A dor do Papa entre os refugiados de Lesbos “Vamos parar este naufrágio de civilização”

Mais Lidos

  • GPT-4, o algoritmo inexplicável e fechado. Artigo de Paolo Benanti

    LER MAIS
  • Dois bilhões de pessoas estão com sede: “estamos à beira de uma crise global”

    LER MAIS
  • Argentina, 1985: o ano que não terminou

    LER MAIS

Newsletter IHU

Fique atualizado das Notícias do Dia, inscreva-se na newsletter do IHU


Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

07 Dezembro 2021

 

Não faz muito tempo, tudo era diferente. Crianças brincavam no barro, entre montes de lixo. Ao redor, um cheiro acre de esgoto. Havia poucos contêineres, a maioria dos requerentes de asilo morava em tendas imundas. Quando o mistral chegava, muitas delas voavam para longe. Há apenas um mês, foram disponibilizadas novas tendas. Não havia eletricidade em algumas partes do campo. Em toda parte, havia frio e resignação.

 

A reportagem é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 06-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Depois, o anúncio da visita do Papa Francisco. E o “Centro de Recepção e Identificação” de Mytilene - o campo de Mavrovouni em Lesbos que substituiu o de Moria, não muito longe, destruído por um incêndio em setembro de 2020 – como por magia é ajeitado e arrumado. Para espanto dos hóspedes, as autoridades se desdobram em colocar tudo em ordem. Mas todo mundo sabe que provavelmente não vai durar muito. E Francisco também sabe disso.

Chegou domingo de manhã a bordo de um carro branco após um voo de Atenas, ele diz: "Cinco anos se passaram desde a visita feita aqui com os caros irmãos Bartolomeu e Ieronymos", mas "depois de todo esse tempo constatamos que pouco mudou em relação à questão migratória". O fato de que nada mudou, os próprios requerentes de asilo teriam gostado de contar diretamente ao Papa. “Infelizmente, não foi concedido a eles”, explica Elona Aliko, 36, uma ítalo-albanesa, agora voluntária em Lesbos pela Operação Colomba, o corpo não violento de paz da associação comunitária Papa João XXIII. Que continua: “Só puderam cumprimentar Francisco rapidamente, sorrir para ele e nada mais”. Assim que ele sai do carro, o Papa é conduzido para um toldo branco. Apenas alguns refugiados o seguem enquanto mais longe, entre os contêineres, as crianças continuam correndo como se nada estivesse acontecendo, entre roupas penduradas para secar, latas de água e gatos famintos.

 

 

O mar, cristalino, fica a poucos passos de distância. Ninguém se sente atraído. Naquelas águas, centenas de pessoas perderam a vida. “O mar está se tornando um frio cemitério sem lápides”, diz Francisco, olhando nos olhos os poucos refugiados sentados à sua frente. E ainda: “Não deixemos que o mare nostrum se transforme em um desolador mare mortuum, que este ponto de encontro se transforme em teatro do confronto”.

De acordo com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados, há 2.487 refugiados e requerentes de asilo em Lesbos.

2.144 vivem em Mavrovouni. A maioria deles veio do Afeganistão. Outros da Somália e da República Democrática do Congo. As crianças são 27 por cento, três em cada quatro têm menos de doze anos, 8 por cento estão aqui sozinhas. Três deles estão sentados à beira-mar. Eles olham para a Turquia, nas costas onde o corpo sem vida de Alan Kurdi foi depositado em 2015: “Encontremos a coragem de sentir vergonha diante dos rostos das crianças”, diz Francisco. Que então insiste com um apelo que não é novo no seu pontificado: “Por favor, vamos parar este naufrágio de civilização”.

 

 

Quatro garotos afegãos acompanham o discurso do Papa de um dos últimos contêineres no fundo do campo. Sorriem e dizem: “Não se esqueçam de nós. É difícil ficar aqui. Saímos raramente, quando nos dão permissão para isso".

Elona Aliko relata: “Uma vez por semana acolhemos aqueles que têm autorização para sair do acampamento. Nós os ajudamos em suas necessidades. Quando necessário, nós os acompanhamos até o hospital porque sem a gente eles não recebem os cuidados a que têm direito. Depois não voltamos para o campo com eles. Somos contra os campos fechados”. O Papa também afirma: “Não é levantando barreiras que se resolvem os problemas e se melhora a convivência”. E “é triste ouvir, como solução, propor o uso de fundos mútuos para construir muros, arames farpados. Estamos na era dos muros, dos arames farpados”.

 

 

Como em Lampedusa em 2013, a visita do Papa a Lesbos assume um tom quase penitencial. Uma citação é para o escritor de origem judaica Elie Wiesel, testemunha do Holocausto, que em 10 de dezembro de 1986, no discurso de recebimento do Prêmio Nobel da Paz, disse: "Quando as vidas humanas estão em perigo, quando a dignidade humana está em perigo, as fronteiras nacionais tornam-se irrelevantes”. O Papa pede que se supere “a paralisia do medo, a indiferença que mata, o cínico desinteresse que condena à morte os marginalizados com luvas de pelica”!

 

 

Ele levanta o olhar por alguns minutos, depois o abaixa e pergunta: "Por que não se fala da exploração dos pobres, das guerras esquecidas e muitas vezes ricamente financiadas, dos acordos econômicos feitos sobre a pele das pessoas, das ocultas manobras para traficar armas e fazer proliferar o seu comércio?". “As causas remotas devem ser enfrentadas”, insiste. “São necessárias ações concertadas”.

 

Leia mais

 

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

A dor do Papa entre os refugiados de Lesbos “Vamos parar este naufrágio de civilização” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU