Sobre a formação dos presbíteros católicos. Artigo de Riccardo Larini

Foto: Cathopic

07 Junho 2022

 

"A pergunta que faço, com muita sinceridade, é: como é concebível formar ministros que não sejam intrinsecamente clericais, no pior sentido do termo? Mas sobretudo, ao fazê-lo, não se corre o risco de substituir a tensão à escuta dinâmica daquilo que o Espírito não cessa de dizer em todo tempo e lugar às igrejas e às consciências individuais com a afirmação de um núcleo rígido e intocável de doutrinas que não levam em conta como o mundo evolui (não contra Deus, mas por sua própria vontade!)? Os sacerdotes não são transformados na casta guardiã de um mistério ao qual só ela tem acesso privilegiado?", escreve Riccardo Larini.

 

Ricardo Larini é graduado em Física Matemática, com estudos teológicos na Comunidade de Bose, onde foi monge por 11 anos, e em Cambridge. É especializado na formação da identidade cristã no primeiro século e na história e teologia do diálogo ecumênico. Profissionalmente, trabalha com inteligência artificial aplicada à educação.

 

O artigo foi publicado no blog do autor, 03-05-2022, e inspirado no editorial publicado no blog Viandanti, 29-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

As reflexões que esboço a seguir são as de um "diversamente cristão", que considera Jesus de Nazaré uma referência central e fundamental, sem considerar, por outro lado, a qualquer igreja ou confissão cristã como a única expressão plena ou própria do cristianismo. Tal premissa torna-se necessária para compreender esta intervenção, muito livre e de certa forma "de fora" e sem qualquer pretensão de ser definitiva, sobre alguns pontos essenciais da formação dos futuros presbíteros da Igreja Católica.

 

Para poder contribuir para um tema desse tipo, é fundamental compreender como, desde o Concílio de Trento, a natureza do sacerdócio ministerial e a formação dos candidatos ao seu exercício sempre tiveram contornos muito precisos e sempre foram concebidos em conjunto, como é correto.

 

O cânon 18 da 23ª Sessão do Concílio de Trento fornece de várias maneiras indicações sobre o perfil ideal e a formação dos futuros ministros ordenados: devem ser jovens formados para "fugir dos prazeres do mundo" e levar uma vida à insígnia de "piedade e religião". Por isso, são criados seminários, com o duplo propósito de separar desde a mais tenra idade um número adequado de adolescentes (nos seminários "menores"), entre os quais identificar os candidatos adequados à formação adequada para o ministério (nos seminários "maiores"). O critério fundamental de seleção para os futuros sacerdotes é a escolha entre aqueles que, além de saber ler e escrever, mostrem por "índole e vontade" estar sempre "a serviço de Deus e da Igreja". Os pilares de sua formação são a liturgia, a Escritura e as homilias e a vida dos santos.

 

O sistema tridentino tem sua própria coerência: em um contexto substancialmente cristão - ainda que com a Reforma Protestante para complicar a situação em relação ao cristianismo medieval - e dada a necessidade do celibato eclesiástico imposto pela reforma gregoriana do século XI, para ter ministros fiéis em seus serviço se opta por separar logo do mundo um número considerável de adolescentes para serem moldados segundo os ditames do que poderíamos definir como uma "casta", com vida e regras próprias, funcional tanto à instituição eclesiástica como à gestão pastoral das paróquias, modalidade fundamental de presença eclesial segundo o próprio Concílio de Trento.

 

Apesar das convicções de muitos, os concílios subsequentes - em primeiro lugar o mais recente Vaticano II - não só nunca mudaram a visão fundamental do ministério presbiteral amadurecido em Trento, como de certa forma a tornaram ainda mais definida, clara e abrangente (e, portanto, de uma forma ou de outra, "clerical"). Esta última observação é corroborada pelo fato de que, além de reiterar o papel dos presbíteros ao serviço de Deus (o culto) e da Igreja (o ministério pastoral), todos os documentos mais importantes originados pelo Vaticano II em diante (sobretudo os decretos conciliares Presbyterorum Ordinis sobre o ministério sacerdotal e Optatam Totius sobre a formação sacerdotal, bem como a exortação apostólica Pastores Dabo Vobis de João Paulo II) insistiram em um papel extremamente exigente para os presbíteros católicos, que seriam os únicos a quem competem em plenitude os três munera, que são a função de ensinar, santificar e governar na igreja.

 

Além disso, o magistério católico tem reiterado constantemente a obrigação do celibato para o clero latino (para o das igrejas católicas orientais, pode-se admitir ao presbitério se já casados, mas uma vez ordenados como celibatários, não se pode mais contrair casamento). Ao fazê-lo, não deixou de sublinhar como a "virgindade consagrada a Cristo" (uma escolha terminológica questionável e rica em outras nuances) é considerada superior a qualquer outra forma de vida cristã (Optatam Totius 10), talvez reforçando de forma decisiva a "sacralização" da figura dos sacerdotes católicos.

 

A verdadeira novidade dos documentos eclesiais conciliares e pós-conciliares, porém, é a introdução cada vez mais forte da ideia de "vocação", entendida não tanto e não mais como chamado de indivíduos reconhecidos como confiados pelo corpo eclesial para assumir uma função pastoral e de serviço ao culto, mas sim como o reconhecimento pela hierarquia eclesial de um chamado individual percebido pelos candidatos em sua consciência. Além disso, dada a obrigação católica do celibato, seria difícil, em época moderna, pensar de outra forma, embora fosse o caso da igreja antiga (e assim ainda aconteça em algumas igrejas não católicas).

 

Quanto à estrutura da formação nos seminários, para além da eliminação ou pelo menos da redução acentuada dos seminários menores, as alterações foram mínimas e incidiram apenas no acréscimo de alguns elementos "humanos" à formação tradicional, juntamente com uma formação muito mais substancial e ambiciosa dos estudos teológicos necessários para ser admitidos à ordenação presbiteral.

 

A grande dificuldade representada pela obrigação do celibato em uma sociedade em que os padres não usufruem mais de proteções sociais e na qual ocorreu uma revolução no modo de pensar e viver a sexualidade humana levou a invocar em princípio um fortalecimento da formação para a maturidade humana dos seminaristas. Apesar disso, não são poucas as pesquisas sociológicas que têm revelado um enorme número de problemas nunca realmente abordados na área da sexualidade dos padres, uma espécie de iceberg cuja parte visível na superfície - as graves patologias psicológicas ligadas à sexualidade de um número não indiferente de sacerdotes - é apenas uma fração do que deveria ser enfrentado.

 

No campo dos estudos teológicos, a orientação fundamental permaneceu "dialética" e tornou-se cada vez mais "apologética". Dialética, uma vez que toda disciplina não estritamente teológica (da filosofia, à psicologia e à história) continua sendo ensinada mais para ajudar a "desmascarar os erros" do mundo não católico e não religioso, e conferir bases “sólidas e perenes” onde alicerçar o estudo da revelação cristã, do que para favorecer um livre e completo crescimento das faculdades críticas próprias de cada ser humano. Apologética, porque embora da "verdade" - que na mens dos escritos magisteriais parece ser muito mais um conjunto de verdades éticas e antropológicas do que Jesus Cristo e seu senhorio - também se diz que devemos ensinar a buscá-la, tal busca parece inteiramente finalizada a penetrá-la para poder demonstrá-la (Optatam Totius 15); não é por acaso que também no caso da doutrina católica (Optatam Totius 16) se enfatiza que a tarefa fundamental dos sacerdotes católicos seja anunciá-la, expô-la e defendê-la.

 

Em suma, a intenção que emerge claramente das orientações magistrais é a de formar ministros ordenados que sejam consagrados (portanto, em certa medida separados do resto do corpo eclesial, numa relação particular com o sagrado), aos quais são conferidas de forma única ("plena", ao contrário do que acontece para o sacerdócio de todos os fiéis) as três funções de ensinamento, santificação e governo da Igreja, que tenham a obrigação do celibato e que sejam fundamentalmente os defensores de uma verdade adquirida uma vez para sempre (apesar de serem convidados a não ser hostis ao mundo). Para cumprir uma missão tão ambiciosa, acredita-se que um longo tempo de "segregação" do mundo nos prédios dos seminários seja a solução ainda hoje ideal.

 

A pergunta que faço, com muita sinceridade, é, portanto: como é concebível formar assim ministros que não sejam intrinsecamente clericais, no pior sentido do termo? Mas sobretudo, ao fazê-lo, não se corre o risco de substituir a tensão à escuta dinâmica daquilo que o Espírito não cessa de dizer em todo tempo e lugar às igrejas e às consciências individuais com a afirmação de um núcleo rígido e intocável de doutrinas que não levam em conta como o mundo evolui (não contra Deus, mas por sua própria vontade!)? Os sacerdotes não são transformados na casta guardiã de um mistério ao qual só ela tem acesso privilegiado?

 

Os amigos católicos se perguntarão: em um quadro desse tipo é possível mudar algo seriamente sem renunciar a permanecer fiel à confissão católica ou sem transtornar a doutrina? O debate está obviamente aberto, e minha resposta mais sincera seria que sem mudanças doutrinais não será realmente possível erradicar o clericalismo, nem será fácil adaptar as formas dos ministérios eclesiais às reais exigências do Evangelho e dos nossos contemporâneos. Dito isso, algumas praxes agora parecem inevitáveis.

 

A primeira é o repensamento radical do lugar onde os futuros presbíteros são formados, ou seja, o seminário. Já não faltam estudos que confirmem como o refúgio representado pela atual forma segregada e protegida dos seminários, longe de atrair as personalidades mais sólidas e adequadas ao exercício do ministério presbiteral, constitui na realidade um ímã ótimo para pessoas imaturas em busca de seguranças e compensações possibilitadas muito mais por um status e pelas proteções próprias de uma casta do que por um real caminho de crescimento humano. Se somarmos a isso a fobia de ficar sem padres que atinge a grande maioria das dioceses católicas, entendemos por que na realidade quase não há nenhum filtro nem antes de acessar os seminários, nem durante os caminhos de formação que eles propiciam.

 

Para aqueles que consideram que qualquer formação não residencial e não em tempo integral dos futuros ministros ordenados levaria a um enfraquecimento da preparação teológica, na realidade deve-se notar que atualmente, dada a escassez de candidatos, qualquer pessoa pode completar os estudos previstos, independentemente da competência adquirida e do empenho profuso. Basicamente é proibido “rodar” os seminaristas... Por isso, apesar de cinco anos teóricos dedicados à teologia, a preparação de base dos sacerdotes atuais é extremamente limitada e deficiente, tanto em termos de cultura geral como teológica.

 

Para além dessas considerações honestas e brutais, porém, permanece o fato de que em nenhum lugar está escrito que, na Igreja, um alto nível de preparação teológica deve ser prerrogativa dos sacerdotes (a quem se pede ao mesmo tempo que sejam administradores de bens, guias litúrgicos e pastores de almas). Seria, portanto, honesto rever radicalmente o currículo de estudos necessários para acessar à ordenação presbiteral, libertando-se da obsessão de tornar os ministros ordenados impossíveis (e decididamente improváveis) especialistas em tudo. Num mundo complexo, que exige uma multiplicidade de competências, em vez de pensar o sacerdote como a suma de toda teologia dogmática ou prática, seria muito mais apropriado criar espaços oportunos para a formação teológica integral para os leigos (com a vantagem "colateral" de realmente enfraquecer o clericalismo que domina hoje na igreja).

 

As verdadeiras perguntas a serem feitas são, portanto: que ministérios são necessários na igreja hoje? Que papel realista e não abrangente pode ser atribuído aos sacerdotes (e a qualquer outra forma de ministério)? É realmente necessário manter a obrigação do celibato? Só assim será possível determinar claramente novos caminhos de formação.

 

Porque enquanto a obrigação do celibato perdurar - admitido e não concedido que seja realmente possível vivê-lo de maneira definitiva na vida humana, como um "dom" e não como um jugo mais cedo ou mais tarde insuportável - será necessário aceitar que há bem poucas pessoas (além disso, apenas do sexo masculino, com todos os desvios patriarcais ligados a tal escolha...) adequadas para vivê-lo frutuosamente em uma vida "presbiteral", e por isso será necessário pensar em uma igreja com muito menos presbíteros (e muitos outros ministérios complementares).

 

Ao consequente considerável escrutínio dos candidatos ao sacerdócio, baseado no reconhecimento, em minha opinião, muito difícil em qualquer caso da existência de uma verdadeira "vocação" celibatária, será acompanhado por uma formação humana muito mais sólida e menos hipócrita do que a fornecida hoje, especialmente em temáticas como aquelas aferentes à sexualidade humana. E talvez seja preciso aceitar e estudar mais o fenômeno dos "abandonos" do sacerdócio, que muitas vezes envolve pessoas que serviram o próximo em profundidade, por muito tempo e com dedicação total, e que se encontram estigmatizadas e fortemente marginalizadas por causa de suas novas escolhas de vida.

 

Provavelmente, no entanto, o questionamento sério do "sistema seminário" – que mesmo assim não contém todas as respostas necessárias - provavelmente será suficiente para iniciar pelo menos um caminho virtuoso de repensamento, tanto em nível local como universalmente, dos muitos problemas que caracterizam a formação atual dos futuros sacerdotes.

 

Leia mais