Ainda há espaço para a missão do padre? Artigo de Giannino Piana

21 Setembro 2021

 

É preciso repensar o exercício do papel sacerdotal, abandonando atos de substituição, que muitas vezes se tornaram exorbitantes, para deixar a sua gestão a cargo dos leigos e concentrar a atenção naquilo que é verdadeiramente específico e essencial, isto é, o serviço à edificação da comunidade na perspectiva de uma comunhão que tem o seu momento mais alto na celebração eucarística.

 

A opinião é do teólogo italiano Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas. O artigo foi publicado em Viandanti, 17-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o artigo.

 

A figura do padre se tornou hoje anacrônica. São muitos os fatores que contribuíram (e contribuem) para provocar tal situação. O principal, sem dúvida, consiste no avanço do fenômeno da secularização (que se transformou em muitos casos em secularismo) que torna evanescente todo sentimento religioso.

Deus não é contestado – como ocorria com o ateísmo do século XIX –, mas é, simplesmente, ignorado. D’Ele, só restam estéreis vestígios de um passado no qual o que predominava, segundo muitos, era uma visão mítica da realidade do mundo e da vida – a neoiluminista – radicalmente repudiada por uma forma de racionalidade abrangente e hoje sobretudo pelos sucessos da ciência e da tecnologia, que assumem um caráter de sacralidade e de absolutez, até se configurarem como a “nova religião”.

 

A percepção da inutilidade do papel do padre

 

No contexto dessa cultura, o padre aparece como o portador de uma visão arcaica da existência, destituída de toda credibilidade. As pesquisas sociológicas sobre a “religiosidade” dos italianos confirmam a verdade dessa suposição.

O mundo juvenil, que representa o futuro da nossa sociedade, não só está completamente ausente da prática religiosa, mas não é mais sequer afetado pela pergunta sobre Deus e sobre o além. Os jovens vivem, em sua grande maioria, “como se Deus não existisse”, e não sentem nenhum mal-estar nisso. A sua vida tem outras referências, e a demanda de sentido, quando surge, recebe respostas suficientes na adesão a critérios de valor (ou pelo menos assim considerados) de ordem mundana.

Portanto, não há espaço para a lógica evangélica, que se apresenta como alternativa e contracorrente, e o seu anúncio, que tem no padre o seu mensageiro mais direto, corre o risco de cair totalmente no vazio. A justa reivindicação da autonomia das realidades terrenas, assumida aliás pela Igreja com a celebração do Vaticano II, é cada vez mais interpretada em termos de autossuficiência radical, com a rejeição de qualquer referência religiosa (e muitas vezes até ética) em nome da emancipação do ser humano e da sua libertação de todas as formas de alienação, inclusive a decorrente da adesão à religião.

 

Um ser humano à deriva da solidão

 

Essa situação descrita nos tons mais escuros, sem levar em conta a presença de fenômenos positivos, mesmo que minoritários, que merecem atenção em todo o caso, constitui, no entanto, no seu conjunto, o cenário predominante sobre o qual a atividade do padre deve ser exercida.

O que tem um peso decisivo nessas mudanças não é apenas a perda de todos os papéis sociais de que o padre gozava no passado, mas também a distância que ele sente que se criou entre ele e as pessoas, que não só abandonaram a prática tradicional de participação na missa dominical, e – embora com menor intensidade – também o recurso aos ritos que, no passado, marcavam os momentos mais significativos da exigência, do nascimento à morte.

De fato, assiste-se a uma consistente (e contínua) diminuição dos batismos, das primeiras comunhões, das crismas e dos casamentos (sem falar da confissão, que já parece ser uma prática fora de uso). Um verdadeiro colapso da prática religiosa, que permaneceu como um legado da população idosa que vai desaparecendo progressivamente.

Tudo isso provoca nos padres uma inevitável sensação de frustração, acentuada por um estado de solidão, que em muitos casos encontra um desafogo na busca de compensações afetivas vividas na clandestinidade e, portanto, por sua vez, frustrantes, por serem fruto de acomodações que ocorrem no sinal da duplicidade; ou, inversamente, em formas de encastelamento, com a suposição de uma atitude de rejeição de tudo o que foi produzido pela modernidade; rejeição que se traduz na dedicação a práticas sacrorrituais – pensemos na ênfase dada a formas exteriores na celebração litúrgica – ou provoca o retorno a hábitos do passado – é sintomático o retorno ao uso da batina –, que, além de oferecerem uma segurança aparente, expressam a vontade explícita de não se contaminarem com o mundo, considerado como fonte de perigo.

 

Ainda há espaço para a missão do padre?

 

A pergunta que surge então é: ainda há espaço para a missão do padre? E, se há, como é possível recriá-la?

A resposta à primeira interrogação, em minha opinião, é positiva. Apesar de tudo o que foi destacado, não há dúvida de que está presente também na consciência do ser humano contemporâneo uma necessidade religiosa, muitas vezes latente, que é preciso fazer com que emerja com paciência, dando testemunho acima de tudo, não apenas individual, mas também comunitário, da atualidade da proposta evangélica.

A partir desse ponto de vista, a passagem de uma Igreja de massa, própria do regime de cristandade, para uma Igreja que tem cada vez mais as conotações de pusillus grex, se por um lado tira garantias institucionais, por outro favorece a possibilidade de um retorno às origens, isto é, da recuperação da mais genuína tradição cristã.

Não menos importante, além disso, permanecendo na visão da Igreja, é a definição de “povo de Deus” oferecida pelo Vaticano II, com a passagem de um conceito piramidal com a hierarquia no topo a uma concepção que identifica a Igreja com a comunidade dos fiéis que têm dignidade igual em razão do batismo que os torna partícipes do sacerdócio profético e real de Cristo.

A partir dessas duas viradas significativas – uma sociológica e outra eclesiológica – surgem indicações preciosas para uma profunda revisão da missão presbiteral.

 

Um espaço a ser recriado

 

Por um lado, o que se põe em discussão é a preocupação de uma ação sacramental generalizada que alcance o maior número de pessoas – Deus, observam os profetas, não sabe o que fazer com um culto material que não é acompanhado pelo exercício da justiça, isto é, que não se reflete nas opções da vida cotidiana – para abrir espaço para uma obra de evangelização que vise a chegar a um número talvez restrito de pessoas que se empenham em assumir concretamente a lógica evangélica.

Por outro lado, obriga a repensar o exercício do papel sacerdotal, abandonando atos de substituição, que muitas vezes se tornaram exorbitantes, para deixar a sua gestão a cargo dos leigos e concentrar a atenção naquilo que é verdadeiramente específico e essencial, isto é, o serviço à edificação da comunidade na perspectiva de uma comunhão que tem o seu momento mais alto na celebração eucarística.

Isso implica como condição prioritária a plena inserção do padre na vida da comunidade. Isso só pode ocorrer quando a escolha da pessoa chamada a exercer tal ministério ocorre no interior da comunidade e por parte dela. O fato de ser catapultado de fora – como ainda ocorre normalmente hoje – dificulta a inserção e corre o risco de fazer com que o padre seja percebido como um “corpo estranho” imposto de cima, não plenamente inserido, portanto, no contexto ambiental no qual está destinado a atuar.

Além disso, tal inserção só pode ocorrer sobretudo onde o critério que preside a escolha é a presença como requisito fundamental, a capacidade de criar comunidade, ou seja, de tecer e consolidar relações mútuas, superando as resistências negativas e desenvolvendo formas de solidariedade e de fraternidade que favoreçam a participação e a cooperação.

 

Uma situação ainda ambígua

 

Os padres hoje estão alinhados com essa visão, além disso sugerida, nas suas linhas essenciais, pela eclesiologia do Vaticano II? O processo formativo proposto corresponde adequadamente ao exercício das tarefas referidas? E, por fim, que projeto pastoral lhes é proposto pelas Igrejas locais?

A resposta a essas perguntas não é fácil. A primeira dificuldade está ligada ao perfil daqueles que entram no presbitério.

A redução cada vez mais consistente na Itália (e mais em geral no Ocidente) do número dos candidatos a esse ministério é acompanhada por uma mudança bastante radical da figura daqueles que entram no seminário. O desaparecimento, quase por toda a parte, do seminário menor envolveu (e envolve) uma mutação na tipologia dos seminaristas, que são em sua grande maioria jovens em adolescência avançada, graduados ou pós-graduados, que provêm de experiências eclesiais anteriores realizadas em movimentos e/ou associações, e que, por isso, já realizaram um itinerário formativo e espiritual.

A isso é preciso acrescentar – e não é algo trivial – que, nas últimas décadas, o número cada vez menor de seminaristas italianos tem sido acompanhado por um crescimento constante de seminaristas estrangeiros, provenientes particularmente do Terceiro MundoÁfrica, América Latina e países do Leste Europeu – e, portanto, com visões culturais diversas, que se refletem também na ideia da missão da Igreja e do exercício do ministério presbiteral.

Apesar de uma certa renovação dos seminários ocorrida no pós-Concílio, tanto no nível cultural quanto espiritual, as dificuldades mencionadas persistem. De fato, não é raro assistir – como já se lembrou – regressos involutivos e regurgitações integralistas, ou seja, a assunção de atitudes defensivas e de fechamento muitas vezes motivadas por uma fragilidade psicológica, que leva a procurar apoios exteriores para a tutela da própria identidade.

 

As prioridades do Papa Francisco

 

A extrema fluidez da situação atual – a liquidez a que Bauman alude também se verifica nesse nível – torna impossível prefigurar como será a fisionomia do padre nos próximos anos.

As observações feitas não parecem dar espaço para um grande otimismo. O delineamento de como deve ser essa fisionomia, dos traços que deveriam qualificá-la, é mais fácil. A nucleação desses traços tem sido uma das maiores preocupações do Papa Francisco nestes anos do seu pontificado. Ele interveio várias vezes para indicar o perfil do presbítero, indicando, de vez em quando, aspectos diferentes e complementares.

Nesse sentido, há três prioridades evidenciadas pelo pontífice.

A primeira é a capacidade de se identificar com as situações existenciais das pessoas, compartilhando as suas alegrias e os seus esforços cotidianos – o Papa Francisco destaca a importância de “sentir o cheiro das ovelhas” – e assim se tornando partícipes do mistério da Encarnação.

A segunda prioridade consiste na escolha da pobreza como sobriedade de vida e como renúncia a toda tentação de poder, de modo a conquistar aquela liberdade interior que permite se tornar plenamente solidário com o mundo dos pobres e se comprometer com a sua libertação.

A terceira prioridade, enfim, é a retomada de uma espiritualidade autêntica, não formal ou devocional, mas caracterizada por uma forte tensão mística, capaz de interpretar a necessidade de transcendência que habita ainda hoje o coração de muitos e, assim, de se tornar testemunha credível do mistério de Deus.

Essas são as condições preliminares que devem ser postas na base do exercício do próprio ministério e que, cumpridas, dão eficácia à ação pastoral, isto é, à capacidade de tornar transparente a novidade e a beleza da mensagem do Evangelho.

 

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