18 Setembro 2018
De passagem por Paris para promover o seu livro Bullshit Jobs (Ed. Les Liens qui Libèrent), lançado no começo do mês na França, o antropólogo e economista David Graeber explica como pretende acabar com os “empregos de merda”...
A entrevista é de Nicolas Raffin, publicada por 20 Minutes, 14-09-2018. A tradução é de André Langer.
Você acha que seu trabalho é totalmente inútil? E se desaparecesse, não faria falta? Você é provavelmente um daqueles que tem um “bullshit job”, um “trabalho de merda”, uma expressão cunhada pelo antropólogo David Graeber em um artigo publicado em 2013.
Surpreso com o sucesso da expressão e da quantidade de testemunhos que recebeu, este professor da Escola de Economia de Londres decidiu aprofundar o assunto em um livro publicado na França no início de setembro. De acordo com David Graeber, a proliferação de “empregos de merda” está ligada à crescente importância das finanças nas empresas, com consequências desastrosas para os trabalhadores envolvidos. Esse militante anarquista reivindica, entre outras coisas, o estabelecimento de uma renda universal para acabar com esses “trabalhos de merda”.
Você esperava receber tantos testemunhos sobre os “trabalhos de merda”?
Antes deste livro, eu nunca tinha dado atenção a testemunhos desse tipo. Eu pensei que receberia apenas uma dúzia! No final, recebi mais de 300. Isso mostra que coloquei o dedo em alguma coisa e, para muitos daqueles que me escreveram, isso permitiu que se libertassem de um peso.
Quais são as histórias que mais o impressionaram?
Muitas vezes penso nesse pobre homem que era guarda de museu. Ele tinha que sentar em uma sala onde não havia nada para assistir, e não tinha permissão para consultar seu smartphone ou ler um livro. Também penso em Eric, um jovem que tinha acabado de se formar e cujo primeiro emprego foi tão chato que fez de tudo para ser demitido, mas não conseguiu! Em todos esses trabalhos, muitas vezes você tem um ambiente de trabalho hostil – um chefe desagradável, por exemplo – combinado com tarefas inúteis.
Você diz que os “trabalhos de merda” têm efeitos adversos sobre a saúde dos trabalhadores...
Eles sofrem em parte porque não entendem o que estão fazendo, mas também porque seu trabalho realmente não é justificado. Eles são, na realidade, pagos para não fazer nada. E poderíamos dizer: “Do que estão reclamando? Muitas pessoas sonham com esta situação”. Mas, na verdade, muitos sofrem de ansiedade e de depressão.
Isso diz muito sobre a natureza humana. Nós temos um preconceito que consiste em pensar que as pessoas preferem não fazer nada se tiverem a oportunidade. Muitas políticas sociais são baseadas na ideia de que você precisa forçar as pessoas a voltarem ao trabalho. Mas, na realidade, quando as pessoas não precisam trabalhar e ainda conseguem dinheiro, elas se sentem infelizes.
Você também diz que as empresas e os governos realmente não enfrentam esse problema. Por quê?
Se você se colocar do lado do Estado, a resposta é bastante óbvia. Para os governantes, os empregos são sempre vistos como uma coisa boa. Eles sempre querem criar mais empregos. No que diz respeito às empresas, isso é mais misterioso. Eu penso que a proliferação dos “empregos de merda” está ligada ao prestígio: quanto mais pessoas trabalharem sob suas ordens, mais você é percebido como poderoso.
Naturalmente, essa teoria é especialmente válida para os “trabalhadores de colarinho branco”, aqueles que trabalham em escritórios. Os “trabalhadores de colarinho azul”, aqueles que realmente produzem alguma coisa, estão sujeitos a um ritmo de trabalho cada vez mais intenso e a cortes de empregos.
De acordo com a sua teoria, é a importância do setor financeiro que explica o crescimento desenfreado de “empregos de merda”...
As finanças não são eficientes, no sentido econômico da palavra. Elas visam somente ganhar e acumular o máximo de dinheiro possível. Considere as companhias de consultoria: como são pagas por hora, elas têm todo o interesse em arrastar as coisas e encontrar problemas “complexos” que exigem seu chamado expertise.
Podemos acabar com os “empregos de merda”?
Precisamos repensar globalmente a maneira como a economia funciona. Isto implica em acabar com a “teoria do gotejamento”. Esta teoria subentende que os mais ricos são criadores de empregos. Assim, eles ganham muito dinheiro e, como não precisam mais produzir bens de luxo, criam empregos “improdutivos”.
A outra coisa que precisa ser enfrentada é a obrigação de aceitar qualquer trabalho, mesmo o pior, para poder comer ou pagar o aluguel. Seria necessário, portanto, aumentar significativamente os salários dos “verdadeiros” empregos, como os de professores, enfermeiros ou mesmo costureiros, para torná-los mais atraentes.
Você também defende a ideia de uma renda universal. Por quê?
A renda universal permite desconectar os meios de subsistência do trabalho. Amanhã, se você tiver certeza de ter uma renda desse tipo, será mais fácil deixar o seu “trabalho de merda”, podendo continuar a viver normalmente. Isso não significa que as pessoas não vão trabalhar mais nada. Simplesmente, elas não aceitarão mais um trabalho que não faz nenhum sentido.
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“Com a renda universal, as pessoas não aceitariam mais um trabalho que não faz sentido”. Entrevista com David Graeber - Instituto Humanitas Unisinos - IHU