Vanessa Hasson de Oliveira, doutora em Direitos Difusos e Coletivos e especialista em Direito Ambiental, propõe novo ordenamento jurídico para garantir direitos a sujeitos não humanos, hoje, em videoconferência no Instituto Humanitas Unisinos - IHU
Das diversas áreas do saber surgem propostas para enfrentar a crise civilizacional e, mais especificamente, a crise ecológica que está no centro dos acontecimentos do século XXI. No campo teórico, intelectuais propõem uma mudança de paradigma: a passagem de uma ética antropocêntrica para uma ética ecocêntrica. Segundo essa perspectiva, a ação humana precisa considerar não somente os efeitos sobre os seres humanos, mas também sobre os não humanos, isto é, a natureza como um todo. No campo prático, juristas e operadores do Direito têm proposto modificações e atualizações no ordenamento jurídico para incluir e reconhecer a natureza como sujeito de direitos.
Uma das ativistas nessa área é a advogada francesa e especialista em direitos da natureza, Marine Calmet, autora de Décoloniser le droit (Decolonizar o direito). Segundo ela, o reconhecimento dos direitos da natureza “é um movimento jurídico global que alia uma nova perspectiva em termos de ética ambiental e um novo conceito de hierarquia jurídica. Trata-se de reconhecer que a natureza é o conjunto de entidades que constituem uma comunidade de vida. Ela é sujeito de direito, mas também titular de direitos fundamentais que lhe são específicos. Trata-se, portanto, de reconstruir uma estrutura jurídica baseada na coexistência com os outros seres vivos e de garantir que os nossos direitos e as nossas liberdades deixem de pressionar o mundo vivo”.
Na prática, os direitos da natureza garantem que rios, florestas, montanhas e outros seres vivos que formam o ecossistema sejam portadores de direitos. Um rio, segundo essa perspectiva, exemplifica Marine Calmet, “é uma comunidade de vida. Ele é feito de água, mas também de margens, de mata ciliar e de uma grande quantidade de seres que com ele e dentro dele convivem. Esta comunidade de vida é uma pessoa moral, jurídica, um agrupamento de seres. E tem direito à existência, à saúde, à regeneração dos seus ciclos de vida. Da mesma forma pensamos numa empresa formada não por uma única pessoa mas como um grupo de pessoas que atuam num interesse comum, partilhando dívidas, vantagens, lucros e perdas. A mesma coisa acontece com a natureza. Compartilhamos perdas e benefícios, mas sem o perceber, porque essa interdependência com a vida foi invisibilizada. No entanto, ela existe”.
Para Vanessa Hasson de Oliveira, doutora em Direitos Difusos e Coletivos e especialista em Direito Ambiental, os direitos da natureza sugerem uma nova interpretação do Direito enquanto prática social, que permita, via o ordenamento jurídico, a capacidade de assegurar a dignidade dos diversos componentes envolvidos na complexidade da vida, os quais são fundamentais para assegurar a existência humana no planeta. “A jurisprudência da natureza pode ser identificada internacionalmente com o aumento da cidadania ambiental e uma cosmológica holística integradora dos ecossistemas”, pontua.
Diretora geral da Mapas, ONG que promove o reconhecimento dos direitos da natureza, Vanessa Hasson de Oliveira é a próxima conferencista do ciclo de estudos Direitos da Natureza e a proteção do não humano na crise epocal, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Nesta quarta-feira, 11-06-2025, Vanessa ministra a conferência “Direitos da Natureza e as cosmovisões indígenas. Novo paradigma ético-jurídico”. O evento será transmitido na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no YouTube às 10h.
No mês passado, o economista e político equatoriano, Alberto Acosta, ministrou a videoconferência de abertura do ciclo, intitulada “Pós-desenvolvimento, o Bem Viver e os direitos da Natureza”. Acosta foi presidente da Assembleia Constituinte do Equador, que incorporou os direitos da natureza no texto constitucional em 2008. A constituição equatoriana é a primeira e, até o momento, a única a incluir os direitos da natureza na Carta Magna.
De acordo com Acosta, no Equador, os direitos da natureza surgiram “sobretudo do mundo indígena, La Pachamama, a Mãe Terra – que não é uma metáfora –, e das lutas de defesa dos territórios por parte de múltiplas comunidades em todo o país”. A discussão sobre o tema, contudo, não é restrita ao mundo andino nem entrou em pauta neste século. Ao contrário, exemplifica, “juristas e advogados estão trabalhando o tema dos direitos da natureza há muito tempo. Godofredo Stuzin, nos anos 1980 do século passado, já falava dos direitos da natureza. Ele era um jurista chileno, de profundo sentimento ambientalista e ecologista. Na Suíça, o jurista Jörg Leimbacher falava dos direitos da natureza. Cientistas como [Lynn] Margulis considerava a natureza um sujeito que merece respeito. Há aproximações desde a teologia. Pensem na linha que há entre Francisco de Assis, que falava da irmã lua e do irmão lobo até a encíclica Laudato si’, do Papa Francisco, e dos aportes do teólogo brasileiro Leonardo Boff. (…) Também tem reflexões na filosofia, nos textos do filósofo holandês Espinosa, que há mais de 400 anos fala da ‘maternatura’, da mãe natureza”.
O ciclo de estudos Direitos da Natureza e a proteção do não humano na crise epocal tem como objetivo “analisar a gênese e os fundamentos dos direitos da natureza, bem como seu paradigma ético-jurídico e suas implicações na salvaguarda de um ambiente ecologicamente equilibrado”. A atividade é gratuita e será fornecido certificado a quem se inscrever e, no dia do evento, assinar a presença por meio do formulário disponibilizado durante a transmissão. A programação completa do evento está disponível aqui.
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