23 Mai 2022
Especialistas e jovens pesquisadores discutirão hoje e amanhã em Roma, no Centro de Convenções Bonus Pastor (via Aurelia 208), sobre "Antropoceno, era do humano: a atividade humana na história natural".
O evento, organizado pela Escola Internacional Superior de Pesquisa Interdisciplinar (Sisri), contará com a presença, entre outros, de Emilio Padoa Schioppa, Alberto Peratoner, Giancarlo Genta, Ivan Colagè e Giuseppe Tanzella-Nitti. Hoje às 17h30, a mesa redonda “Progresso e respeito. Ser humano e natureza para um futuro em construção”, aberta ao público; para informações, Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. Antecipamos um trecho da apresentação de Giuseppe Tanzella-Nitti, teólogo da Pontifícia Universidade da Santa Cruz e diretor do Centro de Documentação Interdisciplinar de Ciência e Fé.
O texto de Giuseppe Tanzella-Nitti é publicado por Avvenire, 21-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Durante a segunda metade do século XIX, o geólogo e sacerdote católico Antonio Stoppani, autor do primeiro tratado de geologia do território italiano, intitulado Il Bel Paese (1876), chamou a atenção para o fato de que a presença do ser humano em nosso planeta tinha alcançado uma influência global, sugerindo chamar de “antropozóica” a época geológica em que agora nos encontrávamos.
Depois de mais de um século, Paul Crutzen e Eugene Stormer se reportaram justamente a Stoppani intitulando Anthropocene o seu artigo que apareceu no ano 2000 na "Global Science News Letter", no qual se perguntavam a partir de que data e por quais fenômenos antrópicos se poderia definir o início dessa nova "era geológica". O termo voltou à cena nos últimos anos devido à questão ecológica, das mudanças climáticas e de outros possíveis efeitos da presença humana generalizada e pervasiva. Do ponto de vista científico, a definição do início formal de uma nova era cabe aos geólogos da Comissão Internacional de Estratigrafia (que ainda não tomou uma decisão); porém, em seus aspectos midiáticos, sociais e políticos, já estamos há bastante tempo no Antropoceno.
O ser humano, que entrou na história natural "na ponta dos pés", para usar uma expressão de Pierre Teilhard de Chardin, agora parece ser capaz de influenciar de forma decisiva e global muitas das dinâmicas terrestres em termos químicos, biológicos, geológicos e ambientais, a ponto de poder, de fato, ser considerado um fator determinante para o estado geral do planeta. O tema, porém, é filosoficamente mais profundo do que parece, se pensarmos que expressões como “influência no planeta” e “influência global” podem também dizer respeito à comunicação, ao compartilhamento e à solidariedade.
Do documento programático Paz com Deus Criador, Paz com toda a Criação (1990) de João Paulo II, até a Laudato si' (2015) e Fratelli tutti (2020) de Francisco, o magistério da Igreja Católica há tempo norteou uma reflexão de primeiro plano sobre a responsabilidade ecológica e sobre o desenvolvimento sustentável, ganhando uma autoridade reconhecida internacionalmente na área. São ensinamentos bem conhecidos que não precisam ser lembrados aqui. A teologia é impelida pela noção de antropoceno a uma reflexão mais aprofundada, especialmente se este termo for entendido como "uma época em que o ser humano alcança uma visão unitária e global de sua atividade na terra".
De fato, Deus confiou aos homens uma criação contínua e a atividade humana no cosmos - já operamos muito além dos confins da terra - contribui para o projeto do Criador mediante a construção de um futuro aberto sobre a história. A teologia poderia então se fazer uma pergunta, talvez inusitada, mas significativa: qual é o Antropoceno desejado por Deus?
Teilhard de Chardin já havia se perguntado algo assim um século atrás, embora usando termos diferentes. A partir de seus estudos de paleontologia, o pensador jesuíta entregava a sugestiva visão de um mundo em convergência evolutiva, que aos poucos se torna mais complexo, da biosfera à noosfera, âmbito do pensamento, que permeia todo o planeta. Graças à sua vida espiritual, o homem teria os recursos para unificar todo o gênero humano na solidariedade e na caridade. A tarefa da humanidade, defendia ele, é então um esforço para realizar essa partilha e convergência, deixando que Cristo, centro do cosmos e da história, possa atrair todos a si, para que Deus seja tudo em todos.
Teilhard de Chardin (Arte: Cepat)
Se observarmos os efeitos que o cristianismo determinou na história, especialmente no Ocidente, não é difícil encontrar obras e perspectivas de natureza global e unificadora. Basta pensar nos hospitais e no cuidado com o humano, nas universidades e nas economias de compartilhamento geradas pelas primeiras instituições de crédito. São iniciativas que nasceram do trabalho responsável dos cristãos, inspirados por ideais de solidariedade, partilha e promoção. Trata-se de atividades que caracterizaram a nossa vida no planeta de forma global e extensa.
Mas podemos ir mais além e nos perguntar, precisamente: que manifestações deveria ter a presença influente do ser humano no planeta para que ele coopere, segundo o desígnio de Deus, para levar a criação para o seu cumprimento? A primeira delas é fazer da humanidade uma única família. Todos os seres humanos são ordenados a tornarem-se membros do mesmo corpo, o corpo de Cristo: a Igreja, sacramento universal de salvação, é figura e sinal dessa união, recordou-nos o Concílio Vaticano II.
A influência e presença da humanidade no planeta, então, deve ser tal a ajudar, em todos os lugares e em todas as circunstâncias, aqueles que ficam para trás, encarregando-se de todos, porque "todos somos responsáveis por todos", expressão cara a João Paulo II e Francisco. “Quando o coração está verdadeiramente aberto a uma comunhão universal - escreve Francisco na Laudato si' - nada e ninguém fica excluído desta fraternidade. [...] Tudo está relacionado, e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos como irmãos e irmãs numa peregrinação maravilhosa, entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma de suas criaturas e que nos une também” (nº 92).
No antropoceno desejado por Deus, a rede de comunicação com a qual o ser humano envolveu inteiramente o planeta, e a globalização que disso deriva, seriam empregadas para distribuir os recursos onde forem mais necessários. Investira-se, assim, para aumentar a qualidade de vida de todos, mas também para compartilhar o pão da cultura, da educação e do conhecimento, pois compreender a nossa história e o papel do homem no cosmos é expressão de uma dignidade a que todos temos direito. Basicamente, no antropoceno que Deus espera do homem, a ciência estaria a serviço do desenvolvimento de todos e o homem de ciência, porque sabe mais, deveria servir mais...
O mundo em que vivemos é um mundo em construção, um mundo em que uns influenciarão cada vez mais os outros, um mundo em que estaremos cada vez mais conscientes de que estamos todos em relação, entre nós e com a natureza. No entanto, é indispensável que todos permaneçam abertos à relação mais importante, aquela com Aquele que guarda em Si o projeto do mundo e o sentido da história. Só assim as relações poderão ser construídas sobre bases sólidas, na caridade, na solidariedade e no respeito. “O presente e o futuro: tudo é vosso! E vós de Cristo e Cristo de Deus”, escreve São Paulo aos Coríntios (1Cor 3, 21-23). A teologia cristã está convencida de que essas poucas palavras contêm todas as instruções para administrar sabiamente a nova era geológica, se assim realmente fosse, que o ser humano já inaugurou.
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Antropoceno: o que Deus pede ao homem? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU