11 Agosto 2025
Tarifas impostas sob ameaças geopolíticas, ideológicas ou econômicas são uma demonstração de força dos americanos, mas também uma faca de dois gumes com um possível efeito bumerangue.
A reportagem é de Ignacio J. Domingo, publicada por El Diario, 09-08-2025.
A agenda "America First 2.0" de Donald Trump, a agenda MAGA defendida pela ultraconservadora Heritage Foundation, destacou a primeira de suas implicações doutrinárias: a economia americana ainda é uma poderosa ferramenta de influência internacional. Resta saber se ela também será eficaz em seu ambicioso, e cada vez mais evidente, objetivo de demolir a ordem mundial com o aríete tarifário, seu dispositivo geoestratégico para fragmentar o sistema de comércio internacional.
Nos seis meses de seu segundo mandato, o governo Trump abalou os alicerces da livre circulação de bens, serviços e capital — até mesmo de trabalhadores — com suas deportações em massa de imigrantes, que abalaram as forças produtivas dos setores que empregavam mão de obra estrangeira e prejudicaram a criação de empregos nos EUA em julho. Agora, a criação de um novo mapa do comércio mundial pode ser delineada e proclamada.
Este decálogo nos ajuda a compreender o verdadeiro alcance das mudanças impulsionadas pelo Salão Oval. Sua frenética sucessão de decretos executivos busca transformar o padrão de crescimento americano e replicar outra era de protecionismo industrial e corporativo. Visa devolver à Casa Branca o cetro hegemônico da governança global, mas lembra a era que mergulhou a principal potência econômica mundial na estagnação e na recessão na década de 1930.
O maior mercado do mundo, defensor do dogma capitalista, "decidiu renunciar às regras existentes do sistema comercial global". Esta é a declaração enfática de Alan Wolff, pesquisador sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional (PIIE) e ex-diretor-geral adjunto da Organização Mundial do Comércio (OMC). "É altamente provável que outras nações tentem negociar mais entre si, dada a incerteza gerada pelo acordo comercial com os EUA."
No entanto, para Wolff, a "atração" americana "continua desejável", apesar de representar apenas 13% do comércio mundial e de nenhuma outra latitude no planeta ter seguido seu caminho tarifário. Outro observador internacional, Aaron Bartnick, professor da Universidade de Columbia e ex-alto funcionário da Casa Branca em questões comerciais, lembra que a declaração de intenções de Trump com as tarifas era "transformá-las em um martelo para escorar o caixão" do antigo modo de fazer as coisas.
Por enquanto, o clima de investimento se tornou favorável. O primeiro mês e meio do verão lhe trouxe satisfação. Os mercados permaneceram quase imperturbáveis diante do histórico ataque aéreo dos EUA ao Irã e de sua defesa secreta do esforço de guerra de Israel no Oriente Médio. Tampouco contestaram o fim da trégua tarifária ou o aumento das taxas alfandegárias para obter autorização de entrada nos EUA para produtos e serviços do exterior.
Trump redefiniu o comércio global impondo uma tarifa média de 15,2% desde a última quinta-feira — inventando a ideia de tarifas recíprocas —, de acordo com a Bloomberg Economics. As tarifas oficiais variam de 10% para os mercados que causam um pequeno déficit comercial para Washington a 50%. Com exceção da China, com a qual ele está negociando um acordo que ainda não gerou polêmica.
Na sexta-feira passada, o governo americano deu outro golpe inesperado com a decisão de impor tarifas sobre a importação de barras de ouro de 1 quilo, o tipo mais negociado na Comex, a maior bolsa de derivativos de ouro do mundo. Isso desencadeou uma forte alta no preço dos futuros de ouro no mercado americano, atingindo a máxima intradiária de US$ 3.534 por onça troy, enquanto os preços em Londres permaneceram estáveis.
Os poderes tarifários de Trump foram contestados em tribunais comerciais americanos por líderes empresariais e associações industriais. A reação do residente da Casa Branca foi apelar imediatamente à Suprema Corte, que tem uma maioria conservadora de 6-3. Mesmo assim, os juízes poderiam acabar revertendo as tarifas e forçando-o a eliminá-las ou fornecer-lhes as salvaguardas legislativas que seus detratores dizem que elas atualmente não têm. Na frente política, há vozes crescentes proclamando que o fast track (poder de selar acordos comerciais) que oscila entre o Congresso e o Salão Oval, apesar de ser o poder do Capitólio, pode ter violado vários preceitos constitucionais.
O dogma trumpista de promover guerras comerciais e cortes de impostos, cada vez mais arraigado no DNA do Grande Partido Republicano (GOP), estará em jogo na arena econômica. O emprego desacelerou repentinamente em julho, "com os preços ainda na zona de perigo de uma espiral ascendente e sob a ameaça de inflação importada devido às tarifas", enfatiza Shane Oliver, diretor de investimentos da AMP, resumindo o sentimento geral do mercado sobre como os custos alfandegários adicionais serão, em última análise, repassados aos consumidores.
As tarifas acabarão sufocando a inovação e degradando o estilo de vida americano. A Casa Branca alardeia seus pactos como vitórias, afirma o editorial da Bloomberg. "Na realidade, não há nada para comemorar", porque, em termos estritamente econômicos, são, em quase todos os casos, impostos, uma forma de dupla tributação que aumentará a conta para empresas e famílias.
O problema que os Estados Unidos enfrentam não se limita apenas às importações, à crescente demanda por suprimentos estrangeiros. Haverá uma maior inclinação para a competição e a inovação entre os agentes econômicos. E os pagadores finais serão as próprias famílias americanas. A polarização já está cobrando seu preço na sociedade americana, deteriorou a qualidade da democracia e agora ameaça derrubar a arquitetura liberal de sua estrutura produtiva.
Tóquio emergiu como uma das vozes dissidentes contra a escalada tarifária de Trump, mas, em uma reviravolta surpreendente, finalmente assinou seu armistício comercial. Especialistas dizem que o país enfrentava um duplo desafio de negociação. De um lado, o compromisso do Japão de não vender títulos do Tesouro dos EUA, que o país acumula em todos os lugares há décadas, em um momento em que o rendimento dos títulos de 10 e 30 anos disparou devido a dúvidas sobre a economia americana. Do lado americano, há a demanda por meio trilhão de dólares em investimentos japoneses em empresas e setores americanos.
O resultado é uma tarifa de 15% que fará da indústria automotiva japonesa uma de suas vencedoras inesperadas (ela viu seus impostos reduzidos em 10 pontos percentuais) em troca do envio de fluxos de capital para o território americano.
É, talvez, uma rendição geoestratégica ainda maior. Porque o acordo tarifário de 15% está associado à bajulação do clube da UE em assumir gastos militares de 5% do PIB. Duas lufadas de ar fresco do outro lado do Atlântico que alimentam a doutrina MAGA e o nacional-populismo europeu. Bruxelas insiste que prefere um acordo ruim à falta de consenso. Mas um diálogo comercial entre iguais não obriga uma das partes a assinar cláusulas para comprar US$ 750 bilhões em combustíveis fósseis americanos — petróleo e gás — nos próximos três anos ou a investir mais US$ 600 bilhões em empresas americanas.
Acima de tudo, porque enterra a visão de Mario Draghi e Enrico Letta de aumentar a produtividade e, portanto, a competitividade do mercado interno, construindo força industrial, preservando a agenda da sustentabilidade e o processo de digitalização, e transformando a Europa em uma potência geopolítica e econômica capaz de competir de igual para igual com as duas superpotências. A Europa está capitulando apesar de ser a principal potência comercial do mundo, possuir o maior mapa de acordos de livre comércio e se gabar de ser a defensora do multilateralismo que prevalece desde a Segunda Guerra Mundial.
A nação suíça foi atingida por uma tarifa de 39%. O enclave alpino sempre manteve a bandeira da neutralidade geopolítica, apesar de ser um paraíso fiscal e um refúgio de sigilo bancário. A rica indústria farmacêutica, liderada pela Novartis e Roche, é a culpada por ter que recorrer a todos os meios para negociar contra o relógio, sem sucesso, outro teto tarifário. A viagem relâmpago de sua presidente, Karin Keller-Sutter, com compromissos anteriores de investimento no setor farmacêutico americano, não produziu resultados. O campeão da chamada diplomacia branda foi atingido pela tarifa mais alta de qualquer nação de alta renda. A proteção produtiva das empresas farmacêuticas americanas está por trás disso.
Há um reconhecimento geopolítico em jogo. Trump acusa a maior economia da América Latina de perseguir Jair Bolsonaro no sistema judicial, que ordenou sua prisão domiciliar pela tentativa de golpe contra Lula da Silva. Ele critica a Índia por sua compra desenfreada de petróleo bruto russo durante o veto do G-7 após a guerra na Ucrânia. Ambos os países juntos têm as maiores pressões tarifárias (50%) em suas latitudes geográficas. E eles ilustram que o estilo de negociação de Trump pode ser comparado aos métodos da máfia e à discriminação partidária: contra supostos inimigos e contra aliados, como Canadá e México, aos quais ele impõe altas tarifas, apesar de compartilhar espaço alfandegário com eles: o USMCA.
Isso não é novidade: analistas como Edward Alden, do Conselho de Relações Exteriores, acreditam que a certidão de óbito da OMC, criada em 1995, foi assinada em 8 de março de 2018, quando Trump, em seu primeiro mandato, impôs tarifas sobre aço e alumínio.
Trump está considerando uma tarifa de 100% sobre semicondutores, da qual isentaria empresas que realocassem sua produção para os EUA, uma promessa abraçada pela Apple, que anunciou planos de investir mais US$ 100 bilhões em fábricas americanas. Ainda não está claro se ele continuará permitindo que a Nvidia — a maior empresa do mundo, com um valor de mercado de mais de US$ 4 trilhões — venda seus circuitos integrados H2O para Pequim. Esta é mais uma exigência para tentar forçar o acordo tarifário com o gigante asiático.