Uma nova perspectiva sobre o Poder Midiático. Reflexões de Paulo Henrique Amorim. Artigo de Marcelo Zanotti

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Marcelo Zanotti | 12 Abril 2024

"A Rede Globo teve sua origem em 26 de abril de 1965, cerca de 13 meses após Roberto Marinho apoiar o governo militar", escreve Marcelo Zanotti, historiador e membro da equipe do IHU.

Eis o artigo.

No livro "O quarto poder – uma outra história", lançado em 2015 pela Editora Hedra, Paulo Henrique Amorim, renomado jornalista que nos deixou quatro anos após o lançamento, oferece um mergulho em suas memórias profissionais ao longo de cinquenta anos de carreira. Apesar de suas inclinações políticas comunistas, Amorim apresenta uma análise envolvente da história política do Brasil, desde seus primeiros passos no jornalismo aos 18 anos, seguindo os passos de seu pai na mesma profissão. O livro abrange eventos marcantes, desde a renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961 até o segundo mandato de Lula em 2011, capturando um período de transformações significativas no país.

O quarto poder - uma outra história, de Paulo Henrique Amorim (Foto: Divulgação)

Amorim se propõe a desvendar o papel do chamado "quarto poder" no Brasil, conceito que equipara a influência da mídia à dos Três Poderes do Estado Democrático. Com sua experiência profunda nas principais empresas de comunicação do país, ele expõe as conexões políticas e econômicas do "quarto poder", caracterizando-o como um partido político, cunhando a expressão "PiG" (Partido da Imprensa Golpista) para descrever veículos como O Globo, Folha, Estadão e seus derivados.

A leitura revela como a narrativa jornalística é moldada pelos interesses comerciais e políticos dos proprietários dos meios de comunicação, refletido na própria seleção de memórias de Amorim. Embora mencione figuras proeminentes do setor, como Assis Chateaubriand, Adolfo Bloch, Otávio Frias e Victor Civita, há um estranho silêncio sobre outros importantes players, como Edir Macedo, João Saad e os proprietários da Rede TV!. A ênfase recai principalmente sobre Roberto Marinho, provavelmente devido ao domínio exercido pela família Marinho sobre o maior grupo de mídia do país.

Amorim denuncia os privilégios escandalosos concedidos a Marinho pelo Estado, desde financiamentos ilegais e benefícios fiscais até a legislação favorável que permitiu o monopólio da Globo. A obra destaca ainda a sonegação fiscal e o favorecimento na publicidade estatal como componentes-chave na construção do império midiático de Marinho.

A Rede Globo teve sua origem em 26 de abril de 1965, cerca de 13 meses após Roberto Marinho apoiar o governo militar. Segundo o autor, a fundação dessa empresa foi realizada de maneira ilegal, visto que a Constituição de 1946 proibia a participação de capital estrangeiro em empresas de comunicação. Entretanto, isso não impediu que Roberto Marinho estabelecesse uma parceria com um dos principais conglomerados de mídia dos Estados Unidos, responsável pelo controle das revistas Time e Life. Rapidamente, a TV Globo se firmou como uma fonte lucrativa, evoluindo posteriormente para a Rede Globo. No ano de 1980, já se destacava como a quarta maior emissora comercial do mundo, ficando atrás apenas das gigantes americanas ABC, CBS e NBC.

O crescimento da empresa não cessou. Em 1993, detinha 75% da audiência e controlava 80% do mercado publicitário da televisão brasileira. A maioria das novas emissoras tornou-se afiliada da Globo, concedendo a Roberto Marinho um poder comparável a distribuir Casas da Moeda entre seus parceiros comerciais e políticos nos estados. O programa Jornal Nacional alcançava 50 pontos de audiência, e seu centro de produções e dramaturgia, o Projac, inaugurado recentemente, tornou-se o segundo maior da América Latina. Apesar de seu domínio monopolista e imperial que perdurou por décadas, a empresa enfrentou dificuldades após a morte de Roberto Marinho, em 06 de agosto de 2003, mas foi socorrida pelo BNDES e pelo milionário mexicano Carlos Slim, proprietário da NET. Assim, a Globo conseguiu sobreviver, embora com desafios financeiros significativos, optando por vendas de ativos.

De acordo com Paulo Henrique Amorim, o surgimento da TV Globo marcou uma mudança no panorama midiático brasileiro, influenciando não apenas a imprensa, mas também os eventos políticos, sociais, econômicos e tecnológicos do país. Especialmente a partir de 1977, com o início da operação do Sistema Brasileiro de Telecomunicações por Satélite, gerenciado pela Embratel, que facilitou a criação de um mercado nacional de publicidade. Isso permitiu à Globo consolidar seu domínio, tornando-se praticamente um partido da imprensa. O autor enfatiza que Roberto Marinho sempre foi um estrategista político, influenciando eleições e apoiando candidatos alinhados com seus interesses comerciais e políticos.

Além disso, o autor destaca o papel da Globo nos governos brasileiros, desde o governo Sarney até os dias atuais. Aponta FHC como um político moldado pela emissora e ressalta sua relação contínua com ela. Observa-se que mesmo Lula e Dilma, apesar de contribuírem financeiramente com a Globo, não receberam o mesmo apoio que os candidatos do PSDB. O autor critica as práticas questionáveis da emissora, como a manipulação de debates eleitorais e pesquisas, assim como sua influência na nomeação de ministros e na condução de investigações policiais.

Quanto à sua reputação, Roberto Marinho é descrito como um estrategista implacável, cujas ações prejudicaram diversos políticos ao longo dos anos. A TV Globo foi acusada de perseguir adversários políticos e de influenciar diretamente os resultados das eleições. Apesar das críticas, nenhuma medida foi tomada para limitar o poder da Globo, o que levanta questões sobre a verdadeira liberdade de expressão no país. No entanto, diante do avanço da internet e da concorrência crescente, o futuro da Globo permanece incerto, como previu o autor, que aponta para um declínio da empresa devido à perda de receitas e à mudança no cenário midiático.

Em um cenário marcado pelo poder consolidado das grandes mídias, como a TV Globo, é essencial manter uma postura crítica e vigilante. A história nos mostra como o domínio dessas instituições pode influenciar profundamente a política, a sociedade e a democracia. A análise e a crítica das mídias vigentes são fundamentais para garantir a pluralidade de vozes e a liberdade de expressão. Ao questionarmos o papel e as práticas das grandes empresas de comunicação, estamos defendendo princípios democráticos essenciais e contribuindo para um ambiente midiático mais justo e transparente. É através do debate público e da conscientização que podemos construir uma sociedade mais informada e engajada, capaz de resistir às manipulações e defender os interesses coletivos. Portanto, a crítica das mídias vigentes não apenas revela suas falhas e excessos, mas também fortalece os pilares da democracia e promove uma comunicação mais ética e responsável.

Referência bibliográfica

AMORIM, Paulo Henrique. O Quarto Poder: Uma Outra História. São Paulo: Hedra, 2015.

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