19 Dezembro 2023
"Nas últimas décadas houve, sim, processos contra pessoas acusadas de vários crimes; nunca, no entanto, um alto prelado havia ido publicamente a julgamento. Essa é uma novidade absoluta", escreve Luigi Sandri, jornalista italiano, em artigo publicado por L'Adige, 18-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Em nome de Sua Santidade o Papa Francisco, o Tribunal do Estado da Cidade do Vaticano, invocou o SS. nome de Deus para que o ilumine nas suas decisões... absolve Becciu Giovanni Angelo do crime de autolavagem...".
Mas o declara culpado do crime de fraude agravada e o condena a uma pena de cinco anos e seis meses de reclusão e interdição perpétua do exercício de cargos públicos”. Quando, na tarde de sábado, essa sentença foi divulgada, simbolicamente se encerrou uma época e outra foi aberta, no Estado do Vaticano, nascida em 11 de fevereiro de 1929, com a “conciliação” entre a Santa Sé então liderada por Pio XI, e o Reino da Itália, liderado de fato por Benito Mussolini: ou seja, quem viola gravemente a lei com a qual se comprometeu será inexoravelmente punido.
Efetivamente, nas últimas décadas houve, sim, processos contra pessoas acusadas de vários crimes; nunca, no entanto, um alto prelado havia ido publicamente a julgamento. Essa é uma novidade absoluta, que torna verdade o que o pontífice reinante repete há anos: “No Vaticano, o tempo da impunidade ou das manobras obscuras, acabou para sempre."
No caso em questão, o "casus belli" nasceu quando, há três anos, vieram ao conhecimento fatos estranhos ligado a um “negócio” envolvendo, em 2014, data da tomada de decisão, a Secretaria de Estado, cujo Substituto na época era D. Giovanni Angelo Becciu. Ele – da Sardenha, nascido em 1948, diplomata de carreira - era muito estimado pelo novo papa, tanto que foi nomeado cardeal em 2018, quando nada se sabia – publicamente –sobre o “negócio”. Mas, pouco depois, começaram a circular rumores preocupantes sobre aquele caso, a compra-venda, em Londres, na Sloane Avenue – zona nobre da capital inglesa - de um prédio pelo qual o Vaticano desembolsou um total de mais de trezentos milhões dólares, mas depois, também por negligência (ou cumplicidade) de vários mediadores, na revenda perdeu mais de uma centena. O papa, acusando efetivamente Becciu, deixou que continuasse cardeal, mas privou-o do direito de entrar no conclave.
O prelado, no processo, sempre defendeu a retidão da sua participação no caso de Londres (bem como nas ajudas para a sua diocese natal de Ozieri). E depois, tendo reafirmado a sua inocência, já anunciou um recurso da sentença de 16 de dezembro: portanto deveria haver pelo menos um novo processo, com resultado análogo ao primeiro, antes de declarar confirmada a sua culpa.
No pano de fundo, permanece um emaranhado jurídico que apresenta delicados problemas. De fato, a Lei fundamental do Estado da Cidade do Vaticano, promulgada em 13 de maio de 2023 por Francisco, no artigo primeiro afirma: “O Sumo Pontífice, Soberano do Estado da Cidade do Vaticano, tem plenos poderes de governo, que incluem o poder legislativo, executivo e judiciário”.
Uma afirmação que pode ser entendida à luz da história, mas que, hoje, suscita certa perplexidade, pelo menos no Ocidente, onde a separação entre os três poderes é o fundamento da condição e da laicidade do Estado.
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Becciu, condenação que faz história. Artigo de Luigi Sandri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU