Ultradireitas, direitas, democracia. Artigo de Jorge Alemán

Manifestação em São Paulo contra corrupção e o governo Dilma em 2016. | Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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12 Novembro 2020

“Não é certo que as críticas que devem ser feitas às direitas possam ser exercidas simetricamente aos governos progressistas, que lutam para existir em uma selva de contradições. Nestes casos, impõe-se uma verdade: por si, ninguém dispõe de uma posição exterior ao criticado. Por isso, como disse o filósofo, em seu momento: a coruja de Minerva levanta o seu voo ao entardecer. Nunca se entende tudo, menos em meio ao Desastre”, escreve Jorge Alemán, psicanalista e escritor, em artigo publicado por Página/12, 09-11-2020. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

O trumpismo pertence a uma internacional neofascista-neoliberal. A matriz simbólica de seu discurso se repete em diferentes líderes pertencentes a diferentes lugares do mundo. Mesmo que não tenha vencido, já provocou um grande dano aos projetos democráticos no mundo.

O capitalismo tardio, em sua versão neoliberal, dado que não dispõe de um princípio de coesão cultural para exercer seu poder, deu lugar a ultradireitas que construíram uma agenda que morde e contamina o núcleo das direitas liberais e conservadoras ou coloca em xeque e condiciona as democracias com traços progressistas.

Em termos freudianos, diríamos que as direitas clássicas precisavam dos limites que a civilização impõe às pulsões, uma aparente regulação das dimensões mortíferas do ódio, ao passo que as ultradireitas atuam com a perversão de retirar as barreiras e apresentar um novo programa frente à destruição da coesão político-cultural.

Os Estados Unidos, por exemplo, já não suportavam os desmandos de Trump, não por acaso foi interrompido pelas grandes cadeias e a Pfizer esperou sua derrota para anunciar a eficácia de sua nova vacina. Basta ao complexo militar-financeiro e a seus interesses constantes que, independente de Trump, o trumpismo tenha vindo para ficar e condicionar a já limitada democracia liberal estadunidense.

As chamadas fissuras, metáfora falida onde existem, a polarização, que acoberta os verdadeiros antagonismos sociais, é o novo jogo de linguagem nas narrativas mundiais da política. Neste marco simbólico, o desafio das democracias populares em disputa com o neoliberalismo é, em primeiro lugar, manter aberto o horizonte democrático como condição de possibilidade de que existam condições soberanas e emancipatórias. Para o marxismo contemporâneo, este dilema também sempre irrompeu para ser dirimido.

A crítica de esquerda

Os/as diferentes pensadores/as atuais que se reconhecem na tradição marxista estão habitados pelos seguintes problemas:

1. Pensar os diferentes impasses das revoluções do século XX e determinar, na sequência, qual novo tipo de transformação é possível no interior do Capitalismo, que provoque sua ruptura.

2. Em todos os casos, admite-se que a democracia, tal como se deu na tradição liberal e depois no Neoliberalismo, permaneceu instalada e condicionada até o seu colapso.

3. Não obstante, nenhum/a marxista sério/a abandona definitivamente a ideia de Democracia. Em todo caso, exige-se a sua reinvenção e sua possível radicalização.

4. Em tempos de Pandemia, acrescenta-se um novo problema: a própria democracia já condicionada por todos os fatores de Poder, pode ser destruída antes de sua eventual reinvenção.

Por todas estas razões, a crítica deve se manter em sua própria lógica interna, ou seja, discernir o limite de suas possibilidades efetivas. Isto não implica silenciá-las, mas determinar seu alcance efetivo.

Em primeiro lugar, trata-se sempre de determinar a crítica ao poder e a seus dispositivos. Em segundo lugar, analisar os recursos narrativos dos representantes mais diretos do Poder: as direitas extremistas. Em terceiro, quando for o caso de criticar ao próprio espaço político em que se inclui, ainda que não se identifique totalmente com o mesmo, para que esta crítica não seja pura denúncia estéril, deve começar admitindo os próprios limites que existem em si mesmo/a, na situação em que participa. Aquilo mesmo que não se transforma na singularidade de cada um já antecipa o obstáculo que surgirá depois na transformação do social.

Por tudo isto, não é certo que as críticas que devem ser feitas às direitas possam ser exercidas simetricamente aos governos progressistas, que lutam para existir em uma selva de contradições. Nestes casos, impõe-se uma verdade: por si, ninguém dispõe de uma posição exterior ao criticado. Por isso, como disse o filósofo, em seu momento: a coruja de Minerva levanta o seu voo ao entardecer. Nunca se entende tudo, menos em meio ao Desastre.

 

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