16 Dezembro 2019
Nossa Senhora não é "corredentora", portanto, não compartilha com Jesus o poder de redimir a humanidade do pecado, e não serve "perder tempo” com novos dogmas que estabelecem novos títulos. O Papa Francisco disse isso durante a missa dedicada à Virgem de Guadalupe, comemorada no dia 13 de dezembro, descartando um pedido que já o Concílio Vaticano havia posto de lado.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Vatican Insider, 13-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo a narrativa tradicional, em 1531, Nossa Senhora apareceu perto da Cidade do México para Juan Diego Cuauhtlatoatzin, um dos primeiros astecas convertidos ao cristianismo. Desde então, um santuário nasceu no local. Há séculos, a Virgem de Guadalupe é adorada por todos os fiéis de língua espanhola do continente americano. E desde o início de seu pontificado, Jorge Mario Bergoglio celebra uma missa no dia dedicado a ela, 12 de dezembro, em horário compatível com o fuso horário da América Latina.
"A celebração de hoje, os textos bíblicos que ouvimos, as imagens de Nossa Senhora de Guadalupe que nos lembram a Cuauhtlatoatzin sugerem três adjetivos para ela: mulher e senhora, mãe e mestiça. Maria é uma mulher, mulher e senhora, como Cuauhtlatoatzin diz. Mulher com a senhoria de ser mulher, ela se apresenta como mulher e se apresenta com a mensagem de um Outro, ou seja, é mulher, Senhora e discípula. Santo Inácio gostava de chamá-la de Nossa Senhora: assim simples, não pretende mais nada, é mulher, discípula. A piedade cristã ao longo do tempo sempre tentou louvá-la com novos títulos, títulos filiados, títulos do amor do povo de Deus, que, no entanto, não tocavam em nada o fato de ser mulher discípula. São Bernardo nos dizia que falando de Maria nunca é suficiente louvá-la, mas nunca foi questionado o seu humilde ser discípula, fiel à seu mestre, que também é seu filho, o único redentor: ela nunca quis tomar para si mesma algo de seu filho, nunca se apresentou como corredentora, mas como uma discípula. O discipulado é mais importante que a maternidade? Não, nunca roubou para si algo de seu filho porque é mãe. Maria é nossa mãe, mãe de nosso povo, mãe de todos nós, mãe da Igreja, mas ela também é figura da Igreja, é mãe do nosso coração. Alguns padres da Igreja dizem que o que se fala de Maria pode ser falado da Igreja, que é feminina, e nossa alma tem aquela capacidade de receber de Deus a graça que os padres consideravam como feminina. Não podemos pensar na Igreja sem esse princípio mariano. Quando procuramos o papel da mulher na Igreja, procuramos o caminho da funcionalidade, mas isso nos deixa na metade do caminho: a mulher na Igreja vai além desse princípio, é mariano, é a santa mãe Igreja. Sem outro título essencial - pensemos nas litanias, títulos de apaixonados que cantam - não tocam a essencialidade de Maria, mulher e mãe, isso é importante. Terceiro adjetivo, Maria quis ser mestiça, ela se tornou "mestiça", mas não apenas com Juan Dieguito, ela se tornou “mestiça” para ser a mãe de todos, porque ela tornou “mestiço” Deus, e esse é o grande mistério, Maria mãe mestiça do verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Quando alguém chega com histórias que é preciso declará-la isto ou aquilo, é preciso dar-lhes novos dogmas - disse o Papa - não vamos perder tempo com essas histórias: Maria é mulher, Senhora, mãe de seu filho e da Santa Mãe Igreja hierárquica, e é mestiça, mulher dos nossos povos que fez Deus mestiço. Que ela fale conosco assim como falou com São Diego desses três títulos com ternura, com candor feminino e mestiça”.
A questão do título de Maria "corredentora" retorna periodicamente na história moderna da Igreja. A Igreja já ensina quatro dogmas relacionados à Virgem, a saber, sua perpétua virgindade, sua dignidade como Mãe de Deus, sua Imaculada Conceição e sua gloriosa Assunção no céu em alma e corpo. Já no Concílio Vaticano I (1869-1870), havia quem apoiasse a ideia de um novo dogma para permitir que Maria participasse do poder redentor de Jesus. Pio XI (1922-1939) foi o primeiro pontífice que falou de Maria corredentora, João Paulo II fez isso várias vezes, mas todos os Pontífices rejeitaram a ideia de um novo dogma. No Concílio Vaticano II (1962-1965), alguns bispos também apresentaram o pedido, em particular, mas João XXIII e Paulo VI não o levaram em consideração, inclusive porque os protestantes não veneram Maria e tal manobra arriscaria arruinar as relações entre os cristãos em pleno concílio ecumênico.
Recentemente, dois cardeais idosos - o mexicano Juan Sandoval e o indiano Telesphore Toppo - e quatro bispos se dirigiram ao Papa pedindo para proclamar o dogma de Maria corredentora.
A íntegra da homilia do Papa Francisco, em espanhol, pode ser ouvida aqui.
Ao final da missa, animada pela música do Colégio Pio latino-americano, o cardeal Marc Ouellet, "como presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina", tomou a palavra para lembrar o cinquentenário do sacerdócio do Papa que ocorre amanhã, provocando aplausos dos presentes na basílica do Vaticano, e acrescentando: "Por um desígnio divino muito peculiar que só ela pode julgar, seus 23 anos de serviço como sacerdote jesuíta e seus 27 anos de ministério episcopal somam uma impressionante abundância de bênçãos e graças para o benefício do povo de Deus em nosso tempo. Nem todo mundo consegue entender completamente" o alcance de seus gestos, palavras e decisões, mas "posso garantir que o povo de Deus que caminha na fé se sente animado e consolado por seu exemplo e por seu magistério".
Assista à missa em celebração à Virgem de Guadalupe:
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Francisco: Maria não é corredentora, não são necessários novos dogmas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU