“O Papa Francisco mudou a Igreja. Mas alguns bispos se opõem a ele.” Entrevista com o cardeal Robert McElroy

Papa Francisco durante Jornada Mundial dos Pobres | Foto: Vatican Media

17 Março 2023

“No pontificado do Papa Francisco, o Sul global está presente de uma forma radicalmente nova e proeminente na vida da Igreja”, disse o cardeal Robert W. McElroy, bispo de San Diego, nos Estados Unidos, em uma entrevista exclusiva de uma hora via Zoom, no dia 4 de março. “Houve uma mudança fundamental de perspectiva, de culturas e, às vezes, de prioridades na vida da Igreja.”

A entrevista é de Gerard O’Connell, publicada por America, 14-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O cardeal McElroy reflete sobre os primeiros 10 anos da liderança de Francisco na Igreja Católica, compartilha suas impressões sobre o papa argentino como pessoa e sobre as mudanças que ele promoveu no papado, na Cúria Romana e na Igreja universal na última década.

O cardeal também oferece três razões pelas quais, segundo ele, o Papa Francisco encontrou forte oposição, especialmente de alguns dos bispos dos Estados Unidos.

Eis a entrevista.

Francisco é papa há 10 anos. Você se encontrou com ele várias vezes. O que mais lhe impressiona nele como pessoa?

Como pessoa, o que me impressiona sempre que estou com ele é seu nível de envolvimento direto. Isto é, seu senso de imediaticidade, de realmente se aproximar da pessoa com quem está falando. Sinto uma ligação com ele. Ele quer ouvir, quer escutar, quer dizer coisas para mim também.

Ele está claramente enraizado no Espírito – isso está por trás de tudo o que ele está fazendo e dos comentários que faz – e também sente que o Espírito o está chamando para uma missão específica neste momento. Madre Teresa tinha esse mesmo senso de santidade, do Espírito de Deus com ela. Ela tinha uma missão que pensava ter sido dada por Deus, e sabia disso, e estava tentando fazer isso. Sinto a mesma coisa com o Papa Francisco.

O Papa Francisco é um homem cheio de esperança. Às vezes, as pessoas o criticam por isso, dizendo que ele tem muitas esperanças sobre a natureza humana, o mundo ou sobre onde a Igreja pode estar. É importante distinguir, no sentido cristão, entre esperança e otimismo. Otimismo é a mera crença de que tudo vai dar certo. A esperança cristã é a crença de que, mesmo em tempos difíceis, Deus está ao nosso lado e encontrará uma forma de nos ajudar a superá-los.

 

 O que mais o impressiona nele como sucessor de Pedro?

Ele representa a vinda da Igreja mundial que Karl Rahner havia falado como uma realidade na época do Concílio Vaticano II. No pontificado do Papa Francisco, o Sul global está presente de forma radicalmente nova e proeminente na vida da Igreja. Houve uma mudança fundamental de perspectiva, de culturas, e às vezes de prioridades dentro da vida da Igreja. Ele é o primeiro papa não europeu nos tempos modernos.

A segunda coisa é que ele tem um conhecimento grande e específico sobre vários assuntos da Igreja nos Estados Unidos. Eles tendem a ser questões pastorais muito humanas que estão ocorrendo na vida da sociedade estadunidense e na vida da igreja nos Estados Unidos. Certamente, ele tem que ter um conhecimento da Igreja universal, mas também tem bastante conhecimento, especificamente, de quais são as realidades na Igreja e na sociedade dos Estados Unidos.

Em seu documento programático “A alegria do Evangelho” (Evangelii gaudium), Francisco falou sobre a necessidade de uma conversão do papado (n. 32). Você acha que ele conseguiu provocar tal conversão?

Parcialmente, sim, de algumas maneiras fundamentais. O Papa Francisco tornou o papa e o papado mais imediatos para as pessoas. Ele não é formal da mesma forma que antes. Certamente, o Papa João Paulo II tinha um jeito maravilhoso de lidar com as pessoas e de se envolver, mas é diferente. Trata-se de falar com grupos, pessoas, jornalistas, indivíduos, imediatamente, sobre os problemas que existem em suas vidas, no mundo e na vida da Igreja. Esse senso de imediaticidade é um tipo diferente de papado. É um encontro mais direto, de pessoa a pessoa, do que antes.

Uma segunda mudança é que o Papa Francisco, por meio de gestos, toca as pessoas, e, francamente, isso define o papado de uma forma importante. Alguns desses momentos ocorreram depois que ele foi eleito, como quando ele foi pagar a conta no hotel. Isso tem um impacto muito significativo nas pessoas. Também aquele momento em que ele foi ao encontro do homem que tinha lesões terríveis no rosto. Esse foi um momento particularmente poderoso da compaixão de Cristo sendo irradiada por meio do papado. Quando ele esteve na África – indo para lá com todos os sofrimentos pelos quais passou e, mesmo assim, indo para lá e se envolvendo com as pessoas de uma forma tão vigorosa e árdua –, isso causou um grande impacto.

E a última, que ficou na minha memória, foi aquela vez durante a Covid, quando, em 27 de março [de 2020], ele falou e rezou sozinho na Praça São Pedro debaixo da chuva.

Uma última coisa sobre a conversão do papado tem a ver com a descentralização. Ele foi eleito papa para abordar certas áreas de centralização na vida da Igreja e da Cúria Romana. Na reestruturação formal que ele fez, ele começou a realizar isso em relação a toda a atitude da Cúria, que deve estar a serviço das Igrejas locais e não ser quem determina em última instância todas as coisas em nome do papa.

Desde o início do pontificado, Francisco falou sobre a necessidade de uma conversão pastoral e missionária da Igreja. Até que ponto você acha que ele conseguiu fazer isso acontecer?

A noção de acompanhamento realmente foi trazida à tona como uma forma de a Igreja estar presente e caminhar com as pessoas. Esse é um paradigma fundamental para a vida da Igreja. Vai contra aquilo que a nossa sociedade está dizendo neste momento, que é aquela questão da polarização, de manter as pessoas à distância se não estiverem de acordo conosco, de que elas não são como nós em certos aspectos sociais, culturais. Acompanhar é diferente. Significa ir ao encontro de cada pessoa e tratá-la em sua individualidade, você caminha com ela na graça, você a abraça.

Em segundo lugar, o Papa Francisco diz que a nossa teologia moral e pastoral deve ser substancialmente moldada pelas realidades da vida das pessoas e pelo que elas encontram. Esse é um dado que deve ter uma relevância particular no modo como pensamos o que a teologia moral nos chama a fazer e como vivemos o Evangelho nos dias de hoje.

Esses diálogos que tivemos em todas as paróquias do país tiveram resultados significativos e benéficos, não apenas em termos do que eles produziram e do que as pessoas disseram, mas também do que aconteceu no coração das pessoas que fizeram esses sínodos.

Qual é a visão de Igreja que Francisco tem promovido nesses anos? Como isso está sendo recebido? E qual a centralidade da “sinodalidade” para essa visão?

Francisco está apresentando a sinodalidade como uma marca da Igreja e certamente como uma marca da cultura da Igreja. É muito importante enfatizar que a sinodalidade é uma cultura, e não um resultado ou um conjunto de resultados. Haverá resultados, espero, do processo sinodal ao longo do próximo ano e meio – e estou esperançoso sobre alguns resultados específicos. 

No entanto, a chave é que a cultura eclesial mudará, fazendo com que ela escute mais a Deus, deixando que Deus esteja no comandando, dialogando uns com os outros, encontrando, incluindo, permitindo que as pessoas participem.

Relacionado à sinodalidade está o sensus fidei. Até que ponto o fato de escutar as pessoas dessa forma comunica um importante senso da presença, da ação e da fé em Deus encarnado na vida das pessoas, que deve moldar o nosso ensino, que deve ser um fundamento para o nosso magistério?

Há uma controvérsia sobre isso: a reflexão do povo de Deus como um todo é uma fonte legítima de contribuições substanciais para a formação das nossas doutrinas e, particularmente, para aplicá-las àquilo que as pessoas são chamadas a fazer à luz do Evangelho e dos ensinamentos da Igreja?

Acho que a resposta é “sim”, mas há muitos que argumentam que “não”, isto é, teólogos e bispos que determinam e transmitem os elementos da formação doutrinal, no sentido de que o povo de Deus como um todo é apenas um barômetro de algo que pode estar fora de sincronia, em vez de ser uma fonte de compreensão, contribuição e riqueza teológicas.

Pelo que entendi, é isso que Francisco está dizendo, mas às vezes eu acho que estamos na divisão entre o tipo de Igreja que diz: “Nós ensinamos, e vocês seguem” e um tipo diferente de Igreja, uma “Igreja sinodal”.

E é disso que surgem alguns dos desafios à consulta que vêm ocorrendo em todo o mundo. Os críticos apontam que talvez 1% ou 2% dos católicos em todo o mundo foram consultados. Isso é verdade, mas eu vejo desta forma: tivemos cerca de 500.000 pessoas nos Estados Unidos que realizaram diálogos presenciais. Essa é a maior consulta individual de todos os tempos nos Estados Unidos. E esse é o fundamento ou a parte das reflexões que devem seguir em frente no Sínodo. Não é um pequeno grupo de pessoas. É algo inédito na história do nosso país, em qualquer instituição, até mesmo no governo.

Você poderia identificar algumas maneiras pelas quais Francisco mudou a Igreja Católica desde que se tornou papa?

Eu diria que uma delas seria Aparecida, a 5ª Conferência Episcopal Latino-Americana realizada em 2007, no Brasil. Ou seja, como um papa da América Latina, ele trouxe a beleza daquele longo processo de reflexão teológica e de formação eclesial para o mundo em geral.

A meu ver, em geral, a América Latina foi nos últimos 40 anos a fonte mais rica de genuína reflexão teológica e eclesial. Isso é simplesmente lindo, profundo, rico e transferível para o mundo em geral.

Eu leio o documento de Aparecida cerca de duas vezes por ano, só para me lembrar de quanta riqueza existe, mas também daquilo que ele reflete sobre todo um continente – incluindo o México – que se reúne para teologizar e dizer, à luz da experiência humana neste tempo em nosso continente, o que Deus está nos chamando a fazer e a ser.

Uma segunda coisa é aquela declaração que o papa fez em reação a uma pergunta no avião ao voltar do Rio: “Quem sou eu para julgar?”. Isso ressoou amplamente e teve efeitos positivos enormes. Ora, às vezes, isso é descaracterizado como se ele tivesse dito que a Igreja não pode ter nenhum julgamento sobre o certo ou o errado – e é claro que não é isso. “Quem sou eu para julgar” é uma rejeição ao “julgamentismo”, que é uma realidade totalmente diferente. Jesus fala sobre o pecado do “julgamentismo” mais do que qualquer outro pecado no Evangelho, repetidamente, porque é muito fácil cairmos nele.

A Laudato si’ teve uma influência epocal, não apenas dentro da Igreja, mas também na sociedade em geral, como uma forma de treinar o foco nas questões ambientais. Mas fazendo isso em dois contextos. O primeiro é o da criação, ou seja, a ordem criada, este dom de Deus que estamos ignorando e espoliando. O segundo são os impactos humanos que são enormes em todos os níveis e estão inter-relacionados. A dignidade da pessoa humana está sendo atacada devido a essas questões ambientais agora em tantas partes do mundo. Francamente, em praticamente todas as partes do mundo as coisas estão se deteriorando no nível ambiental.

 

 A última coisa que eu diria tem a ver com a Fratelli tutti, com o tipo de amor de que fala o Papa Francisco e particularmente sua aplicação a questões de guerra e paz. Esse é um movimento importante na vida da Igreja, para colocar a não violência ativa no centro do ensino da Igreja sobre guerra e paz.

Acho que é hora de deixarmos de pensar nisso como um ideal para pensarmos nisso como uma realidade que devemos praticar e integrar. Agora, eu acho que existem alguns casos como a Ucrânia em que a ação militar se justifica. É uma situação enormemente carregada.

Pelo que você viu e ouviu como bispo, de que modo você acha que Francisco impactou a vida dos católicos nos Estados Unidos e dos estadunidenses em geral?

Apontando para a ternura da misericórdia de Deus. Esse tem sido um tema inabalável do Papa Francisco durante seu pontificado. As pessoas têm sido muito receptivas a isso nos Estados Unidos. Isso é um dom, o fato de manter esse foco constante na misericórdia de Deus, que é o atributo primário de Deus em relação a nós em nossa humanidade.

O papel do papa como liderança moral é muito importante, sobretudo no cenário mundial e dentro dos Estados Unidos, porque não temos lideranças morais agora. Não consigo pensar em ninguém que eu possa apontar como uma liderança moral abrangente. Temos algumas pessoas boas e morais. Estamos fazendo algumas coisas boas em várias esferas da vida, mas temos uma verdadeira escassez de lideranças morais. O Papa Francisco é uma liderança moral, e esse é um papel importante neste momento específico.

O Papa Francisco nos deu uma chave para abordar a questão da polarização quando fez aquele discurso ao Congresso quando veio aos Estados Unidos em setembro de 2015. Foi um momento muito significativo, porque você tinha a Câmara dos Deputados e o Senado lá – em sua forma mais polarizada. No entanto, o Papa Francisco pôde falar àquela tradição que nos torna unidos nos Estados Unidos e aos olhos do restante do mundo, por meio de figuras importantes para a nossa história e a nossa identidade: Abraham Lincoln e Martin Luther King Jr., Dorothy Day e Thomas Merton, e apontando-os como pontos em comum construtivos. A nossa sociedade não tem isso agora, as diferenças estão acentuadas. Essa é uma das vantagens da sinodalidade. Ela acentua os pontos em comum em vez das diferenças. Precisamos desesperadamente disso em nossa sociedade e dentro da Igreja neste momento.

Francisco encontrou oposição por parte de alguns de seus irmãos bispos nesses anos, especialmente nos Estados Unidos. Como você explica essa oposição?

Existem três áreas substanciais nas quais isso vem à tona. A primeira é a priorização de questões de políticas públicas – e especificamente o papel do aborto. Os bispos nos Estados Unidos praticamente não têm nenhuma discordância substancial sobre qualquer uma das principais questões de política pública, sobre o que a política pública deve ser ou como ela deve se mover. Estamos de acordo nisso.

O atrito tem a ver com a priorização, porque aí entramos na política do que se deve fazer primeiro, o que é mais importante. Há vários bispos que discordam do papa em termos de priorização dessas questões de política pública.

A segunda coisa tem a ver com toda essa questão da sinodalidade. Uma das questões legítimas que isso levanta – pois todos estamos passando por esse processo – é que temos esses diálogos, as pessoas trouxeram preocupações e necessidades importantes em todo o mundo, mas também conflitantes. Como juntar tudo isso? Como fazer para que não acabe em confusão?

Muitos dos nossos bispos são homens de fé, mas não gostam de dar saltos de fé. Na sinodalidade, é preciso dar um salto de fé. Você realmente tem que dizer: “Tudo bem, temos este processo de seguir em frente, cremos que Deus está aí e vai nos levar a um bom resultado, um resultado espiritualmente rico e unificado”. Mas vou lhe dizer que, em muitas questões da vida, não gosto de dar saltos de fé. Há uma inquietação em relação à sinodalidade entre os bispos dos Estados Unidos que surge dessa questão e que acelera a oposição para onde o papa quer ir.

Para mim, é uma questão mais fácil, porque eu passei pelo Sínodo sobre a Amazônia. Eu vi como, no início, havia todos os pontos de vista diferentes e questões diferentes. Mas, durante aquele sínodo de um mês, com base nas conversas que haviam sido feitas na Amazônia anteriormente, eles conseguiram chegar a resultados, que não tinham tudo o que eu esperava, mas havia uma sensação quase universal de que Deus estivera presente, levando o Sínodo para um lugar de unidade e com resultados ricos.

Uma terceira fonte de divisão dentro dos bispos dos Estados Unidos remonta à Amoris laetitia, especificamente ao capítulo 8. Isso ocasionou um forte desacordo entre os bispos estadunidenses sobre se deveria haver tais acomodações para os católicos casados e divorciados que haviam levado vidas boas e que se casaram de novo. Eles deveriam receber a Eucaristia da forma que o papa lhes sugeriu naquela nota de rodapé? A oposição não se limita a essa questão, mas essa questão revela a divisão fundamental, penso eu, dentro do episcopado estadunidense, sobre se a nossa proclamação pastoral ou moral deve se orientar mais para a verdade dogmática ou para o acompanhamento das pessoas de fé que têm situações pastorais muito desesperadoras. Acho que essa é a razão mais importante para a divisão entre os bispos dos Estados Unidos em relação ao Papa Francisco.

A Igreja nos Estados Unidos, mas também em todo o mundo, foi atingida por toda a questão dos abusos. Francisco admitiu, em uma entrevista recente à Associated Press, que “eu mesmo tive uma conversão nesse campo”. Ele tem procurado combater e eliminar os abusos de consciência, poder e sexualidade na Igreja, e especialmente a pedofilia. Como você avaliaria o que ele fez até agora?

É muito importante que ele tenha colocado muita ênfase no papel do clericalismo e da cultura clerical nisso, porque isso está no centro de tudo. Há pessoas que querem enfatizar outras coisas, mas eu acho que isso poderia facilmente perder de vista o grau em que tínhamos uma cultura em que, devido à nossa teologia do sacerdócio, predominava a ideia de que você tinha que transferir padres e que esse pecado era privado e precisava ser simplesmente perdoado, que todos esses elementos faziam parte de uma cultura clerical que estava no cerne do motivo pelo qual não fizemos nada para impedir isso.

Na minha opinião, o grande pecado da Igreja sobre os abusos sexuais clericais de menores não foi que tivéssemos padres que abusaram, mas sim que, sabendo que eles haviam abusado, eram transferidos. Tinha a ver com todas as presunções da cultura clerical.

O Papa Francisco lançou uma campanha substancial de responsabilização sobre essas questões. Não apenas a responsabilização por parte daqueles que haviam abusado diretamente, mas também por parte daqueles que toleraram e sustentaram isso por meio de padrões de transferência ou encobrimentos.

Uma terceira coisa boa que o papa fez foi admitir seus próprios erros. É realmente importante que um líder faça isso, e grande parte da nossa cultura eclesial diz para não fazer isso. Aqueles de nós que são lideranças na vida da Igreja cometemos erros. Acho importante dizer que fizemos isso, porque as pessoas vão entender quando formos honestos com elas. E isso também nos torna mais humanos.

Acho que ainda não está maduro o que é e o que deveria ser o sistema de responsabilização. Hans Zollner, SJ, fez uma declaração outro dia sobre em que ponto estamos em relação a isso, e ainda há uma grande questão sobre como você define os adultos vulneráveis. Essa é uma questão importante.

Uma segunda pergunta é: “Como voltamos no tempo e avaliamos as ações de transferência e de encobrimento de anos atrás?”. E não uma avaliação lenta, deveria ser uma avaliação criteriosa, obviamente, mas o processo é muito lento em termos de como lidar com os desafios, principalmente contra os bispos.

Outra grande questão, é claro, especialmente na Igreja nos Estados Unidos, que está surgindo em todo o processo sinodal diz respeito ao papel da mulher na Igreja. Como você vê o que Francisco fez? E o que você gostaria de vê-lo fazer no restante de seu pontificado?

Ele tem ajudado particularmente na questão das nomeações e das mudanças estruturais na reforma da Cúria Romana. Isso foi algo muito importante que tocou os leigos como um todo, porque grande parte dos bloqueios ao acesso das mulheres, em nível diocesano e universal, têm a ver com bloqueios aos leigos que têm posições específicas. O papa moveu-se em direções muito significativas nesta frente. Acho que provavelmente haverá mais algum movimento em relação a isso no Sínodo.

Há coisas que eu gostaria de ver além disso, no entanto. Sou da opinião de que a Igreja deveria convidar as mulheres a entrarem em todas as formas de serviço e ministério na Igreja que não sejam impedidas pela doutrina, e isso significa uma série de aberturas em nível individual e na vida paroquial. Na diocese, significa que certas barreiras devem ser removidas para cargos que elas não podem assumir.

E então, em relação ao diaconato, eu gostaria de ver mulheres ordenadas como diáconas, porque acho que isso não é impedido pela doutrina. Acho que a história já é suficiente para mostrar que houve uma forma de ministério diaconal na vida da Igreja, com um rito para formalizá-la.

Eu também gostaria de ver o Papa Francisco enunciar um marco teológico para o papel de homens e mulheres que atenda à distinção e à singularidade das mulheres, mas não as classifique de modo restrito. Muitas vezes, os conceitos que usamos na vida da Igreja classificam as mulheres em certas categorias, no sentido de que elas podem fazer isso, mas não podem fazer aquilo, e acho que isso não é útil.

O Papa Francisco se concentrou muito na dimensão social do Evangelho. Como você resumiria isso? E as pessoas o estão ouvindo?

Estou na fronteira do México com a Califórnia, e, portanto, para nós, uma das questões que é muito importante para o coração do Papa Francisco e para a qual ele aponta repetidamente é toda a questão dos migrantes e refugiados. Sempre que o vejo, ele pergunta: “Qual é a situação lá agora?” E a situação não é boa aqui nos Estados Unidos.

 

 Eu esperava que as políticas melhorassem – e melhoraram um pouco –, mas a situação não é boa, porque o nosso sistema está basicamente quebrado. Essa é uma área, como um problema mundial, na qual Francisco mantém uma atenção constante, porque é fácil para nós filtrarmos isso da nossa consciência.

O Papa Francisco, assim como São Francisco de Assis, continua apontando para os pobres da sociedade e perguntando que tipo de economia permite que esse nível de desigualdade exista e se agrave ainda mais com o tempo; em que sentido os instrumentos das finanças e dos mercados financeiros são manipulados, de forma que – vejo isso o tempo todo na nossa própria diocese – os ricos fiquem mais ricos e os pobres, mais pobres. Isso é contrário à nossa fé, e o Papa continua dizendo isso.

Em grande parte, infelizmente, as pessoas ouvem aquelas partes da mensagem do Papa às quais são favoráveis, e depois ignoram as outras, e utilizam as partes que gostam, seja para a discussão, o diálogo ou a apresentação pública, ou apenas guardam com isso em seus corações.

Mas a questão mais profunda é esta: em que nível, nessas questões, as declarações e as ações do Papa estão promovendo uma conversão real, a fim de que as pessoas olhem para além de sua mentalidade MSNBC ou Fox News e realmente permitam uma conversão do coração em relação a essas questões da migração, do aborto, dos refugiados e dos pobres?

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