Igreja em saída para as periferias: “caminhar juntos” na missão. Artigo de Francisco Aquino Júnior

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20 Julho 2022

 

“Não basta dizer que a Igreja é missionária. É preciso compreender bem em que consiste esta missão que não é outra senão a missão de Jesus, tal como está narrada/testemunhada nos Evangelhos: anunciar e tornar presente o reinado de Deus no mundo. Na prática isso significa/implica socorrer os caídos, curar as feridas, consolar os aflitos e desesperados, acolher os marginalizados/excluídos e fazer comunhão de mesa com eles, afrontar costumes e leis que agridam a dignidade humana, denunciar os poderosos e opressores, viver e desencadear processos de fraternidade (amor, perdão, compaixão, serviço etc.), exercitar o poder como serviço”, afirma Francisco Aquino Júnior, mestre e doutor em Teologia, professor da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE, em artigo da segunda série “artigos de opinião”, publicados quinzenalmente pelo Serviço Teológico-Pastoral com o objetivo de contribuir para a reflexão e a formação na caminhada de conversão sinodal da Igreja Católica impulsionada pelo papa Francisco. O Instituto Humanitas UnisinosIHU acolheu o convite de participar desta iniciativa.

 

Eis o artigo.

 

A Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe (novembro de 2021), proposta pelo Papa Francisco em resposta à solicitação de uma nova Conferência do Episcopado Latino-americano, reuniu as várias expressões e os vários organismos do Povo de Deus. Ela aconteceu no contexto do processo de escuta sinodal em preparação ao próximo sínodo dos bispos em outubro de 2023 (Por uma Igreja Sinodal: comunhão, participação, missão) e no espírito da última conferência do episcopado latino-americano em Aparecida em maio de 2007 (Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida). Essa dupla referência dá o tom e a perspectiva dessa Primeira Assembleia Eclesial: sinodalidade e missão. E aparece claramente no tema da assembleia: Todos somos discípulos missionários em saída. São aspectos inseparáveis que se remetem e se implicam mutuamente: a missão é de todos e deve ser assumida por todos (“caminhar justos” do povo de Deus) e a sinodalidade se dá na e em função da missão (“caminhar juntos” na missão). Nunca é demais insistir na natureza sinodal da missão (povo de Deus) e na natureza missionária da sinodalidade (missão).

 

 

Mas aqui queremos insistir nesse segundo aspecto: a natureza missionária da sinodalidade. Pode parecer algo simples e evidente, mas na prática é muito mais complexo e problemático do que possa parecer. Primeiro, porque a insistência na participação de todos na Igreja pode acabar relativizando e/ou deixando em segundo plano o “onde” e o “em que” consiste e se dá essa participação e terminar em disputa de poder que não deixa de ser mais uma expressão de clericalismo (disputa de chefia/mando). Segundo, porque a missão pode e comumente costuma ser entendida/realizada de maneira autocentrada ou autorreferencial, relativizando ou mesmo negando seu caráter de “sacramento” de salvação ou do reinado de Deus no mundo e de “serviço” aos pobres e marginalizados desse mundo (crescimento e dinamismo interno da Igreja). Basta ver em que consiste (na prática, não nos textos e documentos) os movimentos de animação missionária em nossas comunidades, paróquias e dioceses...

 

Não basta dizer que a Igreja é missionária. É preciso compreender bem em que consiste esta missão que não é outra senão a missão de Jesus, tal como está narrada/testemunhada nos Evangelhos: anunciar e tornar presente o reinado de Deus no mundo. Na prática, isso significa/implica socorrer os caídos, curar as feridas, consolar os aflitos e desesperados, acolher os marginalizados/excluídos e fazer comunhão de mesa com eles, afrontar costumes e leis que agridam a dignidade humana, denunciar os poderosos e opressores, viver e desencadear processos de fraternidade (amor, perdão, compaixão, serviço etc.), exercitar o poder como serviço. Numa palavra, é viver na lógica do reinado de Deus: filiação divina que se concretiza no amor e na fraternidade entre todos, até com os inimigos. Toda atividade eclesial (catequese, liturgia, encontros de formação, Santas Missões Populares, visitas missionárias etc.) deve ser pensada e realizada em vista da missão fundamental da Igreja que é anunciar e tornar presente no mundo o reinado de Deus que é um reinado de fraternidade, de justiça e de paz.

 

Francisco não se cansa de insistir na necessidade e urgência de uma “transformação missionária da Igreja” (EG, cap. I), entendida como “saída para as periferias” geográficas, sociais e existenciais (EG, 20, 30, 46, 191). Frente a tendências autorreferenciais da Igreja, insiste sem cessar na necessidade e urgência de “saída para as periferias”. Contra todo comodismo, é preciso sair (Igreja em saída). Mas não se trata de uma saída qualquer para qualquer lugar e/ou qualquer coisa, mas de uma saída em direção à humanidade sofredora para viver a fraternidade, curar suas feridas, socorrer suas necessidades, participar de suas lutas por direitos etc. (saída para as periferias).

 

E essa perspectiva missionária constitui o coração da Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe. Isso aparece claramente no tema da assembleia: Todos somos discípulos missionários em saída. E é melhor explicitado nos desafios pastorais identificados e assumidos pela assembleia. É verdade que a ordem/sequência de apresentação dos desafios (não se sabe bem o critério usado aqui) pode relativizar a até perder de vista esse horizonte da missão cristã, pondo mais ênfase na vida interna da Igreja (participação eclesial, protagonismo dos leigos) que em sua missão no mundo (saída para as periferias). É a tentação permanente à autorreferencialidade e ao clericalismo... Em todo caso, alguns dos desafios identificados e assumidos pela assembleia indicam a perspectiva e o caminho fundamentais da Igreja nesse mundo e, concretamente, em nosso tempo:

 

- “acompanhar as vítimas das injustiças sociais e eclesiais com processos de reconhecimento e reparação”;

- “promover e defender a dignidade da vida e da pessoa humana desde sua concepção até sua morte natural”; “escutar o clamor dos pobres, excluídos e descartados”;

- “reafirmar e dar prioridade a uma ecologia integral em nossas comunidades, a partir dos quatro sonhos da [Exortação Apostólica] Querida Amazônia”;

- “acompanhar os povos originários e afrodescendentes na defesa da vida, da terra e das culturas”.

 

Certamente, esses não são os únicos desafios de nosso mundo. E certamente não basta identificar os desafios: Eles precisam ser concretizados e enfrentados em cada território e/ou contexto. Precisam ser transformados em projetos pastorais. Precisam ser assumidos como missão fundamental de toda a Igreja. Mas os desafios identificados e assumidos indicam onde deve estar o coração da Igreja de Jesus e para onde ela deve caminhar, se quiser ser fiel a Jesus e seu Evangelho do reinado de Deus que consiste na manifestação do amor de Deus pela humanidade sofredora, por mais que isso seja escandaloso para os “sacerdotes e escribas”, o “filho mais velho” ou os “operários da primeira hora” que somos todos nós. Os pobres e marginalizados desse mundo são, n’Ele, juízes e senhores de nossas vidas, igrejas e teologias (Mt 25, 31-46).

 

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