Em debate promovido pelo IHU, nesta quinta-feira, 24-08, às 16h, Flávio Tavares, Juremir Machado da Silva e Jorge Ferreira analisam como a Campanha de 1961, com tantas transformações no mundo, ainda pode inspirar nossas lutas
Há 62 anos, Leonel de Moura Brizola se entrincheirou no Palácio Piratini para dar início a um movimento de resistência. Sua arma principal foi um microfone e um transmissor de ondas radiofônicas, pois foi pela Rádio da Legalidade que o Movimento tomou corpo e anunciou ao país o perigo iminente: João Goulart estava sendo impedido de assumir a Presidência da República depois da renúncia de Jânio Quadros. Em seu lugar, prontos para sentar-se na cadeira da presidência estavam os militares. O Movimento da Legalidade não só marcou como também mudou o curso da história do Brasil e conseguiu adiar, pelo menos até 1964, o início da fase mais sombria da nação, como diz o repórter Carlos Bastos, que acompanhou as mobilizações de perto na época.
A página especial foi publicada originalmente no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, 23-08-2023.
No fulcro do Movimento da Legalidade, o desejo republicano de fazer valer a vontade do povo em garantir que o vice-presidente eleito pudesse cumprir seu direito e dever constitucional de ficar à frente da nação. Hoje, no Brasil que avança no século XXI, a luta persiste. Num mundo em que avanço da tecnologia e o advento da Inteligência Artificial – IA fizeram o radinho de ondas curtas virar peça de museu, quase tudo parece ter mudado no jogo político. Mas a sanha pelo poder e o desejo de Estado servil a certas figuras seguem ameaçando a democracia e atacando a Constituição – a nova Constituição, destaca-se.
E se o rádio foi o ícone da resistência, a tecnologia, as redes digitais atuais são os combustíveis com os quais ainda se tentam implodir as conquistas do passado. Como observa Rosane Borges, jornalista e pesquisadora do Centro Multidisciplinar de Pesquisas em Criações Colaborativas e Linguagens Digitais da USP em entrevista concedida ao IHU, a ilusão do “eu” das redes de comunicação digital produz um tipo de democracia fraca que não se sustenta e ainda implode as bases do sistema democrático constituído por anos de lutas. “Há, aparentemente, um processo democrático em que todos têm o poder de enunciar, somos todos emissores e produtores de informação. Mas esta aparente democracia não tem uma visada democrática”, reforça.
Para o pesquisador e jornalista inglês Jamie Bartlett, não só no Brasil, mas no mundo, fomos ingênuos demais. “Na maioria das novas tecnologias, são as pessoas mais radicais, marginais e até criminosos que primeiro aprendem suas possibilidades. Eles têm essa vantagem, pois, na maioria das vezes, os mais autoritários se consideram excluídos, então dedicam boa parte de sua vida a novas técnicas e tecnologias”, reflete, em artigo publicado pelo IHU.
No entanto, não podemos perder de vista que a tecnologia é fruto de seu tempo. Logo, o que deve haver é um olhar sobre o uso político da tecnologia, num tempo e num espaço, e não para a tecnologia em si. Christa Berger, jornalista, pesquisadora e professora emérita da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e da Unisinos, em entrevista concedida em 2011 ao IHU, chamou atenção especificamente para este aspecto com relação ao rádio dos anos de 1960 e como o Movimento da Legalidade apreende sua centralidade. “Há uma sintonia entre contextos históricos, meios de comunicação e acontecimentos”, reforça. E detalha: “a Rede da Legalidade exemplifica 1) o poder de mobilização do rádio já descrito por Bertold Brecht na década de 1920 através das rádios operárias, na Alemanha, e com tantas contribuições nos processos revolucionários na América Latina e na África; e 2) um meio apropriado para emitir discursos”.
Bem, se há essa sintonia em momentos históricos e os meios de comunicação, e as tecnologias podemos acrescentar, em que medida a experiência do Movimento da Legalidade pode nos inspirar a, centrando o olhar neste mundo das redes e de IA, compreender a política de nosso tempo? E mais: por que esta luta do passado por um Brasil democrático e constitucionalmente forte ainda não chegou ao fim?
O debate recorda o movimento histórico que se realizou após o dia 25 de agosto de 1961, evitando um golpe militar. A Campanha da Legalidade pode ser considerado como um dos únicos movimentos civis, na América Latina, que conseguiu fazer com que ordem constitucional fosse cumprida.
O debate, transmitido por videoconferência pelo canal do IHU, contará com a participação de Flávio Tavares, Juremir Machado da Silva e Jorge Ferreira.
É formado em Direito, mas tem uma vida dedicada ao jornalismo. Integrou o grupo fundador da Universidade de Brasília – UnB, da qual é professor aposentado. Colunista político em Brasília nos anos 1960 da antiga rede de jornais Última Hora do Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre, foi preso e banido do Brasil em 1969 durante a ditadura militar.
Exilado no México, foi redator do jornal Excelsior e, depois, seu correspondente e de O Estado de S. Paulo em Buenos Aires, Argentina, e em Lisboa, Portugal. Na volta do exílio, foi editorialista de O Estado de S. Paulo.
Flávio Tavares (Foto: acervo TVE-RS)
É autor de seis livros, dois deles, Memórias do esquecimento (L&PM, 2012) e O dia em que Getúlio matou Allende (L&PM, 2014), receberam o Prêmio Jabuti de Literatura. Flávio é articulista dos jornais O Estado de S. Paulo e Zero Hora. Participou ativamente do movimento da Legalidade (1961).
É graduado em Jornalismo e em História pela PUCRS, doutor em Sociologia pela Université Paris V René Descartes. É professor titular da PUCRS, onde atua na área da Sociologia da mídia, política, história e imaginário. Tradutor, romancista, radialista e cronista, foi correspondente na França, de 1993 a 1995, do jornal Zero Hora.
Juremir Machado da Silva (Foto: Matinal Jornalismo)
Entre suas publicações, destacamos: Anjos da perdidão, futuro e presente na cultura brasileira (Sulina, 1996), Getúlio (Record, 2004), História regional da infâmia: o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras (L&PM, 2010), 1930, águas da revolução (Record, 2010), Vozes da Legalidade, política e imaginário na era do rádio (Sulina, 2011), A sociedade 'midíocre', passagem ao hiperespetacular: o fim do direito autoral, do livro e da escrita (Sulina, 2012), Jango, a vida e a morte no exílio (L&PM, 2013), Raízes do conservadorismo brasileiro (2017) e A memória e o guardião (2020). É colunista diário do site Matinal Jornalismo.
É professor credenciado no PPG em História da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e da Universidade Federal Fluminense – UFF. É doutor em História Social pela Universidade de São Paulo – USP e pesquisador no CNPq nível 1B. Tem desenvolvido pesquisas em Brasil Republicano nos enfoques oferecidos pela História Cultural e História Política.
Jorge Ferreira (Foto: acervo UFF)
Entre os livros mais recentes publicados, destacamos Elisa Branco: uma vida em vermelho (Civilização Brasileira, 2023), O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Segunda República (1930-1945) (Civilização Brasileira, 2019), A República no Brasil: trajetórias de vida na ditadura e na democracia (EDUFF, 2019) e O Rio de Janeiro os jornais: ideologias, culturas políticas e conflitos sociais (1889-1930) (7 Letras, 2017).
A importância do Movimento da Legalidade é reconhecida por muitos historiadores, antropólogos, sociólogos e até mesmo políticos da velha-guarda. Para o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, fazer memória deste Movimento é recuperar uma experiência em que a resistência salvaguardou a democracia de um país. “Ali estava, sem dúvida, deixando-se vislumbrar, o Povo mobilizado. Por que o Povo? Porque não há estatística que cubra aqueles 100 mil, e os demais que passaram a se espalhar pela cidade, levando bandeiras, panfletos e palavras aladas conclamando a defesa da Legalidade”, enfatiza o jornalista e escritor Flávio Aguiar, em artigo reproduzido pelo IHU.
É por isso que anualmente, no mês de agosto, o IHU dedica um espaço para revolver esse passado e pensar no presente à luz desta experiência pregressa. Assim, ao longo dos anos temos acumulado uma série de materiais de olham para o Movimento da Legalidade sob diferentes aspectos.