18 Junho 2010
Um dos bairros mais violentos do país, o Guajuviras, em Canoas/RS, vai receber o primeiro projeto do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, que visa integrar comunicação e cidadania para que a identidade violenta do bairro seja transformada com boas notícias. “Teremos, portanto, um observatório de comunicação cidadã, a Agência da Boa Notícia, que vai oferecer oficinas e, por fim, os participantes vão produzir notícias para rádio, televisão, fazer fotos”, explica a coordenadora do PPG em Comunicação da Unisinos, que vai realizar a organização pedagógica da ação, Christa Berger.
Em entrevista à IHU On-Line, por telefone, Christa explicou como o projeto começou e como ele atuará dentro do bairro. “Você é moradora de um lugar que é identificado como um lugar ruim, feio, violento e, de repente, você tem a oportunidade de buscar histórias exemplares. Não as que a Globo define como exemplar que é o cara bem sucedido, mas no sentido de alguém que vive corretamente num lugar que não é propiciador desse viver”, explica.
Christa Berger é doutora em comunicação pela Universidade de São Paulo, e pós-doutora pela Universitat Autònoma de Barcelona. Atualmente, coordena o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – No que consiste esse projeto que será realizado no bairro Guajuviras, em Canoas, e envolve o PPG em Comunicação da Unisinos?
Christa Berger – Essa história nasceu com o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que disponibilizou um financiamento grande para cidades que têm zonas de alto índice de violência. O projeto implica em ações “pesadas” de segurança e precisa ser acompanhado por trabalhos que incidam numa mudança de comportamento, focando, principalmente, nos jovens. Então, Canoas faz parte desse projeto.
O prefeito de Canoas é jornalista e é assessorado por uma pessoa que tem doutorado em Comunicação e Cidadania. Assim, Canoas é a única cidade cujo projeto está voltado à Comunicação. A maioria dos projetos do Pronasci envolve artes, música, inclusão digital, mulheres etc. Dentro do projeto Educação para Cidadania, como nosso PPG tem uma linha de pesquisa sobre comunicação e cidadania e uma linha específica do jornalismo e, dentro dessa linha, temos discussões sobre jornalismo e cidadania, fizemos um projeto que se refere à produção de boas notícias. Teremos, portanto, um observatório de comunicação cidadã, a Agência da Boa Notícia, que vai oferecer oficinas e, por fim, os participantes vão produzir notícias para rádio, televisão, fazer fotos.
Vamos montar laboratórios, estúdio de TV e rádio, todo um sistema de Internet para buscar informações sobre o Guajuviras e sobre os projetos do Pronasci. Essa produção visa contribuir para a autoestima das pessoas da comunidade, uma vez que elas poderão ver que, no Guajuviras, existem acontecimentos positivos. A produção de boas notícias permite que a população do lugar se veja de outra forma. Hoje, as notícias que circulam na imprensa sobre o Guajuviras são negativas. Nós vamos buscar reverter essa situação. Além disso, esse projeto vai permitir também uma profissionalização, um domínio de um conhecimento técnico. Eventualmente, algumas pessoas podem vir a trabalhar na área de comunicação.
pessoas da comunidade, uma vez que elas poderão ver
que, no Guajuviras, existem acontecimentos positivos"
A Agência da Boa Notícia vai trabalhar produzindo notícias para fora, ou seja, para outros veículos da cidade e região. Nesse momento, estamos fazendo um levantamento de redes sociais existentes que vão receber essas informações. Vamos ter nosso site também. Tudo isso para mostrar que o Guajuviras é um dos lugares violentos do Brasil que foi escolhido para ser o Território da Paz através de um sistema de segurança mais rigoroso e atividades que contribuam para que os jovens encontrem outro caminho, e não o que está legitimado em relação ao lugar.
IHU On-Line – E como esse projeto pode mudar a concepção e a vida dessas pessoas que têm uma ligação com a onda de violência e drogas comum no bairro?
Christa Berger – Não é o jornalismo em si. Há toda uma ambiência de mudanças que precisam acontecer. Um dos elementos é o jornalismo. Aprender a buscar uma informação pode reverter uma compreensão de notícia. E nós como professores também aprendemos e ensinamos. O que é o critério de noticiabilidade? É o acontecimento que interrompe a ordem natural das coisas. Esse é o conceito de notícia. E nós vamos trabalhar as notícias que saem de um cotidiano de normalidade. Então, vamos buscar histórias de vida, fazer perfis das pessoas do bairro.
lugar ruim, feio, violento e, de repente, você tem a oportunidade de buscar histórias exemplares"
Você é moradora de um lugar que é identificado com um lugar ruim, feio, violento e, de repente, você tem a oportunidade de buscar histórias exemplares. Não as que a Globo define como exemplar, que é o cara bem sucedido, mas no sentido de alguém que vive corretamente num lugar que não é propiciador desse viver. Imagino que isso possa ser já um bom motivo para pensar o jornalismo contribuindo para reverter a posição desse sujeito de baixa autoestima, de não reconhecer coisas positivas no lugar onde vive. E, depois, dar visibilidade a isso, poder publicar, aprender a escrever, relatar e narrar isso, mostrar em fotografia são formas de poder contribuir um pouco com esse grande projeto.
IHU On-Line – Que frentes serão feitas nesse projeto?
Christa Berger – Nós temos oficinas de Internet, rádio, fotografia, web, vídeo documentário e uma oficina de prática jornalística que seria o trabalho, justamente, de produzir pautas. Essas são as frentes para produzir em diferentes formatos para irem para o Youtube e nosso site. Ao final, teremos um documentário bacana de toda essa experiência. Uma espécie de etnografia do projeto em forma dessa narrativa.
IHU On-Line – Quando o projeto começará?
Christa Berger – Estamos, nesta fase, arrumando, construindo condições para o lugar onde será a sede da Agência da Boa Notícia. Teremos boas instalações para os estúdios, localizados num apartamento em frente à rótula de entrada do bairro. As oficinas começam em agosto e duram 12 meses.
IHU On-Line – Quem fará parte dele?
Christa Berger – São jovens de 15 a 24 anos. Eles precisam estar estudando e demonstrar interesse. Vamos começar a divulgar o projeto nesta semana, nas escolas do bairro. Lá eles poderão fazer a inscrição. Podemos ter até 200 participantes em diferentes atividades e turnos. Vamos trabalhar de segunda à quinta-feira, nos turnos manhã e tarde.
IHU On-Line – Qual a importância de se mostrar, em lugares como o Guajuviras, a realidade de dentro para fora?
Christa Berger – Basicamente a importância, neste caso, é o fazer e buscar essa notícia. Não é só dar uma
Guajuviras |
informação para fora, mas sim ser protagonista, sujeito dessa busca pela informação. A expectativa também é que, através do olhar do outro sobre si, isso também contribua para que o Guajuviras enfrente o estereótipo longamente trabalhado. Poder fazer esse movimento de transformação de dentro para fora, vendo ela divulgada, recebendo com surpresa a reação de outras pessoas contribui para a transformação do bairro.
IHU On-Line – Quais as diferenças entre esse tipo de comunicação e a comunicação convencional?
Christa Berger – Tem um viés que é o do jornalismo cidadão, que também pode ser produzido pelos cidadãos e não apenas pelos profissionais. Essa é uma diferença muito questionada. O que nós vamos fazer não substitui o jornalismo da grande imprensa. Este é um jornalismo que também precisa existir, tem uma cultura profissional e uma função na sociedade. O que nós vamos fazer é um jornalismo que permite que o sujeito que vive naquela situação aprenda a descrevê-la, busque espaços para divulgá-la e seja capaz, através disso, de aprender o modo como a imprensa produz a informação.
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Um jornalismo cidadão para o Guajuviras. Entrevista especial com Christa Berger - Instituto Humanitas Unisinos - IHU