16 Mai 2025
Logo após à eleição do novo Papa Leão XIV, pensamos em consultar duas teólogas de renome, ambas feministas, uma católica, a outra valdense, para que façam uma sua avaliação do que se pode esperar a partir das primeiras palavras do novo Papa da varanda da Basílica de São Pedro.
A entrevista é de Patrizia Melluso em Il Paese delle Donne, 12-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Obviamente, serão os atos e escritos de Leão XIV que nos dirão se e em que medida sua Igreja será diferente da de seu predecessor, mas pedimos a Paola Cavallari (batizada católica, mas que se considera cristã ecumênica, fundadora e presidente até dois anos atrás do Observatório Inter-religioso sobre Violências contra as Mulheres – OIVD) e Letizia Tomassone (pastora valdense, professora de Estudos Feministas e de Gênero) que "se arriscassem" e fizessem algumas previsões. Os temas são: presença e significado do feminino, direitos, paz.
A "dupla entrevista" me pareceu um método adequado para destacar as (muitas) concordâncias e as diferenças (significativas) entre as avaliações das minhas duas interlocutoras, a quem também agradeço por terem concordado em responder assim tão de imediato sobre o que podemos esperar, ou desejar, do novo Papa.
Em seu primeiro discurso, Leão XIV recitou a Ave Maria com os fiéis na praça. Não é algo comum, considerando que, para os cristãos, como destacou a filósofa Luce Irigaray em seu livro (Il mistero di Maria, 2010), a figura de Maria, embora muito popular entre os fiéis, foi mantida na sombra pela teologia, a ponto de permanecer, em muitos aspectos, um "mistério". Como interpretar o chamamento de Leão XIV à Virgem?
Paola Cavallari: Antes de mais nada, gostaria de salientar que é muito cedo para avaliações: a seu pedido, concordo com essas simples primeiras impressões. A Igreja Católica venerou a figura de Maria com ênfase, mas sobretudo de forma oportunista, ao contrário da Igreja Protestante, que se preocupava em sublinhar a primazia de Cristo em contraste com o Catolicismo. A palavra hiperdulia, usada por alguns estudiosos/as, designa uma devoção que beira a idolatria. Mas Maria também é central para a fé autêntica das mulheres católicas, especialmente as pobres, ápice da consolação, ventre materno. Sua presença nos Evangelhos resplendece soberbamente no Magnificat (Lc 1,48-55). Mas a forma como o magistério a representou foi bastante contestada por quase todas as estudiosas da teologia feminista. Elevou Maria em contraposição a Eva e, por muito tempo, também a Maria de Magdala, obscurecida e representada como pecadora, um engano não isento de malícia misógina.
Maria tem sido usada como um modelo feminino por excelência, inatingível, uma mulher pura em oposição à pecadora, apoteose da mãe abnegada que se sacrifica pelo filho. A construção dessa idealização é fruto do imaginário de homens celibatários, como o são aqueles que pertencem ao clero. É o estereótipo androcêntrico da mulher que Virginia Woolf encastoou soberbamente com a frase "a representação idealizada da mulher e sua insignificância histórica". Até mesmo o apelo do novo Papa me parece seguir os passos de seus predecessores, bastante quiriarcais, que exaltavam Maria enquanto se esqueciam das mulheres reais, de carne e osso. Pelo que me lembro, o único que se manifestou a favor da real dignidade da mulher foi João XXIII na Pacem in terris.
Letizia Tomassone: A referência a Maria no âmbito católico frequentemente tem uma conotação conservadora (e quase sempre antiprotestante). Não é por acaso que a Carta Apostólica de João Paulo II, Mulieris Dignitatem, caracteriza em papéis complementares na estrutura das relações de gênero e indica, por um lado, o "princípio petrino" para os homens e, pelo outro, o "princípio mariano" para as mulheres.
Trata-se de esquemas que estabelecem papéis e envolvem as mulheres em uma identidade de cuidado e de acolhimento doador, e os homens em uma identidade de dominação e controle. No entanto, o mundo católico não é composto apenas pelo Papa, e um processo sinodal está em andamento na Itália, que justamente relançou a questão das mulheres e das pessoas LGBTQ+, enquanto aguarda um documento de abertura à plena dignidade de participação na vida da Igreja.
Com esse processo sinodal o Papa Leão XIV também terá que se confrontar, começando pelas vozes de respeito de teólogas que há muito tempo estão presentes no diálogo, e também a partir das associações de homossexuais ou trans crentes, frequentemente apoiadas por uma pastoral diocesana ad hoc. No entanto, não espero grandes mudanças na abordagem da Igreja Católica à questão dos ministérios femininos. Mais provavelmente, se continuará com a valorização das mulheres em cargos de governo sem abrir para um ministério feminino "ordenado", como o diaconato feminino, apesar dos múltiplos e comprovados estudos de teólogas e teólogos sobre a presença desse ministério nos primeiros séculos da Igreja.
Tem sido publicado nos jornais que o novo Papa tem posições bastante tradicionalistas sobre direitos e família, enquanto o Papa Francisco, em algumas ocasiões, expressou aberturas inesperadas, por exemplo, quando disse, a respeito da homossexualidade: "Quem sou eu para julgar?" Em meio à onda homotransfóbica inaugurada pelo presidente estadunidense Trump como reação, segundo ele, aos excessos da cultura woke, o que podemos esperar do novo Papa estadunidense no tema dos direitos?
Paola Cavallari: Com base em seu discurso de primeira saudação e em sua homilia na Missa com o Colégio Cardinalício no dia 9 (os poucos pronunciamentos oficiais), parece que Leão XIV tem uma concepção quiriarcal não apenas da família, mas também das relações humanas em geral e da substância da fé. Ele afirma: “…a falta de fé muitas vezes traz consigo tragédias como a perda do sentido da vida, o esquecimento da misericórdia, a violação da dignidade da pessoa… a crise da família e muitas outras feridas que afligem a nossa sociedade… Jesus, embora apreciado como homem, é reduzido apenas a uma espécie de líder carismático ou super-homem, e isso não apenas entre os não crentes, mas também entre muitos batizados, que assim acabam por viver… num ateísmo de fato”.
Nesse contexto – veja-se a homilia – a palavra fé deve ser entendida somente como cristã retamente entendida. Essas são afirmações bastante dogmáticas, quase pré-conciliares. Quem nega a natureza divina de Jesus seria ateu/ia, desqualificando assim qualquer abordagem não canônica. Quem não tem fé (aquela que ele considera tal) não teria sentido da vida, da misericórdia e não conheceria a dignidade da pessoa. Tiziano Terzani, por exemplo, seria uma pessoa moralmente miserável. Essas palavras beiram o Extra ecclesiam nulla salus (fora da Igreja não há salvação). Se não se compreende que existe uma policromia de formas de fé, como se pode ser credível na esperança de uma paz desarmada e desarmante? E, finalmente, em relação à sinodalidade, verifica-se que, repetidamente, Prevost provocou o fracasso do caminho sinodal alemão, bloqueando a constituição do Conselho Sinodal, onde os membros, bispos e leigos, deveriam ter tomado conjuntamente decisões sobre os rumos da Igreja Católica na Alemanha.
Letizia Tomassone: Infelizmente, não se preveem grandes aberturas, e podemos afirmar isso a partir das posições anteriormente assumidas no campo pastoral pelo arcebispo Prevost. Sua adesão às lutas contra a chamada "teoria de gênero" nas escolas peruanas demonstra uma falta de conhecimento do tema. De fato, tal teoria não existe, mas a sociedade e as igrejas devem se confrontar com dois elementos. Por um lado, com a análise precisa de como as sociedades constroem os papéis e as identidades de gênero, forçando as pessoas a viverem em gaiolas. Por outro, com a experiência viva de pessoas, especialmente jovens, para quem a identidade não é fixa, mas fluida, e isso causa dor, mas também alegria, quando se experimenta a liberdade de ser si mesmo. No entanto, não acredito que a frase tão citada do Papa Francisco deva continuar sendo usada como bandeira para as liberdades de gênero.
Em vez disso, será preciso examinar a maneira como sua pastoral alcançou as pessoas (estou pensando nas relações com a Irmã Geneviève e seu mundo de pessoas trans e pessoal de parques de diversões às portas de Roma). E devem ser consideradas as aberturas dos bispos em todas as partes do mundo à teologia da libertação LGBTQ+ e o grande trabalho realizado por associações de homossexuais católicos, como, na Itália, o projeto Gionata Infine, como a maioria dos bispos que tiveram que lidar com os abusos perpetrados pelos padres de suas dioceses, o Papa Leão XIV também tem esqueletos guardados no armário quanto à omissão de denúncia desses padres à justiça civil.
A repetida referência de Leão XIV a Santo Agostinho ("Sou um filho de Santo Agostinho", disse ele) levou muitos comentaristas (Claudio Cerasa, Paolo Mieli, para dar alguns exemplos) a levantar a hipótese de que, em relação ao tema paz, Leão XIV se posicionará diferentemente de seu antecessor que, por exemplo, na guerra da Ucrânia pareceu querer a "rendição" ao agressor para interromper a guerra, enquanto o próprio Agostinho falava de guerra "justa" quando se tratava de se defender para restabelecer a paz.
Paola Cavallari: Talvez. O nome Agostinho me causa arrepios. Com exceção de seu texto As Confissões, que tem o mérito de abrir a um gênero (La confessione como genere letterario é o título de um livro de Maria Zambrano) e de testemunhar publicamente uma introspecção dolorosa, algo árduo para um homem, Agostinho foi o homem da compelle intrare (obrigar a entrar), um convite à coerção visando "endireitar" os hereges (quem julga quem é herege?), impondo-lhes uma fé ortodoxa. Agostinho foi o padre do pecado original, que fixou teologicamente a sexofobia, um arranjo mental que decretava a mulher como ser lascivo e tentadora aliada ao diabo.
Agostinho foi o padre da Igreja que formalizou a inevitabilidade do uso e abuso sexual de mulheres, a serviço do imprescindível alívio dos homens, pois, na ausência de tais "serviços", as cidades teriam sido invadidas pela sodomia e por bandos incontroláveis de homens em busca de sexo: justificativa da prostituição como um mal menor (ou mal necessário) que, na Igreja, serviu de lintel para a questão. Deixo de lado as declarações misóginas. Mesmo que Agostinho tivesse sido, portanto, um defensor da não violência, esses pronunciamentos e contribuições ao cristianismo poderiam ser avaliados como sinais nada auspiciosos e levados em conta, antes de se reconhecer como filho de Santo Agostinho. Mas tudo isso não nos isenta de ter esperança na construção de pontes.
Letizia Tomassone: As primeiras palavras do Papa Leão XIV sobre a paz “desarmada e desarmante” e a missa celebrada ontem (domingo, 11 de maio de 2025) com a retomada do grito “Nunca mais a guerra” (Paulo VI, 1965) me parecem indicativas e abertas à esperança. Poderia parecer que o convite para um papa à paz seja óbvio, mas ainda assim, são palavras poderosas e importantes para toda a frente ecumênica e inter-religiosa que se move pela paz. Por outro lado, a encíclica Fratelli tutti já afirmou que a doutrina da guerra justa não tem mais espaço em tempos de bombas nucleares devastadoras e da incapacidade das guerras de distinguir entre beligerantes e vítimas civis. Pelo contrário, parece cada vez mais claro que os contínuos e horrendos massacres de civis são deliberadamente utilizados nas guerras contemporâneas.
Nisso, a Fratelli tutti segue uma evolução já indicada no Catecismo Católico. Referir-se a Agostinho não significa ignorar esses importantes desenvolvimentos na teologia. Até agora, os discursos do Papa Leão XIV sobre a paz tiveram uma interessante marca cristológica: a saudação de paz é levada aos discípulos assustados pelo Cristo ressuscitado. E, ao mesmo tempo, demonstraram a vontade de levar em conta a complexidade dos conflitos atuais, sem tomar partido, exceto ao lado das vítimas. Será interessante ver como o atual Papa desejará levar adiante missões de paz e também de diálogo com as diferentes partes, com a Igreja Ortodoxa Russa e com o mundo islâmico, ou com a própria Igreja Católica na Palestina, da qual sabemos que o Papa Francisco era muito próximo.