04 Setembro 2017
Em San Antonio de Táchira chegam ônibus cheios de pessoas de toda a Venezuela; são na sua maioria homens e mulheres jovens, que juntaram durante meses o dinheiro necessário para a viagem e agora iniciam uma nova vida.
A reportagem é de Emiliano Guanella, publicada por La Stampa, 03-09-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Todos os dias cinquenta mil pessoas passam a fronteira. Um terço deles vai e volta durante o dia para fazer as compras; comprar bens de primeira necessidade que sumiram em seu país. A lista é enorme, vai de alimentos, a artigos de higiene pessoal e medicamentos. O hospital municipal em Cúcuta entrou em colapso, há longas filas, especialmente para conseguir as vacinas para as crianças. Poder-se-ia esperar um clima pesado, hostil, mas não é assim; quem passa a fronteira sempre tem uma história para contar e logo se sente à vontade para falar, nessas manhãs tipicamente tropicais, de sol quente e chuvaradas torrenciais que parecem varrer as tendas verdes e brancas da polícia e dos agentes de migração da Colômbia.
Fabiola tem 27 anos, carrega um carrinho e uma mochila, e está indo para o Equador. "Em Caracas eu estava cursando administração de empresas; estou indo para Quito porque me falaram que é mais fácil encontrar trabalho lá do que na Colômbia. Minha família me ajudou a conseguir o dinheiro para a viagem, lá pagam em dólares; estou disposta a aceitar qualquer trabalho, desde que possa ajudá-los". É um dos tantos jovens que fogem do país de Nicolas Maduro. "Já restam poucas pessoas da minha idade. A maioria dos meus amigos da universidade trabalha sem parar e depois parte. Para o governo, no fundo, é conveniente a nossa saída, mas esperamos poder voltar quando eles se forem".
Alegria e tristeza são os sentimentos dominantes. Feliz por sair, destroçados pelas despedidas. Jaime deixou no Carabobo a esposa e filha de onze meses. Aos 21 anos, ele está pronto para mudar de vida. "Quando subi para o ônibus senti uma pontada no meu coração e chorei a noite toda. Mas agora que cruzei a fronteira, tenho que mudar o chip; quero ir para o Chile, conseguir um emprego e buscar a minha família, o mais rápido possível.
Mais de um milhão de venezuelanos emigraram para a Colômbia nos últimos três anos. A eles somam-se pelo menos 500.000 colombianos, que tinham ido trabalhar na Venezuela durante os anos de boom do petróleo e dos subsídios de Chávez, e que agora retornam para casa. Entre eles muitas famílias mistas, uma ponte entre dois países cujas relações nunca foram particularmente fáceis. Dois anos atrás Maduro decidiu fechar as fronteiras, depois as reabriu, mas apenas para o trânsito de pedestres, e assim também o comércio acabou ficando estagnando. É possível passar, de fato, apenas com uma mala; a alternativa é desviar pelas "trochas", com os contrabandistas que cruzam os rios e as matas, mas se corre o risco de ser roubado. Em Cúcuta recentemente instalou-se um padeiro de San Antonio, que conseguiu contrabandear os fornos com uma barcaça atravessando o rio no escuro da noite. Na cidade o clima é de emergência.
Desde que os tumultos começaram em Caracas, em abril passado, o fluxo de venezuelano aumentou exponencialmente. Sem saber para onde ir, muitos deles passavam a noite na praça municipal e diversas famílias colombianas levavam para eles refeições quentes, água e roupas. Depois de algumas semanas a situação tornou-se insustentável e o prefeito ordenou a evacuação. Há uma dúzia de mesas sempre lotadas no centro dos padres escalabrinianos liderados por Dom Francesco Bortignon.
Ao redor da paróquia "La Milagrosa" formou-se um gigantesco acampamento, ao qual chegam novos migrantes todos os dias. "Tentamos ajudá-los tanto quanto possível - eles explicam - mas não podemos atender a todos. Fazemos uma triagem das situações mais graves e as submetemos à atenção do ACNUR, o Conselho de Direitos Humanos da Noruega ou à Cruz Vermelha Internacional". Não são raros os casos de crianças "sem pátria"; nascidos na Venezuela de pelo menos um dos pais colombiano, que não têm nenhuma documentação e, portanto, não podem frequentar a escola, nem receber assistência social.
Outro grande problema é que a maioria dos recém-chegados não tem passaporte, porque é muito caro na Venezuela. Na fronteira os migrantes recebem uma permissão especial para estadia naquela área restrita, mas que não vale nada quando eles vão para Cali, Bogotá ou Medellín.
Quem tem os papéis em dia, no entanto, dirige-se para o Equador, Peru, Chile ou Argentina. Ou, para o leste, no estado brasileiro de Rondônia e de lá para São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Uma 'invasão venezuelana’ que pode ser confirmada pelo volume de remessas; de diferentes cidades da América do Sul os refugiados enviam dólares para Cúcuta, onde são retirados por parentes ou amigos e contrabandeados para a família em seu país. Daqui a uma semana o Papa chega à Colômbia e os venezuelanos gostariam de encontrá-lo para pedir ajuda. O Vaticano está tentando há algum tempo fazer a mediação entre as partes, mas até agora sem sucesso.
Após a virada autoritária de Caracas, as coisas parecem que só podem piorar. As autoridades colombianas preveem um fluxo de dois milhões de venezuelanos nos próximos meses. Enquanto o governo bolivariano exibe seus músculos e responde com bravatas militares às ameaças de Donald Trump, a crise tornou-se um problema regional e cada vez mais assume os contornos de uma catástrofe humanitária.
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Venezuela. A fronteira dos desesperados que fogem de Maduro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU