15 Agosto 2025
"Poderíamos pensar que a afirmação do papado de Leão se dá por meio da calma e não da inquietação, enquanto que poderia ser que, em tal fase 'inquieta', precisamente o oposto ajudaria Leão a afirmar a si mesmo e à sua Igreja, mesmo ao custo de alguma referência ou conexão com o papa que o precedeu", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 15-08-2025.
Coisas estranhas. Em 29-07-2013, durante a coletiva de imprensa que concedeu no voo de volta do Brasil para Roma, onde havia participado da Jornada Mundial da Juventude, o Papa Francisco proferiu a famosa frase: "Quem sou eu para julgar?"
Essas palavras faziam parte de uma declaração mais ampla sobre os gays (e o lobby gay). Desde então, essa declaração tem sido corretamente interpretada como um manifesto, muito apreciado por alguns, mas duramente criticado por outros. Ele mesmo a explicou muito bem no livro Quem Sou Eu para Julgar?, editado por Anna Maria Foli. O livro começa assim: "Qual é o perigo? É presumirmos que estamos certos e julgarmos os outros...".
Na quarta-feira passada, na audiência geral, o Papa Leão XIV disse: "Estamos acostumados a julgar. Deus, porém, aceita o sofrimento. Ele não se recusa a partir o pão, mesmo com aqueles que o traem. Esta é a força silenciosa de Deus: Ele nunca abandona a mesa do amor, nem mesmo quando sabe que ficará sozinho".
Não é surpreendente que, se a primeira frase causou tanto rebuliço, esta, talvez devido ao clima geral de agosto e ao calor extremo, passe quase despercebida? Seria talvez um estratagema, uma extrapolação do texto que ignora o contexto em que foi proferida? Acho que não.
E eu não acredito nisso porque Leão não apenas se lembrou de que Jesus também partiu o pão para Judas, cujo nome ele não mencionou quando disse aos apóstolos que um deles o trairia em breve, mas ele queria nos oferecer uma reinterpretação de outra frase famosa, "Ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído", esclarecendo que "ai" em grego é um "ai", uma "exclamação de sincera e profunda compaixão".
A discussão poderia ser ampliada, visto que Leão afirmou que "a fé não nos poupa da possibilidade do pecado, mas sempre nos oferece uma saída: a da misericórdia". Mas fiquei impressionado com o ponto de partida, que é "quem sou eu para julgar?", e com o contemporâneo "estamos acostumados a julgar. Deus, porém, aceita o sofrimento".
No entanto, afirmar isso hoje é ainda mais importante, visto que vivemos em um mundo tão polarizado por tudo, onde estamos perdendo até a capacidade de ler, falar e nos ver. Não se trata apenas de doutrinalismo, mas de algo que afeta a todos nós, o nosso cotidiano. Seremos capazes de sermos, ao menos um pouco, inquietos?
O subtítulo do livro que citei, editado por Anna Maria Foli, é "Por que quero que a Igreja seja inquieta ". O Papa Francisco, de fato, falou bastante sobre a inquietação, certa vez relacionando-a à incompletude do nosso pensamento, da qual devemos estar cientes, e à imaginação, que pode abrir amplas perspectivas em espaços estreitos.
Como não notar que "inquietação" é uma palavra que aparece três vezes na primeira homilia de Leo, aquela que ele proferiu em 18 de maio durante a missa de "entronização". Primeiro, referindo-se à sua eleição: "Vindos de histórias e caminhos diferentes, colocamos nas mãos de Deus o desejo de eleger o novo sucessor de Pedro, o Bispo de Roma, um pastor capaz de salvaguardar a rica herança da fé cristã e, ao mesmo tempo, de olhar para o futuro para enfrentar as questões, as preocupações e os desafios de hoje".
Eis a segunda citação: “Em nosso tempo, ainda vemos demasiadas discórdias, demasiadas feridas causadas pelo ódio, pela violência, pelo preconceito, pelo medo do outro e por um paradigma econômico que explora os recursos da Terra e marginaliza os mais pobres. E queremos ser, dentro desta massa, um pequeno fermento de unidade, de comunhão e de fraternidade. Queremos dizer ao mundo, com humildade e alegria: olhai para Cristo! Aproximai-vos d’Ele! Acolhei a Sua Palavra que ilumina e consola! Escutai o Seu chamado de amor para nos tornarmos a Sua única família: no único Cristo, somos um. E este é o caminho que devemos percorrer juntos, entre nós, mas também com as nossas Igrejas cristãs irmãs, com aqueles que seguem outros caminhos religiosos, com aqueles que cultivam a busca incansável de Deus, com todas as mulheres e homens de boa vontade, para construir um mundo novo onde reine a paz.”
Depois, a terceira citação: “Uma Igreja missionária, que abre os braços ao mundo, que anuncia a Palavra, que se deixa perturbar pela história e que se torna fermento de concórdia para a humanidade”.
É difícil não concordar com o Padre Antonio Spadaro, agora subsecretário do Dicastério para a Cultura e Educação Católica, que em seu livro recentemente publicado, De Leão a Francisco, encontra justamente na inquietação o traço que conecta os dois pontificados.
Spadaro escreve: "Francisco lutou contra a introversão eclesial, e Leo, citando-o, reiterou: 'A Igreja é inerentemente extrovertida', e 'a autorreferencialidade apaga o fogo do espírito missionário'". De fato, com uma expressão fulminante, Prevost acrescentou: "O povo de Deus é mais numeroso do que vemos. Não definamos seus limites".
Com estas palavras, o " todos, todos, todos " de Lisboa, pronunciado com força por Francisco por ocasião da sua última participação numa Jornada Mundial da Juventude, parece entrar neste pontificado, provavelmente graças à inquietação que Leão também aqui recomendou, por ocasião de uma Jornada Mundial da Juventude, a sua primeira como papa: "Não nos assustemos, pois, se nos encontramos interiormente sedentos, inquietos, incompletos (aqui também se encontra a incompletude bergogliana), ansiando por um sentido de futuro. Não estamos doentes, estamos vivos!"
Outros se basearam evocativamente na relação entre Francisco e Leão, lembrando a relação entre o Pobrezinho de Assis e o Irmão Leão. Não sei se este é um exemplo adequado, mas acho interessante o que Fausto D'Addario escreveu em um desses textos: "A Igreja é um corpo místico, mas também uma memória viva. Os laços espirituais entre mestres e discípulos, entre carisma e instituição, são o que garante a fidelidade ao Evangelho ao longo do tempo. Francisco e Leão representam a harmonia entre profecia e obediência, entre inspiração e tutela. O Papa Francisco e Leão XIV poderiam encarnar a mesma dinâmica no coração da Igreja do século XXI".
Leão XIV certamente não é Francisco; a ideia de impor proteções ou limites seria absurda. Mas, depois dos primeiros dias em que a continuidade foi objeto de algumas intervenções, com o tempo, parece-me que uma tentativa de evitar causar incômodos se impôs, especialmente quando questões tão significativas como ansiedade e julgamento emergem, mas não são destacadas.
Poderíamos pensar que a afirmação do papado de Leão se dá por meio da calma e não da inquietação, enquanto que poderia ser que, em tal fase "inquieta", precisamente o oposto ajudaria Leão a afirmar a si mesmo e à sua Igreja, mesmo ao custo de alguma referência ou conexão com o papa que o precedeu.
Este é apenas um exemplo, talvez equivocado. Mas a insistência persistente em certos detalhes e a distração de aspectos tão relevantes para cada um de nós, tanto dentro quanto fora da Igreja, sugerem uma dinâmica fechada, e não aberta. E isso, na minha opinião, prejudica Leão.