19 Mai 2020
A encíclica Laudato si’, de 2015, pode servir de modelo para a sociedade pós-pandemia.
A reportagem é de Nicolas Senèze, publicada em La Croix International, 18-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É difícil não ler a atual crise do coronavírus à luz do que o Papa Francisco escreveu em sua histórica encíclica Laudato si’ (sobre o cuidado da casa comum).
O Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano do Vaticano Integral lançou a “Semana Laudato Si’” (de 16 a 24 de maio) no sábado passado, enfatizando como a crise de saúde nos lembrou tão efetivamente que “tudo está interligado”, como o papa repete em sua encíclica.
Ambiente, saúde, economia, consumo, trabalho e sociedade...
“A tragédia da Covid-19 evidenciou aquilo que a Laudato si’ enfatizou. É uma tragédia global, transversal e sistêmica”, disse Aloysius John, secretário geral da Caritas Internationalis, em uma coletiva de imprensa realizada no dia 16 de maio pelo Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral.
O papa assinou a encíclica no dia 24 de maio de 2015. Ela foi publicada com grande destaque no dia 18 de junho seguinte.
Ele a descreveu repetidamente como uma encíclica “social”, e não como “ecológica”.
E o presidente do dicastério, o cardeal Peter Turkson, disse que é por isso que podemos encontrar boas diretrizes nela para ajudar a preparar o “mundo pós-pandemia”.
“Falar em ecologia integral nos torna sensíveis ao ‘clamor da terra’, mas a Covid-19 também nos lembra da necessidade de ouvir o ‘clamor dos pobres’, de todos aqueles que são vulneráveis”, disse o cardeal ganês, de 71 anos, na coletiva de imprensa.
“Em uma das últimas reuniões que tivemos com o Papa Francisco, ele nos pediu para ‘preparar o futuro’: não ‘nos prepararmos para o futuro’, mas sim prepará-lo, antecipá-lo. Essa crise é uma oportunidade para imaginar um futuro melhor que não deve ser desperdiçada”, disse Turkson.
Sob a égide do seu dicastério, cinco grupos de trabalho estão atualmente cruzando as reflexões de diferentes estruturas da Santa Sé, algo raro no Vaticano, onde os vários departamentos há muito tempo trabalham de maneira independente.
Um primeiro grupo está ouvindo as Igrejas locais para escutar suas experiências e apoiá-las.
Outro grupo está trabalhando com a Pontifícia Academia das Ciências e a Pontifícia Academia para a Vida. Eles estão canalizando vários ensinamentos sobre ecologia, economia, trabalho, saúde e governança “para formular novas trajetórias para a sociedade após a Covid-19”, disse o cardeal.
Um terceiro grupo está colaborando com a seção de Relações com os Estados da Secretaria de Estado (o “escritório das Relações Exteriores”) em questões relacionadas à defesa e à troca de experiências internacionais.
Os outros dois grupos estão focados nas comunicações e na captação de recursos.
A ideia dominante no Vaticano é lançar luz sobre as várias questões que a crise da Covid-19 trouxe à tona como fraquezas no sistema internacional.
Por exemplo, a fome no mundo.
“O coronavírus está aumentando os problemas relacionados à alimentação”, disse o Pe. Augusto Zampini, novo secretário adjunto do dicastério e coordenador dos grupos de trabalho.
“Embora a Covid-19 tenha revelado a fragilidade dos nossos sistemas alimentares, ela é também uma oportunidade de mudança, tanto nos padrões de produção quanto de consumo, e nas ações públicas e privadas”, disse o padre argentino formado na Inglaterra.
“É hora de uma conversão ecológica profunda e global que possa nos inspirar com maior criatividade e entusiasmo”, disse Zampini, de 50 anos, que começou a trabalhar no dicastério há quatro anos.
“Essa crise nos fez experimentar a nossa vulnerabilidade em vários níveis”, disse o Mons. Bruno-Marie Duffé, secretário do dicastério.
“Primeiro, nos níveis físico e social: não podemos mais acreditar que somos poderosos e imunes a desordens naturais e climáticos”, disse ele.
“Em segundo lugar, nos níveis político e ideológico: a pandemia ressaltou a nossa dificuldade de pensar e de antecipar crises, e a nossa falta de equipamentos de saúde e de prevenção”, disse o padre de Lyon de 68 anos.
O padre francês, especialista em direitos humanos e saúde, também destacou a “fragilidade econômica” da sociedade atual.
“Até agora, consideramos a saúde como um mero instrumento para produzir cada vez mais, na lógica dos interesses particulares e de curto prazo. Hoje, estamos redescobrindo a saúde e a solidariedade como condições e pilares da nossa economia”, afirmou.
“Nesse contexto, a missão da Igreja é propor uma reflexão sobre o vínculo entre as dimensões sanitária, ecológica, econômica e social da crise, uma vez que tudo está interligado, e apoiar novas opções para cuidar da natureza, da biodiversidade e dos seres humanos”, disse Duffé.
Ajudar aqueles que mais sofrem com a crise não deve ser esquecido. O Vaticano criou um fundo de assistência especial para esse fim e colocou-o sob a direção da Caritas Internationalis.
O fundo já financiou 14 projetos, ajudando diretamente cerca de 7,8 milhões de pessoas em todo o mundo. Outros projetos atualmente em consideração poderiam ajudar mais 840.000 pessoas.
“Graças ao trabalho determinado da Igreja em que bispos, padres e religiosos se mobilizaram, fomos capazes de incentivar os mais pobres dos pobres a ficar em casa, ajudando-os”, disse um líder da Cáritas Índia em Tamil Nadu (sudeste do país).
O Vaticano também continua seu próprio trabalho pelos pobres e renovou o pedido do papa pelo cancelamento da dívida para os países pobres.
“Ou pelo menos um cancelamento dos juros devidos em 2020”, disse Aloysius John, de 63 anos.
O secretário-geral da Caritas Internationalis também pediu “o levantamento das sanções econômicas contra o Irã, Líbano, Síria, Líbia e Venezuela, a fim de garantir a ajuda às pessoas e para que a Cáritas, através da Igreja, possa continuar desempenhando seu papel no apoio aos pobres e vulneráveis”.
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Vaticano se prepara para o “mundo pós-coronavírus” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU