07 Junho 2025
A escritora e ensaísta, presidente de Libertà e Giustizia, e o franciscano (vice-reitor e professor de História da Igreja Moderna na Pontifícia Universidade Antonianum de Roma): “Somente uma Igreja pobre pode contribuir para contrastar o autoritarismo”.
O diálogo é publicado por La Stampa, 18-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Daniela Padoan: “Padre Buffon, além de ser professor titular de História da Igreja Moderna e Contemporânea e vice-reitor da Pontifícia Universidade Antonianum, o senhor está entre as vozes mais respeitadas no campo dos estudos franciscanos. Que motivos o levaram a aderir ao Observatório Autoritarismo, cujos signatários compartilham o parecer de que estamos em um limiar histórico, que exige que aqueles que veem a democracia em perigo se tornem testemunhas e se oponham à tendência autoritária que está se afirmando na Itália e no mundo?”
Giuseppe Buffon: “Aceitei participar do Observatório porque existe em mim uma necessidade constante de estar onde a História pode ser observada, mesmo que depois a vida e a inércia me façam renunciar. No passado, eu gostaria de ter ido para a Síria e depois para a Ucrânia, ir para Gaza, ou para o Sudão do Sul, para a Nigéria, para o Congo, para aprender com os ribeirinhos na Amazônia, ou para sentar nas praias de Lampedusa. A possibilidade de habitar um lugar de pensamento ferido pelos acontecimentos me pareceu uma oportunidade pela qual sou grato. De fato, anseio por pelo menos compartilhar uma indignação e um sonho de outro lugar”.
Daniela Padoan: “Acredito que o compartilhamento de que o senhor fala é aquilo de que mais precisamos. Um empenho para salvar os alicerces de uma cultura que corre o risco de desmoronar; construir ilhas de conhecimento a ser preservado, sabendo habitar um lugar de pensamento ferido. Um pouco como a função, laicamente entendida, dos mosteiros beneditinos durante as invasões bárbaras”.
Giuseppe Buffon: “Na minha opinião, concorrem para a determinação de um enrijecimento autoritário, que leva à paralisia e esvazia os conhecimentos da democracia, um provincianismo autárquico mesquinho e um baixo investimento na formação multinível, na pesquisa, não apenas tecnológica, mas também em lugares de debate intergeracional e internacional, juntamente com a miopia em relação ao recurso indispensável constituído pelos marginalizados, pelos portadores de deficiência, pelos refugiados. Isso determina, por exemplo, o entrincheiramento em um ‘mare nostrum’, não compreendendo a vocação do Mediterrâneo como laboratório transcultural e inter-religioso, ambiental e até mesmo econômico. A busca de um consenso populista, iliberal e de um poder mascarado de autoridade, com consequências tanto ecocidas quanto liberticidas, faz com que essa legislatura careça da conscientização dos desafios de alcance global, profundos e, consequentemente, do que é necessário para superá-los: uma dialética parlamentar alta que exerça a sabedoria do estadista que legisla e não se limita a clonar decretos”.
Daniela Padoan: “O pensamento autoritário, que necessariamente remete à figura do ‘chefe’ e a uma construção hierárquica de valor e desvalor dos seres vivos, acaba, quase inevitavelmente, por querer subjugar a vida e a beleza do mundo, considerando-as à sua própria disponibilidade. Não é por acaso que o esvaziamento das democracias anda ao lado do desejo de perseguir e caçar determinadas categorias de pessoas, reintroduzir uma economia baseada no petróleo e na energia nuclear, ver a natureza e as espécies, mesmo aquelas ameaçadas de extinção, como mercadorias”.
Giuseppe Buffon: “A vida é um mistério de beleza a ser contemplado, a ser cantado, um êxtase que anula todas as tentativas de fechamento, enquanto a autocracia é a eficiência cega, subserviente ao poder dos poucos que, construindo muros, querem convencer o mundo de que os recursos são ilimitados e que a sociedade de consumo desfruta da possibilidade de um progresso infinito. Hipocrisia que se alimenta de mentiras camufladas de ciência”.
Daniela Padoan: “Na encíclica Laudato si', o Papa Francisco escrevia que tudo está interconectado e que ‘nada neste mundo nos é indiferente’; o oposto das pequenas pátrias e do nacionalismo, e das finanças, descritas como ‘abstratas e cruéis’, que desmaterializam os seres humanos e os lugares, reduzindo-os a ‘descartes’”.
Giuseppe Buffon: “Parece-me que o pensamento disruptivo do Papa Francisco tenha ousado declarar que já não é mais suficiente nem mesmo uma justiça ambiental, ao lado da justiça social. Não é uma questão de mera soma! O conceito de que tudo está conectado supera um esquema científico ocidental que se baseia na lógica da divisão das competências: a mesma lógica hierárquica da divisão dos poderes. Acredito que a Laudato si' sugere, em vez disso, uma revolução epistemológica que somente o confronto com a sabedoria do grande sul, a filosofia africana do Ubuntu ou do Buen vivir pode tentar imaginar: um novo método de análise social, adequado à complexidade da globalização; uma nova governança política, com os pobres na mesa dos decisores; uma nova gnosiologia, resultado do assombro; uma nova antropologia que é uma nova maneira de habitar o mundo”.
Daniela Padoan: “O franciscanismo está nos antípodas do autoritarismo: em seu ser diálogo, pregação da paz, amor do que é vivo, ressignificação da pobreza, pode ser uma indicação política?”
Giuseppe Buffon: “Os estudiosos do franciscanismo falam de ‘minoridade’, que não é somente pobreza, porque na história é frequentemente um álibi para reivindicações de maior perfeição. De fato, Francisco não quer tocar no dinheiro, não porque seja melindroso em relação ao mundano, mas porque, como filho de um mercante, o considera um sistema iníquo. Não pode ser o dinheiro a dar valor às coisas, o valor não pode ser o preço artificialmente estabelecido pelos jogos de mercado. ‘O dinheiro vale tanto quanto as pedras’, ele afirma literalmente. Em vez disso, o que deve estabelecer o valor das coisas é apenas a mesa da natureza, entendida em sua raiz espiritual como dom oferecido gratuitamente a todos, na medida das necessidades de cada um”.
Daniela Padoan: “Como, em sua opinião, o questionamento sobre o autoritarismo pode ser assumido pela Igreja, e que perspectivas o legado do papado de Francisco deixou?”
Giuseppe Buffon: “A Igreja deveria ser um povo em contínua transformação, ou penitência, entendida como reparação; em um contínuo retorno à forma das origens: um retorno a Deus, vigilante contra a tentação da imitatio regni, a lógica do poder! Não apenas, portanto, uma Igreja para os pobres – tinha afirmado imediatamente o Papa Francisco - mas uma Igreja pobre, desarmada, vulnerável, irmã de todos e com todos, porque unida pela fragilidade humana. Portanto, uma organização que se coloca na escola daqueles que experimentaram na própria pele a marginalidade, a exclusão, a lateralidade, a começar pelas mulheres. Quanto caminho ainda para ser a igreja do Evangelho: bem-aventurados os pobres, os mansos, os que choram, os pacificadores...”.