04 Junho 2025
"A implacável campanha de Israel em Gaza criou tensões que ameaçam corroer a relação entre católicos e judeus que se desenvolveu desde a promulgação em 1965 do documento Nostra Aetate do Concílio Vaticano II, que revolucionou o relacionamento da Igreja com religiões não cristãs", escreve Tom Roberts, jornalista e autor de A Igreja Católica emergente: a busca de uma comunidade por si mesma (2011) e "Joan Chittister: sua jornada da certeza à fé (2015), em artigo publicado por National Catholic Reporter, 03-06-2025.
O Papa Leão XIV inicia seu mandato enfrentando um emaranhado quase impenetrável de tensões globais, nenhuma mais carregada de implicações perigosas para católicos e judeus do que a destruição contínua de Gaza por Israel.
O mundo quer saber a posição do novo papa em tudo, seja na invasão russa da Ucrânia; nos conflitos civis em lugares como Etiópia, Mianmar e Síria; na ascensão do autoritarismo globalmente; nos ataques mundiais às instituições democráticas; ou na demonização de ondas sem precedentes de imigrantes que buscam segurança contra regimes opressores e pobreza extrema.
Pode-se desculpá-lo por demorar um pouco para resolver as coisas. Em vez disso, Leão entrou na briga quase imediatamente, destacando em dois momentos o emaranhado mais difícil para os católicos — nossa relação com o judaísmo e a resposta da Igreja à atual campanha militar israelense em Gaza.
"O diálogo teológico entre cristãos e judeus continua sendo sempre importante e próximo do meu coração", disse o papa em 20 de maio. "Mesmo nestes tempos difíceis, marcados por conflitos e mal-entendidos, é necessário dar continuidade ao impulso deste nosso precioso diálogo".
No dia seguinte, em sua primeira audiência geral de quarta-feira na Praça São Pedro, ele levantou a questão da violência em Gaza.
"A situação na Faixa de Gaza é cada vez mais preocupante e dolorosa", disse Leão. "Renovo meu sincero apelo para que seja permitida a entrada de ajuda humanitária digna e para que se ponha fim às hostilidades, cujo preço dilacerante está sendo pago por crianças, idosos e doentes".
A implacável campanha de Israel em Gaza criou tensões que ameaçam corroer o relacionamento entre católicos e judeus que se desenvolveu desde a promulgação em 1965 do documento Nostra Aetate do Concílio Vaticano II, que revolucionou o relacionamento da Igreja com religiões não cristãs.
Nostra Aetate tinha um significado particular para os judeus, dada a longa e violenta história antissemita da Igreja. Reconhecendo as raízes do cristianismo no judaísmo, o concílio declarou: "Sendo tão grande o patrimônio espiritual comum a cristãos e judeus, este sagrado sínodo quer promover e recomendar a compreensão e o respeito mútuos que são fruto, sobretudo, de estudos bíblicos e teológicos, bem como de diálogos fraternos".
É razoável inferir que Leão está criando um espaço — estabelecendo uma distinção — entre a necessidade de buscar o diálogo teológico e avaliar as exigências em qualquer momento da política e das atividades militares israelenses.
A distinção é essencial para a integridade do diálogo de ambos os lados, embora seja extremamente difícil mantê-la, dado que os extremos de ambos os lados se destacam em monopolizar a economia da atenção em torno dessas questões.
Aqueles que romantizam a causa palestina ou diminuem a violência hedionda do Hamas enquanto se envolvem em tropos antissemitas em nome da justiça obliteram a história, ignoram a hostilidade anti-israelense em toda a região e violentam a própria ideia de justiça.
Da mesma forma, aqueles que continuam tentando justificar o ataque em curso em Gaza, acusando de antissemitismo qualquer crítica à violência que tira a vida de inocentes, diminuem sua própria credibilidade. Eles esvaziam o termo antissemitismo de sua importância e do peso histórico que ele deveria transmitir.
Um artigo recente no The Jerusalem Post, escrito por Ilon Mor, um diplomata israelense aposentado, atribuiu a culpa pelo aumento das tensões ao Papa Francisco. Ao mesmo tempo em que anunciava o progresso no relacionamento desde a Nostra Aetate, o escritor observou: "No entanto, o caminho para o entendimento mútuo não tem sido tranquilo. As tensões persistiram, principalmente durante o pontificado do Papa Francisco, cujas críticas públicas às ações de Israel durante o conflito de Gaza em 2023 foram amplamente percebidas em Jerusalém e entre as comunidades judaicas como desequilibradas e insensíveis".
O escritor viu um contraponto em uma carta que Leão escreveu em 8 de maio, poucos dias após sua eleição, ao Rabino Noam Marans, diretor de Assuntos Inter-religiosos do Comitê Judaico Americano. Na carta, Leão assegurou seu "compromisso em continuar e fortalecer o diálogo e a cooperação da Igreja com o povo judeu, no espírito da declaração Nostra Aetate, de 1965, do Concílio Vaticano II".
A avaliação de Mor sobre Francisco, no entanto, ignora a reputação do falecido papa como amigo do judaísmo e de Israel e sugere que devemos sempre concordar com as ambições políticas e militares de "nossos irmãos mais velhos na fé de Abraão", para usar a descrição de São Papa João Paulo II.
Independentemente de como Leão seja percebido no momento, e de quão inextricavelmente ligado o Estado secular de Israel esteja ao judaísmo, é improvável que as tensões se evaporem tão cedo. Leão, assim como Francisco, certamente não ignorará os apelos do Cardeal Pierbattista Pizzaballa, patriarca ecumênico de Jerusalém, que descreveu a situação em Gaza como "inconcebível".
"Não conseguimos entender isso e não podemos aceitar isso. Apelamos a todas as pessoas para que resolvam este conflito de uma maneira diferente", disse ele. "A fome não está resolvendo a situação, só está piorando. Isso não é aceitável. Não é maneira de resolver um conflito, só está gerando ódio".
Leão também não poderá ignorar, como seu antecessor não pôde, os católicos em Gaza. Francisco fazia uma ligação noturna ao Padre Gabriel Romanelli, pároco da Paróquia Sagrada Família, e ouvia em primeira mão sobre a morte e a fome, e o que a pequena paróquia estava fazendo para ajudar os mais necessitados.
Mais de 53 mil pessoas morreram em consequência dos ataques israelenses. Um número excessivo de mortos eram não combatentes. O maior fardo, como observou Leão, recai sobre "as crianças, os idosos e os doentes".
A UNICEF estima agora que cerca de 17 mil crianças na Faixa de Gaza foram separadas de seus pais.
É significativo notar também que os israelenses estão pouco unidos em apoio à continuação da guerra e ao bloqueio da ajuda humanitária imposto pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Os motivos para a resistência e a desobediência civil são variados, mas centenas de milhares de pessoas se manifestaram nos principais centros populacionais de Israel e em frente à residência pessoal de Netanyahu para protestar.
Seja lá o que Israel ganhe, seja lá o que Netanyahu considere necessário para salvar seu futuro político, o desastre humanitário, inquestionável, é incompreensível. Está, como disse o patriarca ecumênico, "apenas gerando ódio".
A relação entre católicos e judeus não é uma questão simples. O diálogo e a relação gerados pela Nostra Aetate, um reconhecimento do mal causado aos judeus por séculos de animosidade e ódio católicos, são mais importantes do que nunca. Mas esse diálogo não teria sentido se, em busca de tranquilidade, se tornasse a razão pela qual a Igreja ignorasse o enorme sofrimento e a tragédia humana que testemunhamos hoje em Gaza.