabalhos também é distinta, estabelecendo uma forma de hierarquia entre os trabalhos, na qual se verifica maior prestígio e remunerações mais altas para os trabalhos masculinos.

Dentre os fatores que prejudicam as mulheres no mercado de trabalho, as atribuições naturais (familiares e domésticas) e biológicas (maternidade) ocupam lugares centrais na construção da ideologia de inferiorização do gênero feminino. Em países mais desenvolvidos que o Brasil, este último tema já foi superado, tornando-se não mais uma licença materna, mas encarada como um direito básico infantil, suprido pela presença de pais e mães.

Dificuldades atrapalham mulheres que buscam posições de chefia

Na análise de Lúcia Garcia, a distinção entre as remunerações de homens e mulheres que ocupam exatamente o mesmo cargo nas hierarquias de órgãos públicos e privados, de modo geral, foi sendo superada. Recentemente, inclusive, era proibida pela legislação. Portanto, quando essa diretriz isonômica é desrespeitada, trata-se de uma burla legal e mais frequente no setor privado da economia, em situações em que parte dos salários não são registrados formalmente — por fora da Carteira de Trabalho, por exemplo.

De acordo com a profissional, as mulheres enfrentam maiores dificuldades para cumprirem metas quantitativas, assumirem rotinas de viagens, além de chegarem ao topo da carreira e, principalmente, ocuparem posições de chefia. “Essas dificuldades são mais evidentes no setor privado, mas se estendem ao setor público”, reforça a economista.

Desemprego é maior entre mulheres na Região Metropolitana

Conforme pesquisa realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese) em 2017, a taxa de desemprego das mulheres na Região Metropolitana de Porto Alegre era de 12,4%. Dos homens, era de 10,2%. De acordo com Lúcia Garcia, além de maior, o desemprego seria mais prolongado para as mulheres, principalmente em momentos de crise. “Muitos empregadores e responsáveis pelos departamentos de Recursos Humanos presumem que a dedicação profissional feminina será prejudicada por responsabilidades reprodutivas, domésticas e familiares, além de julgar que mulheres dominam e executam com maestria apenas os ofícios ligados às rotinas de cuidados e organização”, ressalta.

Com isso, empregadores e gestores justificam o estreitamento de oportunidades remuneradas para as mulheres, o que resulta em maior desemprego. “A situação tende a empurrar as mulheres para o emprego público, onde a escolaridade é mais valorizada, mas os orçamentos e a expansão de oportunidades são limitados. Para as menos escolarizadas, costuma restar o emprego doméstico, também limitado pela renda das famílias”, pontua a especialista.

A defesa da equidade de direitos para todos



Orian Kubaski é presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio Grande do Sul (ABRH/RS). (Crédito: Divulgação/ABRH/RS)

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio Grande do Sul (ABRH/RS), Orian Kubaski, a mulher está no mercado de trabalho formal efetivamente há 50 anos, enquanto a figura masculina está presente desde a Revolução Industrial, entre 1760 e 1840.

Kubaski assume que essa diferença ainda determina que os homens ganhem mais e, consequentemente, ocupem a maior parte dos cargos. Entretanto, ele ressalta que “as mulheres estão avançando sobre suas condições, pois se capacitam muito, estudam mais e, por suas características distintas, acredito que estão realmente mais adaptadas ao mundo digitalizado”.

avanço tecnológico permitiu que as mulheres realizassem quase todas as atividades que os homens faziam exclusivamente. Em contrapartida, o profissional admite que o país ainda não dispõe plenamente de equipamentos que substituem a força física. “Sob esse aspecto, não podemos negar que o trabalho masculino é mais eclético.”

Embora a ABRH identifique algumas segmentações nos pedidos das empresas em recrutar novos empregadores, a entidade não possui nenhum banco de dados que classifique ou tipifique as pessoas.

“O talento da mulher já está comprovado e conquistou sua independência financeira. Se não a tem, é por sua própria escolha”, opina o presidente da ABRH-RS, Orian Kubaski.

Sendo assim, Kubaski entende que não é por lei, decreto ou cota que as mulheres conseguirão seu espaço. “Lembrando sempre que elas não podem negligenciar sua natureza, e a maternidade é uma prova disso, o que influencia culturalmente, socialmente ou economicamente, de certa forma, nas relações do trabalho e do mundo”, acrescenta. “Mas é necessário que a sociedade equalize os direitos, tomando consciência que gênero não é fator determinante para a seleção de pessoas nas organizações e que espalhe o conceito universal de ‘respeito’ ao ser humano em toda sua dimensão.”

Responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres como solução para desigualdade de gênero

A dificuldade das mulheres encontrarem um emprego formal, conforme Cristina Vieceli, economista, técnica do Dieese e doutoranda de Economia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde pesquisa economia feminista, está relacionada a questões estruturantes do mercado de trabalho, uma vez que ainda são as principais responsáveis pelos afazeres domésticos e de cuidado de pessoas. Isso, segundo Cristina, torna o trabalho feminino mais caro para o empregador devido a licença maternidade e a ausências prováveis para cuidar dos filhos e parentes.



Cristina Pereira Vieceli é doutoranda em economia feminista. (Crédito: Charles Soveral/Democracia e Mundo do Trabalho em Debate)

“Essas tarefas não são assumidas pelos homens. Legalmente eles possuem somente cinco dias de licença paternidade ou 20 dias se a empresa aderir ao programa Empresa Cidadã. Dessa forma, se cria uma discriminação legal da mulher no mercado de trabalho”, frisa a profissional.

Outro aspecto encontrado no levantamento de dados feito pela Beta Redação é um menor índice de mulheres com altos salários. A economista avalia que existe uma segregação vertical na sociedade, onde se observa que os trabalhos dos homens têm maior valor em termos de remuneração do que o das mulheres.

“Muitas mulheres estão ascendendo a cargos de liderança. As empresas enxergam características ditas ‘femininas’ como positivas, como capacidade de trabalhar em equipe, de escutar, de desenvolver múltiplas tarefas. No entanto, a questão dos trabalhos reprodutivos permanece como um problema não resolvido. A solução das mulheres de classe média é delegar essas atividades para outras pessoas, as empregadas domésticas remuneradas”, afirma Cristina.

O setor de serviços é um dos que mais empregam mulheres

A economista explica que, dentro do setor de serviços, o terceiro maior empregador é o emprego doméstico. No Brasil, cerca de 97% dos trabalhadores remunerados neste segmento são mulheres, tanto que o país tem o maior número absoluto de empregadas domésticas no mundo. “Somos maioria em serviços voltados para os cuidados de pessoas, como educadoras infantis e enfermeiras. Já em setores como o industrial as mulheres são minoria”, constata.

E esse é o aspecto, de acordo com Cristina, que impede a igualdade de gênero dentro das estruturas de trabalho, mesmo que, atualmente, as mulheres sejam mais escolarizadas, mas com salários inferiores. Essa estrutura, portanto, não vai mudar caso não ocorram transformações na forma como a sociedade se organiza para realizar trabalhos domésticos e de cuidados. “Tem que ser uma responsabilidade compartilhada por toda a sociedade. E isso ocorre somente com maior participação política, algo em que o Brasil vai muito mal.”

Em contrapartida, em outras áreas vinculadas ao setor de Serviços, essa contribuição colaborativa mencionada pela profissional já é perceptível. O Serviço Social do Comércio do Rio Grande do Sul (Sesc/RS) recebeu o título de 31ª Melhor Empresa para Trabalhar no Brasil, na categoria Grande Porte, de acordo com a avaliação de 2018 da Great Place To Work e Época Negócios.

Segundo a gerente de Recursos Humanos do Sesc/RS, Elizabeth Carvalho, não há como prestar um serviço diferenciado se não houver investimentos em equipes mistas. Elizabeth reforça que a prática da escuta também contribui para a harmonização do ambiente de trabalho. “Cada gestor é responsável por apontar dados da equipe e propor, em conjunto, ações para construção de um clima mais saudável”, afirma.

Nesse sentido, de acordo com a profissional, somente em 2017 mais de 42 horas de capacitação foram ofertadas por colaborador, sendo que 96% do quadro ativo participou de, pelo menos, 8 horas de preparos profissionais.

Empresas de grande porte sofrem com a alta rotatividade de funcionários, fenômeno chamado de turnover. No setor de Serviços, os últimos estudos do Ministério do Trabalho e Emprego informam uma média que gira em torno de 40% ao ano. Entretanto, o Sesc/RS encerrou 2017 com o menor índice de evasão dos últimos 10 anos — 16%. “Esse número evidencia a assertividade de todas as práticas que realizamos coletivamente”, comemora Elizabeth.

Infográfico: Comparativos Gerais

Infográfico: Comparativos Gerais 2