Vozes de Emaús: Cuidar da Casa Comum e da Democracia é luta de todo dia. Artigo de Marcelo Barros

Arte: Laurem Palma | IHU

03 Setembro 2025

"É cada vez mais urgente a inserção amorosa dos educadores e educadoras nas periferias da vida. É urgente que o Grito dos Excluídos e Excluídas se torne não apenas um evento momentâneo, mas um processo ou movimento que reúna os grupos empobrecidos do campo e da cidade, povos indígenas e juventudes, em uma só caminhada, de luta pacífica pelos direitos da humanidade e da Mãe-Terra, das águas e da vida".

O artigo é de Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e escritor. Assessora movimentos sociais e comunidades eclesiais de base e é membro da Comissão Teológica da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo.


Marcelo Barros (Foto: Arquivo pessoal)

O presente texto integra a coluna Vozes de Emaús, que conta com contribuições semanais dos membros do Grupo Emaús. Para saber mais sobre o projeto, acesse aqui

Eis o artigo.

Esse é o tema do 31º Grito dos excluídos e excluídas 2025. Em todo o Brasil, o Grito ocorre no dia 7 de setembro para mostrar que a nossa independência formal ainda precisa se tornar efetiva e real, principalmente,  para o povo empobrecido. Adianta pouco o Estado ser independente, se a maioria do povo não tem acesso aos elementos básicos que nos tornam livres: educação, saúde, trabalho digno e, claro, autossuficiência alimentar.

Entre os países de todo o mundo, o Brasil ainda ostenta um dos piores índices de desigualdade social. Além disso, em toda sociedade, o racismo estrutural naturaliza as desigualdades e se organiza de forma a excluir sempre mais  a maioria empobrecida do povo brasileiro, principalmente, a população negra e indígena. Enquanto o salário mínimo é de 1518 reais e muita gente da população não ganha nem esse salário, um deputado federal ganha R$ 46.366, além de todos os benefícios inerentes ao cargo. Essa casta que reúne alguns dos mais ricos do agronegócio têm de dificuldade de isentar do imposto de renda quem ganha menos de cinco salários mínimos.

A independência verdadeira e profunda só virá através da mobilização de toda classe trabalhadora e das pessoas que o Papa Francisco afirmava serem tratadas como descartáveis pelo sistema dominante.

Por isso, desde 1995,  a partir da 2ª Semana Social Brasileira, na data da independência do Brasil, de norte a sul do país, ocorrem os eventos do Grito dos Excluídos e Excluídas, iniciativa da conferência dos bispos católicos do Brasil, através das pastorais sociais e com a participação de muitos movimentos populares. Geralmente, o Grito consiste em uma concentração em alguma praça da cidade. Depois, o povo reunido expressa o tema escolhido para cada ano, na caminhada pelas ruas.

Desde o começo, um tema central se mantém permanentemente: “A vida em primeiro lugar!”. Esse tema central se expressa em uma afirmação que, cada ano, atualiza esse principio. Em 2025, o tema é “Cuidar da Casa Comum e da Democracia é a luta de cada dia”.

Ao propor “cuidar da casa comum”, o Grito recorda os dez anos da publicação da encíclica Laudato Si do saudoso Papa Francisco que, em 2015, chamava toda a humanidade à responsabilidade da Ecologia Integral. Ao ligar o cuidado ecológico com a defesa da Democracia, o Grito de 2025 se propõe a ajudar a classe trabalhadora a compreender que precisamos de uma Democracia participativa e direta, que aperfeiçoe e complete o sistema democrático que, hoje vivemos.

O Grito dos Excluídos e Excluídas quer mobilizar a multidão  de brasileiros e brasileiras excluídos de seus direitos básicos para expressar publicamente as suas necessidades e seus projetos de vida.

O desafio para o Grito e para todas as manifestações sociais e políticas que defendem a causa do povo é como dialogar com os setores mais excluídos da sociedade. Infelizmente, nas periferias da cidade e no campo, são os meios de comunicação de massa que mais formam a sensibilidade e a opinião pública. As redes de televisão e canais de comunicação mais escutados pertencem a famílias muito ricas e expressam os interesses desse grupo que, muito apropriadamente, Jessé de Souza chama de “elite do atraso”. Assim, na mente e na cultura dos grupos mais oprimidos se instala o vírus da alienação e as pessoas mais carentes raciocinam e agem conforme os interesses do opressor. Motoristas de uber, por mais explorados que sejam, se sentem como empreendedores, caminhoneiros apoiam políticos de direita e moradores de periferia não se interessam por organizações de base.

Em 1961, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criou o Movimento de Educação de Base (MEB) para promover a alfabetização e a conscientização de populações rurais no Brasil. Por todo o Brasil, o MEB criou uma rede de rádio que transmitia escolas radiofônicas que visavam a promoção humana integral. Através do método Paulo Freire,  abordava questões sociais e econômicas e estimulava a ação coletiva e a superação das desigualdades. Como seria necessário hoje refundar o MEB e espalhar escolas radiofônicas libertadoras pelo Brasil inteiro.

No dia 15 de outubro de 2020, o Papa Francisco lançou o que ele chamou de Pacto Educativo Global. Era uma convocação para que, no mundo, todas as pessoas, instituições, igrejas e governos priorizassem uma educação humanista e solidária como modo de transformar a sociedade. Imaginemos se, no Brasil de hoje, a Igreja Católica, com sua imensa rede de paróquias e capelas por todas as partes do país, se interessasse realmente em acolher e se comprometer com essa convocação do Papa.

É cada vez mais urgente a inserção amorosa dos educadores e educadoras nas periferias da vida. É urgente que o Grito dos Excluídos e Excluídas se torne não apenas um evento momentâneo, mas um processo ou movimento que reúna os grupos empobrecidos do campo e da cidade, povos indígenas e juventudes, em uma só caminhada, de luta pacífica pelos direitos da humanidade e da Mãe-Terra, das águas e da vida.

Como todo o processo social, o Grito deve ser, por natureza, ecumênico, porque a pobreza injusta e a exclusão social pesam sobre quem é católico e quem é evangélico, quem tem alguma religião e quem não tem nenhuma. Só por isso, o Grito já precisa garantir que todas as pessoas se sintam acolhidas na caminhada e se unam em um só grito. Além disso, o amor é sempre ecumênico e a catolicidade significa abertura a tudo o que é humano. É urgente que o Grito vá além da linguagem religiosa de uma Igreja autorreferencial, dê vez e lugar a juventudes em toda a sua diversidade, uma os justos protestos à música, à dança e ao encanto da vida. Que as tradições dos povos originários e as expressões culturais e religiosas afrodescendentes ali tenham plena cidadania. Assim, poderemos reconhecer no meio da multidão que caminha no Grito dos Excluídos e Excluídas alguém que tem muitos nomes, mas todos eles traduzem o nome AMOR.

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